30/04/2024 - 20:22
Maria Laerte da Conceição mora no Distrito Federal e teve dois netos condenados e presos. Em março, a avó dos detentos pediu para visitá-los, mas o pleito foi barrado pela Justiça. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), ela só tem direito a visitar um deles e precisa escolher qual vai ver na prisão.
O TJDFT rejeitou o pedido de Maria da Conceição alegando que uma regra local só autoriza pai e mãe a visitar mais de um preso no sistema prisional da capital federal. A vedação de múltiplas visitas por uma só pessoa foi criada sob alegação de tentar impedir a circulação de interlocutores de facções criminosas dentro dos presídios.
Procurado pelo Estadão, o TJ-DFT afirmou que uma portaria de 2016 normatizou as visitas nos presídios, como forma de “preservar o direito das pessoas presas e a segurança e a estabilidade do sistema prisional”. “Assim, de acordo com a norma, somente os pais e os filhos, e, ainda, se um dos presos não tiver visitante algum, é que é possível fazer visitas em mais de um presídio por vez. A Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP-DF) ressalta ainda que os casos são analisados individualmente e, quando possível, os presos que são parentes são colocados em um mesmo presídio para facilitar a visitação”, afirmou a Corte.
No dia 19 de março, o juiz Bruno Macacari negou o pedido da avó. Ela queria ir ver o neto Douglas Pereira da Silva, que está preso desde janeiro deste ano. O magistrado argumentou que ela já vai ao sistema penitenciário encontrar outro neto, Vinícius Pereira da Silva, irmão de Douglas, que também está encarcerado.
Ao negar o pedido feito pela avó, Macacari citou que a lei da capital federal impede que pessoas se cadastrem para visitar mais de um preso, mesmo que eles estejam em presídios diferentes. A única exceção prevista pela portaria, que está em vigor desde 2016, é quando se trata do pai ou mãe de diferentes detentos.
A mãe dos presos, Lívia Pereira de Brito, faleceu de câncer em 2003, quando os filhos tinham cinco e um ano de idade. Segundo a esposa de Douglas, que não quis se identificar, Maria Laerte foi quem criou os dois desde a infância e é a figura materna dos detentos.
O juiz do TJ-DFT afirma que a limitação da visita para Maria da Conceição é justificada pela “necessidade de frear o crescente movimento de interlocutores” utilizados por grupos criminosos. “Sem a restrição, a ordem, segurança e disciplina dos presídios, bem como o combate ao fortalecimento de facções criminosas ficam comprometidos”, disse Macacari.
Vinícius Pereira da Silva foi o primeiro dos netos a ser preso. Foi em julho de 2022. Condenado por tentativa de latrocínio (roubo, seguido de morte), Vinicius recebeu pena de dez anos de prisão. Além outros dois comparsas também foram condenados. Eles planejaram a morte de um comerciante em outubro de 2021 e roubaram 10 mil dólares da vítima. O homem foi amarrado e jogado em um matagal, mas não foi assassinado por “circunstâncias alheias às vontades” dos acusados.
Há o outro neto Douglas foi condenado a cinco anos e quatro meses de reclusão. Sua prisão só foi decretada no início deste ano. Em 2021, ele roubou um celular e uma caixa de som de uma mulher, em Samambaia, região administrativa do DF. Para cometer o crime, ele utilizou uma arma falsa. Acabou sendo atingido por um tiro no cóccix por um policial militar que passava pelo local na hora do assalto.
Defensoria Pública quer que TJDFT afrouxe entendimento e permita visitas da avó
No último dia 21 de março, a Defensoria Pública do Distrito Federal (DP-DF) entrou com recurso pedindo a revisão da decisão do juiz. O órgão afirma que a Constituição Federal assegura que os presos devem receber visitas de familiares e também cita uma decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1995, que prevê a comunicação periódica dos reclusos com os seus familiares.
“Sendo certo que o contato com parentes e amigos é essencial para a manutenção da estabilidade emocional do detento e, via de consequência, para alcance dos fins da expiação no cárcere, não há razão para que se imponham dificuldades não previstas em lei”, diz um trecho do recurso da DP-DF, que ainda não foi analisado pelo TJ-DFT.
De acordo com Felipe Zucchini, coordenador do Núcleo de Execuções Penais da DP-DF, o órgão quer que Maria da Conceição, que é identificada como a presença materna dos irmãos presos, tenha o direito de ver os dois netos garantido. Segundo Zucchini, a Justiça não pode impedir, com argumentos de reforço da segurança pública, que parentes visitem internos do sistema penitenciário.
“Toda família tem o direito de visitar os seus parentes. Ninguém pode fazer uma escolha de qual parente prefere visitar por essas razões de segurança pública. O nosso entendimento é que a ressocialização no ambiente prisional tem sido realizado, sobretudo, com a participação da família”, afirmou.
TJDFT diz que regra que limita visitas tenta conter ação de facção criminosa
Em nota o TJDFT explicou que a portaria que regula as visitas a presos foi editada após relatório de inteligência detectar que “presos ligados a facções criminosas estariam se utilizando de visitantes para levarem informações aos presos de um presídio para o outro”. Veja a íntegra da nota do Tribunal:
“A VEP/DF esclarece que a Portaria 008/2016 da VEP/DF disciplina as visitas ao sistema prisional do DF há 8 anos. A edição da Portaria baseou-se em relatório de inteligência elaborado à época pelo serviço de inteligência prisional, dando conta que presos ligados a facções criminosas estariam se utilizando de visitantes para levarem informações aos presos de um presídio para o outro.
Assim, por meio da Portaria 8/2016, a visitação foi normatizada, de forma a preservar o direito das pessoas presas e a segurança e a estabilidade do sistema prisional, que, ao fim e ao cabo, também os beneficia, na medida em que tal panorama é a garantia da preservação da integridade física dos presos.
Assim, de acordo com a norma, somente os pais e os filhos, e, ainda, se um dos presos não tiver visitante algum, é que é possível fazer visitas em mais de um presídio por vez. A VEP/DF ressalta ainda que os casos são analisados individualmente e, quando possível, os presos que são parentes são colocados em um mesmo presídio para facilitar a visitação”.