10/03/2019 - 8:29
Às 14h30 de 3 de março de 2018, a professora Soraya Christina Omena, de 45 anos, se sentou no sofá da sala para ver TV com o marido. O apartamento fica no Jardim das Acácias – um conjunto de 23 blocos de edifícios de três pisos no coração do Pinheiro, bairro de classe média a 6 km do centro de Maceió. Poucos minutos depois, a professora sentiu o chão tremer.
“Foi uma sensação horrível”, relembra ela. Os moradores descerem para a rua, onde dezenas de outras pessoas estavam, sem entender o que acontecia. Em muitos prédios, o abalo provocou fissuras. Na Alameda São Benedito, uma das vias principais, houve rachaduras e buracos. Ninguém – nem os técnicos da Defesa Civil nem os bombeiros – sabia explicar o que aconteceu. Até hoje, há mais dúvidas do que certeza.
Dezenas de moradores abandonaram as casas, com receio de um novo tremor. Soraya tentou conviver com as rachaduras e o medo até janeiro, quando se mudou. Trocou as filhas de escola e deixou para trás os alunos do reforço, que usava para complementar a renda. “Foi uma mudança brusca, mas não dava mais para ficar”, lamenta.
O Pinheiro tem pouco mais de 19 mil habitantes. Segundo a Defesa Civil de Maceió, as fissuras provocadas pelo tremor chegam a 1,5 km de extensão e afetam cerca de 2.480 moradias – 777 delas já desocupadas. A prefeitura instituiu um aluguel social. “A partir da avaliação dos técnicos da Defesa Civil de Maceió, a orientação é para que as famílias busquem outro local”, disse a Prefeitura, em nota.
No dia 26, a Defesa Civil informou que 508 famílias foram cadastradas para ajuda humanitária, com auxílio-moradia de R$ 1 mil mensais por um semestre. Do total, 195 famílias já tiveram o valor liberado, enquanto outras 125 aguardam pendências burocráticas. “As demais famílias tiveram seus cadastros enviados ao governo federal para análise”, disse o coordenador da Defesa Civil, Dinário Lemos.
Abandono
Só que quem ficou ali ainda se sente abandonado pelo poder público. Revoltados, muitos moradores chegaram a realizar protestos para cobrar um posicionamento das autoridades. Em novembro, criaram o movimento SOS Pinheiro, que tem como objetivo assegurar os direitos da vizinhança.
Segundo Geraldo Vasconcelos de Castro Junior, um dos coordenadores desse movimento, houve muita demora das autoridades em dar uma resposta.
“Em fevereiro do ano passado, profissionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte chegaram a fazer estudos. Em julho, divulgou-se o primeiro relatório”, disse, destacando que depois nada avançou. Segundo ele, somente no dia 28 de dezembro o governo federal reconheceu a situação de emergência do bairro, depois de o prefeito de Maceió, Rui Palmeira (PSDB), publicar portaria com essa solicitação no Diário Oficial do Município. No começo do ano, o presidente Jair Bolsonaro classificou a situação como preocupante.
Causas
Ao chegar ao bairro, ainda no ano passado, profissionais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) se depararam com uma situação complexa e, após análises, trabalham com quatro situações: características geotécnicas do solo e ocupação do bairro; presença de cavidades e cavernas em profundezas por causas naturais ou ações humanas; processo de captura de água subterrânea; e falhas geológicas.
E pode haver mais de um fator. “Não há saneamento básico e a drenagem é de 40 a 50 anos atrás, insuficiente para a urbanização. Também existia mineração periurbana e há cavidades construídas que foram fechadas sob pressão. Tem fraturas e falhas geológicas, existe movimento, mas não sabemos as causas”, explica Thales Sampaio, assessor da diretoria do Serviço Geológico.
Jorge Torres, assessor técnico da Companhia de Saneamento de Alagoas diz que a companhia “nunca realizou captação de águas subterrâneas por meio de poços profundos”.
A exploração do salgema, para a produção de cloro e soda, que foi feita ali pela empresa Braskem, também é uma hipótese investigada sobre o afundamento do bairro. Em nota, a empresa destaca que “não tem” poços em atividade na área e está oferecendo apoio e realizando estudos complementares para ajudar a descobrir as causas das rachaduras. No total, segundo a empresa, são sete poços inativos.
O Serviço Geológico definiu as regiões de maior risco do bairro por cores: vermelho, laranja e amarela, sendo a primeira a mais arriscada. Residindo hoje na área considerada de maior risco do bairro, Eduardo Araújo não se vê morando em outra região da cidade.
Acredita que tudo o que está acontecendo em relação ao Pinheiro é, na verdade, um grande espetáculo. “A começar pelo treinamento de evacuação (realizado em fevereiro) onde nenhum profissional envolvido se mostrou preparado para a tragédia que anunciam”, critica. Procurada, a Defesa Civil informou que o simulado, com 10 mil pessoas, atendeu ao que era planejado.
Monitoria
Seis estações da Rede Sismográfica Brasileira e 53 profissionais do Serviço Geológico do Brasil trabalham ali. Conforme o órgão, a expectativa é de que as causas sejam conhecidas até maio ou junho.
“Só vamos embora do Pinheiro quando identificarmos a causa ou causas desse fenômeno. É o nosso compromisso”, afirma Antônio Carlos Bacelar, diretor de Hidrologia e Gestão Territorial do Serviço Geológico. “Estamos avançando nos estudos, mas ainda é prematuro apontar um diagnóstico conclusivo”, diz Bacelar.
Entrevista
Quatro perguntas para Francisco Pinheiro Lima Filho, geólogo e professor Titular do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
1 – Qual trabalho foi realizado pelos especialistas da UFRN no local?
Inicialmente, nos inteiramos dos relatórios, vimos in loco os problemas apontados pela Defesa Civil e fizemos investigações geológicas e geofísicas buscando, principalmente, responder algumas questões levantadas no primeiro relatório da CPRM. Particularmente, fomos instados a nos pronunciar sobre as possíveis causas do sismo e das fraturas que ocorreram no bairro do Pinheiro e realizar um levantamento com o método GPR (Georadar), em alguns locais previamente sugeridos, para investigar a presença de “estruturas antrópicas” (dutos para água) e/ou de “horizontes endurecidos”. Levantamos aproximadamente 4.300 metros de linhas geofísicas em ruas onde havia mais fraturas e verificamos que nenhuma das feições acima citadas foram identificadas, consideradas como possíveis causas das fraturas.
2 – O que já foi apurado sobre o problema?
Somente foram levantadas algumas possibilidades. Este é um problema complexo do ponto de visto técnico, político e social e que admite mais de uma causa.
3 – Esse tipo de fenômeno é comum?
A presença de fraturas é bastante comum nas rochas. Entretanto, normalmente, não são ativas e não causam danos nas construções. O constante surgimento de novas fraturas e o crescimento de fraturas já existentes sugere que há um movimento vertical das camadas (colapso). A determinação de sua origem e o dimensionamento da sua capacidade potencial para deslocar as camadas no subsolo são as chaves que determinarão o real risco para os moradores e para a infraestrutura do bairro.
4 – O senhor já tinha atuado em situação semelhante?
Não. No Brasil, foi a primeira vez. Entretanto, não creio que tenha acontecido aqui um fenômeno semelhante a este.