O pessimista nunca é pego de surpresa, diz um velho ditado popular. Talvez por isso a precaução seja a postura mais comum entre os agentes do mercado financeiro. Em um cenário externo de incertezas, com risco de recessão global, os analistas no Brasil avistam um horizonte de fraco crescimento em 2023. A marolinha à qual o então presidente Lula se referia à crise de 2008, quando estava na metade de seu segundo mandato, ficou para trás e outro tsunami pode afetar os planos de retomada para o próximo governo. Seja qual for o ministro que ocupe a pasta da Economia, precisará encontrar soluções para tirar o País do provável voo de galinha em que se encontra. A principal delas é a âncora fiscal.

Orientado pelas pesquisas de intenção de voto, que em nenhum momento colocaram Bolsonaro à frente de Lula, o mercado financeiro preferiu olhar mais ao longe que apenas para o resultado do pleito presidencial. A guerra na Ucrânia e a última semana de más notícias nos mercados globais obrigaram analistas a revisarem seus cálculos para baixo sobre crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), inflação e juros no Brasil para o cenário pós-eleições.

Pelo consenso do mercado, a economia brasileira só crescerá 0,5% em 2023 enquanto o mundo todo lutará contra a disparada dos preços com altas taxas de juros. O CIO da Bradesco Asset, Philipe Biolchini, foi direto ao ponto: “Não trabalhamos com crescimento. A nossa projeção do ano que vem está em torno de 0,5% e essa expansão tende a zero com o objetivo da política econômica (atual). O que está pesando mais é o cenário internacional. Há o risco de uma recessão global”, disse. Para ele, o mercado financeiro está mais preocupado com a política econômica do que com a política em si. “Estamos vivendo um período de combate à inflação no mundo todo com vários bancos centrais subindo as taxas de juros de forma sincrônica, a ideia é reduzir a demanda que se julgou ficou forte demais. O desaquecimento econômico agora é uma finalidade da política para combate da inflação”, afirmou.

Economista-chefe da Planner e representante da Apimec, a associação de analistas do mercado, Ricardo Martins confirmou a mesma análise. “Com juros altos e possível recessão da economia global não tem governo ou remédio que ajude.” Como o Banco Central do Brasil já havia se antecipado no aumento de juros, a alta das taxas lá fora passa a ajudar no combate da inflação internamente. E a queda do preço do petróleo no exterior ameniza a pressão inflacionária no Brasil— que teve deflação por dois meses seguidos, em junho e agosto.

Até por isso, a projeção da Bradesco Asset é que o próximo presidente terá um alívio na alta de preços, com 5% em 2023 e 3,5% em 2024. A conta dos juros básicos também tende a ser menor caindo dos atuais 13,75% para 10% em 2023 e 8% em 2024.

PIB ABRAÇA Lula Na semana que precedeu o primeiro turno, o ex-presidente e candidato do PT demonstrou ter cooptado a maior parte do PIB. Pelo menos essa era a impressão no jantar promovido na terça-feira (27), em São Paulo, pelo grupo Esfera Brasil.Com a ajuda do ex-governador paulista e candidato a vice-presidente na chapa de Lula, Geraldo Alckmin, foram convocados mais de 130 empresários de peso do mercado como Luiz Carlos Trabuco Cappi (presidente do conselho do Bradesco), André Esteves (controlador do BTG Pactual) e Abilio Diniz (do Grupo Península e acionista do Carrefour Brasil). Foi uma demonstração de confiança no candidato petista. Lula falou pouco, mas um dos temas soou como música para os convidados: o compromisso com a responsabilidade fiscal. Depois de ter declarado sua intenção de não respeitar o teto de gastos, Lula aproveitou a plateia para afirmar que não fará dívidas para cobrir o custeio da máquina pública. Ou seja, sinalizou que cumprirá a regra de ouro das contas do governo.

A responsabilidade fiscal é ponto-chave para a recuperação do crescimento, segundo especialistas ouvidos pela DINHEIRO. Para o economista-chefe da Ativa, Étore Sanchez, “o teto de gastos já sofreu um esfacelamento no governo Bolsonaro e o ideal agora seria colocar novas âncoras fiscais para controlar os gastos”.

SEM MEDO DA DÍVIDA Entre os empresários, a expectativa é de que Lula possa reabrir os mercados para o Brasil por meio da diplomacia e atrair investimento estrangeiro para infraestrutura. Mas o ex-presidente citou que os investimentos podem crescer por meio de aumento da dívida. “Uma dívida feita para construir um ativo novo, uma coisa que vai dar recebíveis a esse País. É muito importante que a gente tenha capacidade até de fazer endividamento. A gente não tem que ter medo (da dívida)”, afirmou Lula. No entendimento do mercado, essa declaração abre espaço para a retomada de uma política desenvolvimentista como a que já foi adotada por Lula, com a estruturação de projetos e de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O mesmo BNDES que foi alvo de várias investigações no governo Bolsonaro sobre o uso de recursos públicos para favorecer grandes grupos privados, então chamados de “campeões nacionais” ­­— muitos dos quais comandados por empresários que acabaram presos no âmbito da Lava Jato.

Analistas apontam ainda planos da retomada de obras como no antigo modelo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC utilizava estruturas financeiras que combinavam recursos do orçamento do governo, aumento de dívida pública, capital do BNDES e capital privado via mercado de capitais em determinados projetos. “A proposta do PAC pode ser boa para reativar a economia, desde que o governo entenda que terá que chamar a iniciativa privada para o programa, visto que o Estado está endividado e o orçamento é curto”, afirmou Martins, da Planner. Segundo analistas de mercado, 2023 será um ano de aperto nas contas públicas sem a possibilidade da correção da tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas, uma das promessas da campanha eleitoral.

AGENDA AMBIENTAL A proposta de Lula que mais cola no mercado externo é a agenda ambiental. O candidato sinalizou para o presidente dos EUA, Joe Biden, que abraçará a defesa do meio ambiente. “Na percepção do investidor estrangeiro, uma política de proteção ambiental ajuda atrair capital. O estrangeiro tem predileção pela diplomacia de Lula”, disse Carlos Macedo, da área de alocação de recursos da Warren.

UTOPIA LIBERAL Jair Bolsonaro com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Privatizações do Banco do Brasil, dos Correios e da Petrobras ficaram no discurso. (Crédito:Mateus Bonomi)

A aproximação com a ex-senadora Marina Silva foi a jogada do petista para atrair o interesse de fundos internacionais que exigem critérios ESG (sigla para Ambiental, Social e Governança Corporativa) para investimentos estrangeiros no Brasil. Apesar da ojeriza de alguns segmentos do agronegócio que apoiam Bolsonaro, a agenda ESG poderá atrair recursos globais para projetos sustentáveis de energia solar e eólica, desenvolvimento de motores híbridos (etanol, gasolina e energia elétrica) de montadoras no Brasil e em investimentos em pesquisa química e farmacêutica dos recursos naturais da Amazônia.

No Brasil, o volume de recursos de fundos ESG locais ainda é relativamente pequeno, mas a expectativa do próprio mercado é de expansão nos próximos anos, principalmente se o País tiver uma agenda ambiental, coisa que não existe no atual governo, identificado com o desmatamento e a mineração ilegal em reservas indígenas. “O investidor do mercado internacional tende a preferir o Lula por causa da agenda ESG”, disse o estrategista-chefe da Empiricus, Felipe Miranda.

PRIVATIZAÇÕES Para resolver a questão da dívida, o atual ministro da Economia Paulo Guedes havia apostado em um sonho que jamais se concretizou: a desestatização da Petrobras e a privatização do Banco do Brasil. Guedes já disse aos quatro cantos que o BB não serve para o governo e que a Petrobras abateria parte da dívida pública. No PT, a palavra privatização soa como palavrão, mas Lula garantiu que não pretende rever privatizações como a da Eletrobras.

Com um primeiro ano de governo bastante difícil pela frente, só a realidade dirá se as expectativas do mercado hoje são exageradamente pessimistas.

Um candidato a ministro

REUTERS/Amanda Perobelli

Na mesma noite, da terça-feira (27) em outro evento realizado em São Paulo com mais de 60 empresários do grupo Confraria, o ex-ministro da Fazendo do governo Michel Temer e candidato a futuro ministro do governo Lula, Henrique Meirelles respondeu à Dinheiro que há pouco espaço para aumentar a dívida pública para fazer investimentos.

“Não vejo espaço para o aumento da dívida. O risco Brasil está elevado. Se a dívida começa a subir muito, sobe o risco e é um problema. Eu acho que a solução é cortar despesas, fazer a reforma administrativa, abrindo espaço para investir e trazer capital privado e estrangeiro para investimentos no Brasil”, disse Henrique Meirelles.

O ex-ministro também disse à imprensa que seria um erro se o próximo governo resolvesse vender parte das reservas internacionais para realizar investimentos. “A Argentina fez isso e deu errado”.

Sobre as expectativas para o próximo ano, Meirelles espera crescimento de 0,5% do PIB e argumenta que o dólar deveria estar caindo.

O ex-ministro deu uma ideia de sua forma de apoio num futuro governo Lula. “Estou conversando com investidores internacionais. Recebi um grupo que representa US$ 1 trilhão, vi um nível de interesse de um lado e de preocupação de outro”, afirmou.

Ciro, o Dom Quixote

Jarbas Oliveira

O candidato do PDT Ciro Gomes abriu uma guerra contra o Sistema Financeiro na última semana declarando que os agentes “ganham com a polarização”, não por acaso, a proposta dele é a mais criticada.

Entre essas ideias está a tributação de grandes fortunas em 0,5% para aqueles que possuem patrimônio acima de R$ 20 milhões.

Outra proposta de Ciro que os investidores do mercado acionário não gostam é a tributação de dividendos, atualmente isenta. A medida se considerada uma alíquota de 15% de Imposto de Renda representaria receitas de R$ 70 bilhões por ano.

Para agir com responsabilidade fiscal, o candidato propõe a redução de 20% de subsídios e incentivos fiscais. Numa conta de cerca de R$ 350 bilhões em benefícios por ano, o corte proporcionaria outros R$ 70 bilhões em recursos.

Em outras palavras, para bancar seu projeto de renda mínima de R$ 1 mil por família, Ciro deseja aumento de impostos e redução de subsídios e incentivos fiscais, propostas recusadas pelo topo da pirâmide social.