As frases da personagem Lilli de uma história em quadrinhos de antigamente do jornal alemão Bild até parecem ter saído de um script de um filme erótico. Em um dos quadrinhos, a personagem fala de um caminhoneiro que “lhe deu uma mãozinha” quando o carro dela quebrou e que as mãos cheias de óleo do homem deixaram marcas em seu vestido. Em um outro quadrinho, Lilli zomba de um policial na praia, onde biquínis são proibidos, com a pergunta: “que parte eu devo tirar?”.

Quem diria que essa personagem sexualizada, com seus seios fartos e lábios sensuais, chegaria um dia a fazer parte da vida de milhões de meninas? Certamente não o seu criador Reinhard Beuthien, que desenhou Lilli em 40 minutos como personagem de quadrinhos para a primeira edição do Bild em 1952. A ideia, na época, era apenas preencher um espaço vazio que havia no jornal. Anos mais tarde, a Lilli do Bild se tornaria a Barbie, provavelmente a boneca mais famosa do mundo até hoje.

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Hoje sexista, na época ousada e independente

Segundo a empresa que publica o tabloide mais vendido na Alemanha, a Axel Springer, Lilli era uma “secretária atrevida”. Mas há quem diga que a personagem estava mais para uma prostituta de luxo. Funcionária ou garota de programa, uma coisa é certa: Lilli não foi concebida para ser um brinquedo infantil.

Com suas curvas e quase nua, seu cabeço loiro preso no alto da cabeça e seu salto alto, Lilli parecia ter saído de um poster daqueles que se via nas paredes das oficinas de carros na década de 1990, exibindo fotos de mulheres.

Atualmente, podemos dizer que a figura se encaixava no olhar masculino daquele tempo. Tratava-se de uma personagem representada como objeto de desejo, reduzida ao seu corpo, totalmente de acordo com as necessidades de seus criadores e espectadores masculinos. Mesmo assim, o jornal alemão ainda a descreve com as palavras “ousada, sexy, independente”.

Lilli se tornou tão popular entre os leitores – em sua maioria homens – do jornal sensacionalista que o Bild chegou a criou uma boneca de plástico representando Lilli, em 1953. Segundo a imprensa, na época era um presente muito popular entre os homens, principalmente nas despedidas de solteiro. Lilli era vendida em bares e bancas de jornais e revistas.

Entre 1955 e 1964, o Bild lançou cerca de 130 mil bonecas Lilli no mercado. Desta vez, acompanhadas de roupas e acessórios para que pudesse atingir também o público feminino. Em pouco tempo, a boneca se tornou um sucesso de vendas. Até em outros países.

Ruth Handler transformou a Lilli em Barbie

Talvez, nos dias de hoje, Lilli ainda apareceria seminua nas páginas do jornal alemão, se não fosse Ruth Handler mudar o rumo desta história. A cofundadora da empresa de brinquedos Mattel descobriu Lilli por acaso, em 1956, em uma vitrine, durante férias em Lucerna, na Suíça.

Ruth e sua filha Barbara ficaram tão encantadas com a boneca que a empresária enviou várias delas para Los Angeles e comprou os direitos de fabricação do “brinquedo”.

Em 1959, a Barbie foi lançada no mercado. Ela recebeu o nome de Barbie em homenagem à filha de Ruth que se chama Barbara. O rosto da boneca continuava sendo o da Lilli. Desde então, mais de um bilhão de unidades foram vendidas.

Apesar das críticas recorrentes por parte de feministas, a Barbie conquistou o mundo infantil.

Hoje, a boneca é muito mais que um brinquedo. Ela inflama debates, seja sobre empoderamento ou obsessão pela59 beleza. A Mattel foi moldando sua estratégia de marketing ao espírito da época. Só tem uma coisa que a Barbie até hoje ainda não conseguiu: envelhecer. Independente da cor da pele, a Barbie é “eternamente jovem”.

Mas, então, o que aconteceu com a Lilli das histórias em quadrinhos de antigamente do tabloide alemão? A secretária “ousada e independente” se casou com seu namorado Peter em 1961 e desapareceu completamente de cena.