27/10/2014 - 0:00
A campanha presidencial que se encerrou com a reeleição de Dilma Rousseff colocou nas ruas um assunto antes restrito aos meios acadêmicos: a independência do Banco Central (BC). Considerado o “quarto poder”, o BC, no Brasil, tem a capacidade ímpar de fixar os preços da principal mercadoria da economia, o dinheiro. Ao elevar ou baixar os juros, o BC baliza se os eleitores comparecerão às urnas dispostos a manter o governo ou a trocá-lo. Tamanha capacidade de influenciar o dia a dia das pessoas torna-o uma instituição única. Não por acaso, seu presidente, indicado pelo presidente da República, tem status de ministro e é um dos três participantes do Conselho Monetário Nacional.
Ao lado das Forças Armadas e do Ministério das Relações Exteriores, o BC é uma das poucas instituições de Estado que têm dinâmica própria, com um corpo técnico formado por profissionais de carreira. Também é uma instituição temida. Um ex-diretor da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, costumava dizer que os técnicos do BC são os únicos servidores públicos que realmente assustam os banqueiros. Tanto poder provocou a discussão sobre sua independência durante a campanha presidencial. Uma das armas para desconstruir a candidatura de Marina Silva foi a ameaça de que um BC totalmente autônomo entregaria o País ao capital financeiro, tirando comida da mesa do povo.
Terrorismos eleitoreiros à parte, essa é uma discussão desfocada. O BC foi criado em 1976, quando a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) se desligou do Banco do Brasil e se tornou uma autarquia independente. Desde a redemocratização, em 1989, seu comando foi entregue a técnicos ou a economistas respeitados pelo mercado. Nos últimos 25 anos não se tem notícia de que sua presidência tenha sido entregue a um político, nem de que sua diretoria tenha sido loteada entre os amigos da base aliada.
E, apesar das acusações recentes de subserviência à agenda eleitoral, turbinadas pelo apreço de Alexandre Tombini pelos juros baixos, o BC elevou a taxa Selic em 5,5 pontos percentuais entre abril de 2013 e abril de 2014, seis meses antes do primeiro turno da eleição presidencial. Os especialistas do mercado podem (e devem) questionar se o BC não vem sendo brando demais com a inflação, mas o fato é que, divergências sobre intensidade e gradação à parte, a atuação do Comitê de Política Monetária (o Copom) não seria vista com maus olhos nos comitês análogos do Federal Reserve (o BC americano) e do Banco Central Europeu.
Na prática, o BC tem demonstrado uma atuação autônoma, embora essa autonomia esteja longe de ser explícita ou formalizada em lei. Se fosse seguir a política do primeiro mandato de Dilma Rousseff, que ao longo de 2010 desfraldou nos palanques a bandeira da queda dos juros reais para 2% ao ano, o BC teria perseverado nas taxas baixas durante bastante tempo, só começando a agir quando a inflação rompeu o teto da meta em setembro. A discussão sobre a autonomia do BC, portanto, permanece desfocada. E essa falta de foco cobra um preço. Por não assumir de direito o que ocorre de fato, o governo piora o humor dos investidores, algo pouco desejável para a saúde de uma economia que necessita tanto do capital privado para continuar funcionando.