A Azul, até o fim deste mês de maio, figurava como única empresa aérea brasileira a nunca ter pedido recuperação judicial. A situação mudou dado que a companhia, agora, teve de recorrer a um processo de Chapter 11 – nome dado a recuperação judicial nos Estados Unidos – tal como sua concorrente, a Gol.

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A possibilidade de uma recuperação judicial da Azul já havia sido ventilada no passado, dado que a companhia passava por dificuldades financeiras e negociava com credores. Todavia, até então a companhia negava que a possibilidade estava na mesa.

Ao Dinheiro Entrevista, no fim de dezembro de 2024, o CEO da companhia aérea, John Rodgerson, havia dito que existiam negociações mas a empresa nunca tinha cogitado isso.

“Nunca pensamos em fazer isso [recuperação judicial], mas o mercado é assim mesmo. Já estávamos falando com credores mas sobre uma solução amigável”, declarou, à época.

“Tenho muito orgulho porque somos a única companhia aérea do Brasil que não entrou em RJ [recuperação judicial]”, complementou.

Na ocasião, o executivo mostrou otimismo com as medidas tomadas no segundo semestre de 2024, que limpavam R$ 6 bilhões de dívidas do balanço e reforçavam a estrutura operacional e de capital.

Todavia, em um ambiente de dólar pressionado e com um dos combustíveis mais caros do mundo, a companhia teve de jogar a toalha menos de seis meses depois.

Vale destacar que Rodgerson havia dito também que a empresa conseguia se distanciar de um eventual pedido de recuperação judicial por conta de um mercado considerado aquecido.

“Só é possível evitar recuperação judicial porque a demanda está forte, e nosso modelo de negócio é muito diferente das demais. Eu faço coisas que meus concorrentes não fazem, estamos em 100 cidades que os concorrentes não estão”, disse ao Dinheiro Entrevista.

A análise do mercado, contudo, é de que demanda forte foi superada por custos elevados.

Os analistas Pedro Bruno, Matheus Sant’anna e João Ramiro, da XP, observam que o RASK – indicador que mede a receita operacional dividida pelo total de assentos-quilômetro oferecido – apresentou um desempenho estável na base anual no resultado trimestral mais recente, com um aumento da ocupação para 81,5%. Só que algumas linhas do balanço tiveram um peso maior para o outro lado.

“A Azul enfrentou um ambiente de custos mais desafiador, com o CASK [Custo do Assento-Quilômetro Oferecido] geral aumentando em 8% na base anual”, disseram os analistas da casa sobre o resultado da Azul no primeiro trimestre de 2025.

A alta dos custos foi atrelada pela XP principalmente a:

  • Aumento de outras despesas devido a operações irregulares por problemas com OEM/fornecedores, causando contingências legais e custos para realocar passageiros existentes, além de um ambiente cambial desfavorável
  • Maior depreciação em uma base unitária devido a novas aeronaves e mais peças sobressalentes

Qual o tamanho da dívida da Azul?

Conforme o resultado trimestral mais recente, a companhia encerrou março com R$ 31,3 bilhões em dívida líquida, representando uma alta de 6% ante o trimestre imediatamente anterior.

Em termos de alavancagem, o número é 5,2 vezes o Ebitda da empresa.

“A alavancagem da Azul medida como dívida líquida sobre o EBITDA UDM foi de 5,2x, principalmente devido à desvalorização do real frente ao dólar americano neste ano, o que impactou nossa dívida denominada em dólar. Considerando a conversão dos 35% das notas de 2029 e 2030 em ações, a alavancagem da Azul seria de 4,4x”, justificou a gestão da empresa à época

A dívida bruta fechou março em R$ 34,6 bilhões, dos quais R$ 17,05 bilhões são passivo de arrendamento e R$ 14,6 bilhões são classificados como ‘outros empréstimos, financiamentos e debêntures’.

Analistas do Bradesco BBI avaliam que a necessidade de uma nova reestruturação pela Azul ‘já era esperada’, principalmente por conta do atraso nos financiamentos apoiados pelo governo, à posição de caixa mais fraca e aos desafios operacionais.

“Destacamos que a eliminação de US$ 2 bilhões em dívidas poderá levar a uma diluição significativa das ações da Azul”, diz a casa, acerca do pedido de recuperação judicial.

United Airlines e American Airlines terão fatia maior na empresa?

No seu comunicado sobre a recuperação judicial, a companhia aérea alegou que firmou acordos com seus principais parceiros financeiros, incluindo os detentores de títulos de dívida existentes, a arrendadora de aeronaves AerCap e os parceiros estratégicos United Airlines e American Airlines, para apoiar a reestruturação.

Questionada pela IstoÉ Dinheiro, a empresa declarou que ainda não está definida a participação acionária de concorrentes como United Airlines e American Airlines. O tema será definido somente ao fim do processo de Chapter 11, mas as empresas terão cadeiras no Conselho de Administração.

Atualmente a United é dona de 2,08% das ações preferenciais AZUL4. David Neeleman, o fundador, detém 0,82% e 67% das ordinárias. Atualmente 96,41% das ações preferenciais estão com investidores, incluindo institucionais que tem menos de 5% da empresa e pessoa física – o chamado free float.

O acordo firmado pela empresa inclui um compromisso de US$ 1,6 bilhão em financiamento ao longo do processo, a eliminação de mais de US$ 2 bilhões em dívidas e um adicional de até US$ 950 milhões em financiamento em equity, afirmou a Azul.

“Acreditamos que podemos entrar e sair antes do final do ano. A saída às vezes é a parte mais difícil deste processo. Então, já estamos entrando com a saída em mente e com o financiamento garantido”, disse Rodgerson à Reuters.

O executivo ainda frisou que problemas na cadeia de suprimentos que atrasam entregas de aeronaves e planos de manutenção e a questão cambial foram uma pedra no sapato.

“O que eu costumava pagar em juros em 2019 aumentou 10 vezes com uma moeda 50% mais fraca”, disse o CEO à agência de notícias.

Seguiu o mesmo caminho de concorrentes

As suas duas concorrentes brasileiras já haviam recorrido à recuperação judicial. A Latam entrou no processo durante a pandemia e encerrou a recuperação judicial em 2022. Já a Gol entrou com o pedido no início de 2024 e deve sair do processo em junho.

A Azul buscou várias formas nos últimos meses para tentar evitar essa medida e tem a intenção de fazer uma nova oferta de ações (follow-on). Mas a avaliação é que só vai conseguir fazer quando o operacional da empresa melhorar.

Em um follow-on feito em abril para a troca obrigatória de dívida em dólar por ações da companhia, do lote extra reservado ao mercado, de R$ 1,6 bilhão, só R$ 48 milhões foram colocados.

Potencial fusão com a Gol é freada

O cenário atual põe em xeque a potencial fusão entre Azul e Gol. A previsão era que as negociações, em andamento desde janeiro deste ano, andassem após o fim do Chapter 11 da Gol. Contudo, a expectativa é que os esforços da Azul se concentrem agora no processo de recuperação financeira.

Em nota, a Azul disse que o seu caso “é diferente de qualquer outra reestruturação de companhias aéreas da região”, uma vez que a companhia já entrou no processo com Acordos com muitos de seus principais parceiros.

“Na conclusão da reestruturação, os Acordos preveem que o financiamento DIP seja pago com os recursos provenientes de uma Oferta de Direitos de Ações de até US$ 650 milhões, apoiada por alguns desses parceiros financeiros e suportada ainda por um investimento em equity adicional previsto de até US$ 300 milhões pela United Airlines e pela American Airlines, sujeito a certas condições. Esse abrangente pacote de financiamento significa que o caminho para a conclusão da reestruturação já está delineado, o que simplifica o processo e acelera o cronograma”, afirmou.

‘Queremos sair da RJ até o fim do ano’

À Reuters, o CEO disse que a companhia não planeja ficar tanto tempo sob o Chapter 11, deixando o status antes mesmo do ano virar.

“Acreditamos que podemos entrar e sair antes do final do ano”, disse Rodgerson sobre o processo.

“A saída às vezes é a parte mais difícil deste processo. Então, já estamos entrando com a saída em mente e com o financiamento garantido”, completou o executivo da Azul.