Começou a cair um velho mito: o de que o empresário nacional só olha para o exterior quando o mercado interno vai mal das pernas. Neste ano, com um crescimento da economia brasileira próximo a 4%, nove em dez analistas previam que o saldo comercial, que foi de US$ 24 bilhões no ano passado, iria encolher. Apostava-se que os empresários dariam prioridade aos clientes locais. Pois bem: o saldo acumulado nos últimos doze meses já bateu na cifra de US$ 30 bilhões. É um número tão alto que dá ao Brasil o sexto maior superávit comercial do mundo e o segundo entre os países em desenvolvimento, logo atrás da Rússia, que é grande exportadora de petróleo. ?A cultura dos empresários mudou e eles estão investindo para atender os mercados interno e externo ao mesmo tempo?, garante o economista Roberto Giannetti da Fonseca, ex-presidente da Câmara de Comércio Exterior. ?Hoje é possível ganhar dinheiro no Brasil com exportações?, diz o economista Octávio de Barros, que projeta um superávit de US$ 32,7 bilhões até o fim de 2004.

O que surpreende nesse boom é que as exportações estão sendo feitas por empresas de todos os tamanhos ? inclusive as pequenas, tradicionalmente alheias ao jogo do comércio internacional. Elas estão se beneficiando das missões comerciais brasileiras, que neste ano já somaram 245 e deverão produzir, nos próximos meses, um saldo de US$ 1,7 bilhão. Depois da semana brasileira na loja de departamento inglesa Selfridges, por exemplo, a fabricante de móveis Velha Bahia está fechando um contrato com um revendedor do Reino Unido. ?Sozinha, uma empresa pequena não consegue desbravar um novo mercado?, diz Ricardo Perrone, diretor comercial da empresa. Ele calcula que gastaria cerca de US$ 50 mil para promover seu produto no exterior, enquanto na missão o preço fica em torno de US$ 10 mil. Outra empresa que está aproveitando é a Tatuzinho, fabricante da cachaça Velho Barreiro. A empresa foi para a China com Lula, em maio, e agora prepara-se para chegar por conta própria à Rússia e Polônia. ?Vamos dobrar o volume de exportação este ano?, diz César Rosa, que já fechou um contrato com representantes russos antes mesmo de desembarcar no país. ?O primeiro passo foi fazer com que os empresários conhecessem novos mercados?, disse à DINHEIRO Juan Quirós, presidente da Agência de Promoção de Exportações do Brasil, a Apex. ?Agora vamos montar centros de distribuição de produtos brasileiros em várias partes do mundo.? Haverá centros desse tipo no Oriente Médio, na Alemanha, nos Estados Unidos, na Índia e na África. No jogo do comércio exterior, vale tudo para vender mais. Isso inclui até pegar carona no charme pessoal do presidente. Cálculos da agência mostram que depois da viagem à Síria, em dezembro de 2003, as exportações para aquele país cresceram nada menos que 661%, totalizando um volume de negócios de US$ 104 milhões. No Egito, o incremento foi de 101,6% depois que Lula visitou as pirâmides. ?O Lula é um grande vendedor do País?, afirma Rosa, da Tatuzinho.

Na prática, o modelo que o Brasil vem tentando seguir é o dos países asiáticos, cuja crescimento nas últimas décadas tem sido puxado pelas exportações ? e a transformação do País em plataforma de vendas pode ser constatada em várias frentes. Na indústria, a Volks embarcou 93 mil veículos para o exterior no primeiro semestre, 27% a mais do que em 2003. ?Nunca vendemos tanto, nem para tantos países?, comemora Leonardo Soloaga, gerente de exportações da montadora. No agronegócio, o saldo acumulado soma US$ 16 bilhões no primeiro semestre. A Caramuru, uma das maiores esmagadoras de soja do Brasil, ampliou suas vendas em 40% e chegará a US$ 250 milhões. Empresas que atuam no setor entraram na festa. É o caso da Case New Holland, que aumentou em 64% as exportações de tratores. ?O Brasil virou um dos países mais competitivos do mundo?, garante Francesco Pallaro, superintendente da empresa. Com números tão bons, a advertência que vem sendo feita pelos empresários é simples: sem investimentos em infra-estrutura de estradas e portos, essa bonança pode não durar.