De seu escritório, no 21º andar do edifício de número oito, na rua São Bento, na região central do Rio de Janeiro, o francês Didier Tisserand, 53 anos, CEO da L’Oréal Brasil, tem uma visão privilegiada da Baía de Guanabara, que se estende da região portuária até o Aeroporto Santos Dumont. Talvez isso explique o fato de a decoração de seu escritório, que ocupa uma área de cerca de 20 m², ser despojada. Quase espartana. Afinal, dificilmente algum objeto de arte seria capaz de rivalizar com o visual que se descortina diante das amplas paredes de vidro. 
 

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É nesse ambiente que o executivo busca inspiração para traçar os planos para a subsidiária do grupo francês, que reúne algumas das mais cobiçadas marcas de beleza do planeta. A lista inclui integrantes da chamada cosmética ativa (como Vichy e Innéov), para salões de beleza (Matrix e Kérastase), além de grifes de luxo (Lancôme, YSL, Kiehl´s e Paloma Picasso). Com elas, o grupo obteve uma receita de 17,2 bilhões de euros no acumulado janeiro-setembro, dos quais R$ 1,62 bilhão apurado por aqui. Trata-se de um crescimento de 14,3% em relação ao obtido em igual período de 2012. 

“No Brasil, temos crescido num patamar maior que o do setor”, afirma Tisserand. O Brasil ocupa um lugar de destaque na estratégia global da empresa. E não se trata apenas de uma referência entusiástica em relação ao desempenho de sua economia, quando comparado aos países da Europa. Em maio, quando foi anunciado o novo organograma do grupo, o Brasil foi definido como o único país que seria tratado como uma região. As outras sete acompanham o modelo tradicional: Europa, Ásia e assim por diante. “A L’Oréal reconhece o potencial do mercado brasileiro”, diz. “O eixo de poder está mudando para os países nos quais temos a consolidação da classe média.”

Essa percepção está ancorada em números. Conhecidos por sua vaidade, os brasileiros são devoradores de produtos de higiene e beleza. Esses segmentos deverão representar vendas de R$ 50 bilhões neste ano, de acordo com a consultoria americana A. T. Kearney. Mais do que o conhecimento desse fenômeno, os executivos que dão expediente na matriz do grupo, em Paris, contam com a colaboração dos mercados emergentes para atingir a meta de aumentar em mais um bilhão o número de consumidores dos seus produtos, até 2017. Na prática, isso significa fazer em 10 anos o que levou 100 anos para ser atingido. 
 

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Didier Tisserand, presidente da L’Oréal no Brasil: “O eixo de poder econômico
está se mudando para os países emergentes, como o Brasil”

A contribuição do Brasil será relativamente modesta: 30 milhões de novos clientes, notadamente os originários da classe C. Para bater essa meta, Tisserand dispõe de dinheiro e autonomia. Ele conseguiu aprovar uma verba de R$ 400 milhões para investir no período 2013-2014. Os recursos estão sendo gastos na ampliação da estrutura produtiva, no fortalecimento de ações de marketing, em logística e na abertura de novos canais de distribuição. Neste último item, as apostas do executivo recaem sobre a rede de lojas Maybelline, de maquiagem, composta de quiosques instalados nos corredores de shopping centers. 

Trata-se de uma mudança importante em relação à estratégia de seus antecessores. Quando Tisserand desembarcou no Brasil, em setembro de 2011, a L’Oréal contava com apenas um ponto de venda próprio, da grife Kiehl’s, aberto em 2008, no Shopping Iguatemi, em São Paulo. Hoje são 11 dessa marca e a meta é fechar o ano com 61 unidades da Maybelline. Cada uma delas exige investimentos em torno de R$ 140 mil , incluindo a taxa de franquia. Outra sacada do executivo foi a criação de uma rede de microdistribuidoras da linha Matrix, para salões de beleza. O projeto nasceu da observação da realidade das regiões metropolitanas das principais capitais, onde se destacam na paisagem morros e favelas.

Um deles é o Morro da Conceição, que compõe o cenário que se descortina no horizonte visto a partir da sala de Tisserand. É nessas regiões que os gastos com serviços de beleza crescem em patamar mais elevado, embalados pelo apetite da classe média emergente. “Não importa a classe social, as brasileiras estão sempre arrumadas, maquiadas e perfumadas”, diz Tisserand. É para ocupar ainda mais esses espaços que ele está intensificando o projeto das microdistribuidoras, criado em 2010 e que conta com o apoio do Sebrae e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). 
 

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Pé no varejo: até dezembro, a L’Oréal contará com 61 quiosques da linha
de maquiagem Maybelline, no Brasil

O primeiro fica responsável pelo treinamento, enquanto o BID entra com a concessão de capital de giro para as empreendedoras. A meta é encerrar o ano com 95 parceiras nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Foi a forma que encontramos para entrar nessas regiões, além de concorrermos com as empresas de venda direta”, afirma. Essa iniciativa ajudou no desempenho da marca Matrix, cujas vendas cresceram 30% neste ano. Pelo lado estrutural, o executivo aposta muito em pesquisa e desenvolvimento e na criação de fórmulas exclusivas para os cabelos e a pele da mulher brasileira. 

A multiplicidade de características étnicas dos brasileiros sempre foi um desafio para o setor de higiene e beleza. A regra que vigorou até pouco tempo atrás entre as multinacionais do setor era tentar vender por aqui produtos com a mesma fórmula destinada à pele e ao cabelo de europeias e americanas. Tisserand quer mudar isso. Boa parte dos novos produtos tem como foco as linhas destinadas à base da pirâmide de consumo, como o esmalte Colorama e o xampu Garnier, e 80% deles serão desenvolvidos aqui e comercializados apenas localmente. 

Para dar conta dessa tarefa, Tisserand está construindo um novo centro de pesquisa e desenvolvimento, na Ilha do Fundão, que abriga parques tecnológicos de gigantes como Petrobras e General Electric. Apenas nessa divisão a meta da fabricante francesa de cosméticos e perfumes é duplicar o número de pesquisadores para 200, até 2015. Tudo para chegar em 2017 alinhada ao que ele chama de esquema 2/10/30. “Queremos dobrar o tamanho do negócio, estar entre as 10 empresas mais admiradas e conquistar 30 milhões de consumidores”, diz Tisserand. Haja inspiração. 
 

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