16/08/2025 - 6:32
Avistamento mais frequente de baleias jubarte no litoral paulista estimula turismo e conservação. Cientistas pesquisam por que as mais jovens têm permanecido na costa por mais tempo.Um pouco antes de autorizar a entrada dos turistas no barco especial de fundo transparente em formato de bolha, a bióloga marinha avisa: hoje nós vamos “baleiar”. É assim que quem navega pelo mar chama o ato de espiar as baleias. A manhã de inverno está nublada, ventos fortes são aguardados para o próximo dia e os organizadores do passeio tentam não criar muitas expectativas.
Poucos minutos depois de deixar o porto municipal de Ubatuba, litoral norte paulista, lá estão elas. São duas baleias jubarte juvenis de no máximo quatro anos, alternando borrifos e mergulhos, deixando a cauda à mostra. No barco, os passageiros respondem com suspiros de emoção.
“Elas chegaram aqui há poucos dias e esta é a nossa terceira saída para observá-las”, explica Luciana Brondízio, a bióloga marinha que acompanha o grupo, coordenadora de projetos do Instituto Argonauta.
A mudança no roteiro focado em educação ambiental marinha oferecido pelo instituto é tão recente quanto a aparição desses mamíferos naquela região. Eles passam por ali a caminho das águas amenas no sul da Bahia, onde se reproduzem, fugindo do mar congelado no inverno da Antártida.
“A gente está começando a ver animais permanecendo no litoral paulista por dois, três meses. Alguns juvenis estão ficando mais nesta região, possivelmente nem migrando para o Nordeste”, afirma Sérgio Cipolotti, biólogo e coordenador do Instituto Baleia Jubarte na Bahia.
Rumo à reocupação
Encontradas em quase todos os oceanos, as baleias jubarte migram das águas mais frias, onde se alimentam, para regiões mais quentes para acasalar e ter seus filhotes. No Hemisfério Sul, elas percorrem cerca de 9 mil quilômetros no trajeto de ida e volta da Antártida até o arquipélago de Abrolhos, na Bahia.
As paradas no meio do caminho, que eram mais raras de serem percebidas pelos humanos, ficaram evidentes nas últimas temporadas. Uma das hipóteses estudadas por pesquisadores é uma mudança da ocupação desses animais ao longo de toda a costa. A outra é a deficiência do krill, crustáceo minúsculo do qual as jubarte se alimentam no Polo Sul.
“A gente está começando a conhecer agora as que estão no litoral paulista porque são as mais jovens, ainda não estão no ápice reprodutivo”, comenta Cipolotti. “Pode ser que elas estejam se alimentando de forma ‘oportunista’ ao longo de sua migração, o que seria inédito”, adiciona.
A resposta definitiva só deve vir em alguns anos, depois de muita pesquisa. O que se sabe é que as jubarte sobreviveram ao risco de extinção. Na década de 1980, a população não passava de mil animais pela costa brasileira. Atualmente, estima-se que entre 30 mil e 35 mil se reproduzam na região.
“Elas estão voltando a ocupar as antigas áreas que usavam antes de serem ameaçadas de extinção. Antes, elas se concentravam no sul da Bahia, e agora começaram a se dispersar”, explica o biólogo.
Da caça indiscriminada ao monitoramento
A caça industrial indiscriminada quase extinguiu muitas espécies desse mamífero dos oceanos. Em 1965, a Comissão Internacional da Baleia decidiu por uma moratória, mas a busca na costa brasileira não parou. A jubarte foi alvo de baleeiros de 1602 até meados de 1980, com participação de navios bascos, noruegueses e japoneses. O massacre só foi interrompido quando, em 1985, o então presidente José Sarney assinou um decreto proibindo a captura.
Poucos anos depois, em 1988, o Instituto Baleia Jubarte começou a monitorar a espécie, que pode chegar a 16 metros de comprimento. Desde então, algumas sempre voltaram ao litoral baiano, com ou sem filhotes, como a Durrel. Ela é reconhecida por conta de uma característica da jubarte: cada indivíduo tem uma marca única na cauda, formada por manchas naturais de cores branca e preta.
Para reunir num lugar só dados sobre os avistamentos, André Silva Barreto, pesquisador na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), desenvolveu o Sistema de Apoio ao Monitoramento de Mamíferos Marinhos (Simmam), em 2005. À medida que os usuários carregam as coordenadas geográficas de onde identificaram os animais, descobertas vêm à tona.
“Estamos descobrindo áreas onde os animais estão e que antes eram desconhecidas. Uma observação isolada não diz muito. Por isso que esse sistema que agrega informação mostra padrão, não só algo ocasional”, explica Barreto.
Uma dessas regiões é o talude onde acaba a plataforma continental, diz o pesquisador. Espécies como golfinhos e baleias têm sido avistadas nesta zona de declive acentuado no Sul e Sudeste do país.
Turismo em alta
Em Ubatuba, o turismo em torno desses mamíferos ainda é incipiente. O Instituto Argonauta oferece um roteiro, atua na conservação e também executa no litoral paulista o Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos, uma condicionante exigida no processo de licenciamento do pré-sal pela Petrobras. A equipe é treinada para agir, se necessário.
“Quando aparece baleia morta, ajudamos a destinar a carcaça para que ela não encalhe nas praias. Também fazemos o desemalhe de baleias de redes de pesca”, afirma Hugo Gallo, oceanógrafo e presidente do instituto, ressaltando a importância de seguir um protocolo para que o animal e as pessoas não corram riscos.
Parte do treinamento dado a embarcações no litoral paulista foi dado em parceria com o Instituto Baleia Jubarte. Eles são pioneiros na educação ambiental voltada para o turismo na Bahia. As regras a serem cumpridas estão numa portaria publicada pelo Ibama em 1998.
“É preciso saber como se aproximar, o tempo que pode ficar, deixar o motor ligado, manter ruído para baleia saber a distância que ela tem que manter da fonte sonora”, explica Cipolotti, reforçando que o barco tem que permanecer no mínimo a 100 metros do animal marinho.
Vitória da conservação
No litoral de Santa Catarina, a frequente aparição das baleias também desperta o interesse da população, curiosa para avistar os animais, e se reflete no trabalho de fiscalização dos órgãos ambientais. A maior interação cria novos riscos, como o emalhe em redes de pesca – algumas chegam a 20 quilômetros de extensão – e choques com embarcações.
“A gente tem se organizado para aumentar a fiscalização, principalmente com o aumento do turismo. É preciso garantir não só a proteção da espécie, mas estabelecer o regramento das atividades”, diz Paulo Maués, superintendente do Ibama em Santa Catarina.
Em Florianópolis, onde Maués está baseado, o passado de caça industrial ficou registrado em nome de praias. A do Matadeiro, por exemplo, era onde os animais eram mortos até meados de 1960 para a extração de óleo.
Camila,11 anos, mal consegue imaginar as cenas de caçada tão habituais há algumas décadas. Durante o passeio em Ubatuba, ela ouve da educadora ambiental Flávia Gimenez a história de quase extinção das jubarte e vibra quando vê uma delas ao vivo, nadando a poucos metros.
“Faço palestras e falo sobre o que aprendo para outras crianças. Luto pela preservação dos oceanos”, diz a jovem ambientalista, na companhia da mãe.
O fato de a nova geração poder avistar e se encantar com as baleias é um triunfo da conservação, defende o biólogo Sérgio Cipolotti.
“É uma vitória que esses animais conseguiram se recuperar. A gente quase exterminou as jubarte e, hoje, elas voltam e convivem com os humanos. É uma chance de a gente se redimir de tanto mal que a gente fez para elas, e conhecê-las”, defende.