12/02/2010 - 9:29
DINHEIRO ? O presidente dos EUA, Barack Obama, está certo em apertar o cerco aos bancos, limitando pagamentos de bônus e separando atividades comerciais e de investimentos?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO ? O discurso do Obama [sobre o Estado da União] foi inflamado. É claro que o sistema financeiro americano vai passar por um processo apertado de regulação. Mas as palavras dele criam um formato em que o próprio sistema não tem como existir. A posição foi muito dura, provavelmente ocorreu em resposta à situação política delicada, de perda da supremacia no Senado, e para responder à população que não considera a posição dele com os bancos tão dura quanto deveria.
DINHEIRO ? O conceito de banco grande demais para quebrar (too big to fail) precisa mesmo acabar, como ele propõe?
FIGUEIREDO ? É muito difícil regular o tamanho de uma instituição. O que se pode fazer é limitar a alavancagem [relação entre o capital e os empréstimos]. Quanto maior for, menos alavancagem pode ter. O ideal é que, assim que o banco chegue a uma dimensão muito grande, as amarras se ampliem e ele ofereça menos risco para o sistema. Os bancos se tornaram gigantes irreguláveis e inadministráveis.
DINHEIRO ? Pelo que ocorreu nos EUA, a regulação não deve ser mais severa?
FIGUEIREDO ? Existia um erro de conceito nos EUA de que os bancos ou as entidades financeiras se autorregulam. É preciso ter um grau de regulação para que os grandes bancos não gerem o que acabou acontecendo. A crise foi decorrente da falta de regulação e de supervisão. Os bancos alavancaram barbaramente. É preciso uma regulação que não permita a alavancagem irresponsável. Não é razoável haver bancos com alavancagem de 50 vezes, que podem comprometer todo o sistema. O mundo ainda não está livre dos riscos que carregamos da maior crise da história moderna. Além disso, há uma certa aflição sobre o futuro. É preciso garantir que os erros que levaram o mundo a essa crise não sejam cometidos novamente.
DINHEIRO ? Se houver excesso de regulação, o poder de fogo dos bancos ficará comprometido?
FIGUEIREDO ? No caso brasileiro, a regulação é muito dura, mas não impede que os bancos prosperem, que o crédito aumente. A regulação precisa ser equilibrada: não deixar os bancos alavancarem demais e colocarem a economia americana e mundial naquela situação, mas sem encarecer a intermediação financeira. Se os consumidores e as empresas tiverem um custo maior para captar, vão ter menos dinheiro para investir. Uma regulação forte demais pode ser um tiro no pé da economia.
DINHEIRO ? Os bônus dos executivos do sistema financeiro devem ser alvo de debate público, como quer o governo brasileiro?
FIGUEIREDO ? O Brasil não passou, nem de longe, pelo que passou o sistema financeiro internacional. O nosso sistema tem uma regulação prudente, que provoca inveja nos reguladores do mundo. Somos mais saudáveis, mas isso não quer dizer que não tenhamos que discutir e ver o que faz sentido em termos de melhoria da nossa regulação.
DINHEIRO ? Quais poderiam ser essas melhorias? O BC quer escalonar os pagamentos de bônus em até três anos.
FIGUEIREDO ? No caso dos bônus, podemos usar a experiência negativa de outros países. O sistema de remuneração no Brasil já conta com boa parte do que o Banco Central está propondo. Essa legislação vem, de certa maneira, para padronizar um conceito que já existe e é seguido pelo sistema financeiro brasileiro.
DINHEIRO ? A instabilidade das últimas semanas, com a queda do Ibovespa e a alta do dólar, é um alerta?
FIGUEIREDO ? Os mercados pioraram no final de janeiro, mas há uma diferença entre o início de 2009 e o de 2010. Se antes todos duvidavam da recuperação, agora todas as economias vão crescer, com raras exceções. O sistema financeiro ainda tem um certo grau de fragilidade, mas está mais saudável. E as economias passam por um processo de recuperação. Os EUA terão melhor performance, provavelmente surpreendendo com mais crescimento. Os emergentes vão crescer muito, principalmente China, Brasil, Coreia, Índia, Singapura. Mudou o sinal. O mundo não está mais negativo, está positivo.
DINHEIRO ? Para quando fica, então, a resolução dos problemas ainda presentes na economia?
FIGUEIREDO ? Há questões que serão resolvidas ao longo do tempo. A situação do sistema financeiro na Europa é de mais fragilidade do que nos EUA. A Europa está crescendo menos, está num ambiente em que os bancos não fizeram o dever de casa. Alguns países ficaram pelo caminho e se mostram muito frágeis, precisando de ajustes importantes. Vários no Leste Europeu estão nessa situação. Há ainda os casos da Grécia, da Espanha e de Portugal. Eles estão em maior fragilidade e precisam ser olhados com cautela.
DINHEIRO ? O Brasil realmente se descolou do mundo?
FIGUEIREDO ? Discutimos sobre descolamento dos ativos, mas, na verdade, o descolamento se dá na economia brasileira, que já está crescendo fortemente. A americana está recuperando relativamente devagar, se considerarmos o quanto ela caiu. O caso brasileiro é diferente. O País precisa administrar o sucesso da economia. Quando a crise aconteceu, o Brasil foi pego em uma situação muito boa e agora precisa se cuidar para gerenciar esse processo benéfico.
DINHEIRO ? Quais são as primeiras atitudes para isso?
FIGUEIREDO ? Foi dado um impulso fiscal relevante e um impulso monetário, com queda de juros e de compulsório. Mas a economia brasileira, que entrou em pânico como todas as outras, já está forte há um bom tempo. O que precisamos fazer é retirar todas as medidas que foram emergenciais para não correr o risco de superaquecer e ter que dar um tranco na economia porque a inflação foi para o espaço. O governo precisa, se puder, antecipar o cronograma e reduzir as isenções que deu a diferentes setores. Precisa ter o aperto do que foi expandido na área fiscal. Do lado do Banco Central, a taxa de juros vai para um nível que mantenha a inflação sob controle. Se o BC tiver a ajuda do lado fiscal, o equilíbrio da taxa de juros vai se dar em um nível menor. Se não tiver, para manter a inflação sob controle, a taxa de juro vai ser bem mais alta.
DINHEIRO ? Há perigo de esse cronograma não ser seguido?
FIGUEIREDO ? Os sinais recentes não são bons. Tivemos várias postergações de isenções fiscais, coisas que não são mais necessárias. O governo está chegando a essa conscientização. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que vamos manter o superávit primário em 3,3% este ano. Se fizer isso, o BC vai subir pouco o juro e vamos manter o nível de crescimento robusto, algo como 5,5% do PIB, sem pressão inflacionária. Mas, se o governo não fizer isso, o BC vai apertar muito mais, o que pode significar um crescimento mais forte agora e mais fraco lá na frente.
DINHEIRO ? A eleição presidencial de outubro está ligada a essa decisão?
FIGUEIREDO ? Não é do interesse do governo que está aí, que tem uma chance bem razoável de ganhar a eleição, de fazer um aperto grande no ano que vem. Espero que o governo tenha uma atitude responsável, embora os sinais não sejam nessa direção.
DINHEIRO ? A taxa de juro vai continuar como uma das maiores do mundo?
FIGUEIREDO ? O juro não é causa de nada, é consequência. O que o BC faz é manter o juro no menor nível possível sem que tenhamos uma inflação em alta e sem descumprir a meta de 4,5%. Se esse trabalho for ajudado pelo lado fiscal, é menos penoso. A verdade é que a economia não pode crescer mais. Ela só cresce com uma série de reformas para se mostrar produtiva, eficiente e com um grau de investimento muito maior. Esse é um processo bem gradual. Nosso volume de investimento é em torno de 19% do PIB. Para crescer acima de 6% ao ano, é preciso um volume de investimentos da ordem de 22% do PIB. Como chegar lá? Se houver equilíbrio entre a política fiscal e a monetária, o investimento vai aumentar e o Brasil vai ter condição de atender a essa demanda interna tão forte. E o juro real ao longo do tempo pode continuar nesse processo de queda.
DINHEIRO ? O presidente Lula perdeu a oportunidade de tocar reformas importantes para o futuro do País?
FIGUEIREDO ? Este governo teve o mérito de manter a política econômica que gerou bons fundamentos macroeconômicos. Por outro lado, deixou de fazer duas coisas que atrapalham muito o nosso longo prazo. A primeira é não ter evitado a expansão do gasto público. O governo consome uma fatia muito grande da nossa economia em despesa corrente. Não é com investimento, que seria muito mais razoável. A segunda é não ter dado continuidade à agenda de reformas que foram feitas ao longo de 1995 a 2002 nos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso. O País não vai crescer mais porque deixou de cumprir o dever de casa em vários pontos estruturais. O governo arrecada 40% do PIB e investe apenas 1%. A taxa de investimento do setor privado é muito elevada. Mas temos que carregar um peso nas costas muito grande, que é o setor público. E não tem a menor indicação de que vai mudar.