16/07/2003 - 7:00
E como se uma geladeira não produzisse gelo mas ainda assim, diante do design elegante e cores inovadoras, vendesse como água. Eis David Beckham, 28 anos, o popstar do gramado. Ao trocar o Manchester United pelo Real Madri, numa transação de US$ 41,6 milhões e um salário de US$ 8 milhões anuais, ?Becks? provou ser um fenômeno de marketing ? o primeiro do século 21.
Ele é, hoje, mais que um ícone. Transformou-se numa marca, numa supermarca. A consultoria Interbrand a avalia em US$ 50 milhões. ?O efeito de Beckham em vendas poderá atingir espetaculares US$ 1 bilhão nos próximos quatro anos?, disse à DINHEIRO Ellis Cashmore, professor de cultura, mídia e esporte da Universidade de Staffordshire, na Inglaterra, e autor de uma biografia da estrela, Beckham, lançada pela editora Polity. Num lance inédito, o atacante receberá US$ 33 mil semanais do Real Madri pelos ?direitos de imagem?. Seu faturamento anual ultrapassa os US$ 24 milhões.
A transferência para o clube espanhol foi resultado de uma briga de gigantes. Mais de 90% das cenas de Beckham nos programas de televisão, nos jornais, revistas e na internet o mostravam com a camisa do Manchester United e o logotipo da americana Nike no peito. O problema: Beckham é contratado da Adidas (leia entrevista). Recentemente, o império alemão de material esportivo perdeu para a Nike o jogador de basquete LeBron James, promessa de 18 anos de idade. Especialistas acreditam que a mudança de Beckham, da Inglaterra para a Espanha, teria sido a retaliação da Adidas. ?Beckham é a resposta ao fenômeno Air Jordan, desenvolvido pela Nike na cola do espetacular Michael Jordan?, diz Cashmore. Ao longo de dez anos, Jordan fez movimentar US$ 2,6 bilhões para a Nike, no mais espetacular caso de sucesso de marketing da história. A transformação do inglês num mito como o americano das cestas improváveis será uma dura travessia.
O número 23 nas costas o remete ao gênio do Chicago Bulls. Por militar numa atividade esportiva de alcance mundial, é possível, sim, que o capitão da seleção inglesa conquiste adeptos onde Jordan não conseguiu chegar, sobretudo na Ásia. Mas há obstáculos. ?Jordan redefiniu o basquete e foi, sem dúvida, o maior de todos os tempos?, diz Cashmore. ?Beckham não é o melhor do mundo, não está entre os dez mais, talvez nem entre os 100 e mesmo entre os 1.000, e isso exigirá mantê-lo sempre em evidência fora do campo.? Trata-se de iniciativa fácil, mesmo que seu desempenho no Real Madri, ao lado de craques como Zidane e Ronaldo, seja pífio. A capacidade de Beckham em produzir notícias ultrapassa fronteiras ? não se restringirá a Madri.
O supergaroto-propaganda tem a seu dispor, nesse caminho, uma excelente garota-propaganda: a ex-Spice Girl Posh (nascida Victoria Adams ), de 29 anos. Atribui-se a ela o comportamento moderno do marido nas passarelas da moda e nas capas de revista. ?De alguma forma, Posh é a empresária de marca do marido?, diz Rita Clifton, diretora da Interbrand. Posh o aconselhou a aparecer numa publicação destinada ao público gay. O incentivou a pintar as unhas, a vestir sarongs e a alterar o corte de cabelos ao ritmo das mudanças de lua. Compra as roupas que ele veste e elaborou o pequeno rabo-de-cavalo ostentado pelo companheiro ao desembarcar na Espanha. Até mesmo os filhos, Brooklin, de 4 anos, e Romeo, de 1, já apareceram em fotografias de moda.
Construiu-se um personagem que inaugurou um novo gênero e um novo modo de comportamento masculino: são os ?metrossexuais?, na definição do jornalista londrino Mark Simpson, um dos mais argutos cronistas da vida mundana européia e americana. O que são eles? Homens urbanos, príncipes das metrópoles, sempre bem vestidos, narcisistas e obcecados com seus próprios traseiros ? mas não o chamem de gays. Beckham é o ícone dessa turma, e isso o faz valer muito dinheiro no mercado publicitário. O inglês sabe ser um ímã de comportamento. Tudo o que faz produz comentários ou, no jargão do setor, a chamada ?mídia espontânea?. Na semana passada, o iconoclasta lateral brasileiro Roberto Carlos, também do Real Madri, fez o seguinte comentário: ?Estava me sentindo só entre tanta gente feia, mas agora o time terá dois jogadores bonitos?. Logo depois da vitória do Brasil contra a Inglaterra, por 2 a 1, na Copa da Coréia e Japão, Ronaldo brincara, ao se referir a Beckham: ?Ele é bonito mesmo e, ainda por cima, cheiroso?.
Nada se compara ao ídolo. ?No Brasil, seria como se um atleta com o perfil do Rodrigo Santoro fosse casado com a Giselle Bündchen?, diz Tatyana Araújo, consultora da Interbrand. Houve um tempo, antes de Beckham, em que o que importava era o clube, o time e, finalmente, o jogador. Essa ordem inverteu-se definitivamente. ?Já vivemos a era D.B., depois de Beckham?, diz Mark Simpson. O fenomenal é que ela foi construída muito longe do esporte que o faz treinar e suar todos os dias. Por isso, entre as 838 palavras que compõem esta reportagem, cabe citá-lo uma única vez, no ponto final: futebol.