03/06/2010 - 6:00
DINHEIRO ? Um estudo do IBGE aponta que a energia elétrica no Brasil é uma das mais caras no mundo. Isso pode mudar?
MÁRCIO ZIMMERMANN ? Há dois aspectos que precisam ser analisados. A tarifa na geração de energia é uma das mais baixas no mundo, na ordem de US$ 40/kW, em média. Mas, quando se entra na cadeia, há aspectos a serem considerados: o País tem distorções econômicas, sociais e regionais muito fortes. Estão embutidos na tarifa recursos que vão para o consumidor de baixa renda, para o Programa Luz para Todos e outros itens que são importantes para um país como o nosso. Temos uma tarifa que, no suprimento, é uma das mais baratas do mundo, mas que, na ponta, está na média da de outros países. Se considerarmos a tarifa média, não é a mais cara do mundo.
DINHEIRO ? A Europa tem feito investimentos massivos em energia solar. O que explica a ausência dessa fonte nos próximos leilões?
ZIMMERMANN ? Imagine que a fonte solar hoje é dez vezes mais cara que a hidrelétrica, por exemplo. Se já temos uma tarifa que é apontada como alta no País, como seria partir de um custo de produção de US$ 400 por kW, se a energia gerada em hidrelétricas sai a US$ 40 por kW? Seria impossível a sociedade suportar. O custo é muito alto.
DINHEIRO ? E qual será o papel da energia nuclear nos próximos 20 anos?
ZIMMERMANN ? O Brasil tem uma das maiores reservas de urânio no mundo e ela será usada. Nós avançamos para a Amazônia, mas os novos reservatórios das hidrelétricas têm pequenas áreas de alagamento. Significa que teremos de aumentar as nossas ?caixas d?água? e uma das formas é com usinas térmicas, como a nuclear. O Plano Decenal de Energia para 2030 já indicava que trabalharíamos para acrescentar de quatro a oito usinas. Mas, num programa nu-clear, é preciso ter em mente que qualquer usina decidida hoje só entrará em operação daqui a nove anos.
DINHEIRO ? Há obstáculos para a consolidação desses planos?
ZIMMERMANN ? O importante para o setor elétrico é que o Brasil detém a tecnologia do ciclo do urânio. Mas não adianta construir novas centrais e ficarmos com uma instabilidade de suprimento de combustível. Então, antes, precisamos ter escala industrial para produzirmos urânio enriquecido. Portanto, as-sim que Angra 3 entrar em operação, em 2015, já precisamos ter essa planta em funcionamento. Esse investimento está sendo priorizado.
Hidrelétrica de Itaipu, maior usina brasileira. “A decisão de pagar mais ao
Paraguai pelos excedentes de Itaipu foi de natureza geopolítica”
DINHEIRO ? O consórcio Norte Energia, vencedor de Belo Monte, ainda precisava definir os autoprodutores para justificar o baixo lance oferecido. Isso já foi resolvido?
ZIMMERMANN ? O que posso dizer é que a informação prestada pela Eletrobras é de que já fechou com diversos autoprodutores da própria Região Norte. Isso será muito importante para incentivar projetos por lá. Isso traz efeitos muitos positivos porque o Pará é um Estado com potencial mineral muito grande a ser explorado, onde também se pode agregar valor àqueles recursos naturais. É importante que parte dessa energia gerada contribua para o desenvolvimento do Estado.
DINHEIRO ? As empresas se queixaram de que as taxas de retorno de Belo Monte seriam muito baixas. A entrada da Eletro-bras dá mais segurança aos investidores?
ZIMMERMANN ? Houve o leilão com dois consórcios. Ambos bidaram, ou seja, deram lance. Um apresentou um deságio pequeno e o outro, um maior, e venceu. É natural o grupo Eletrobras participar, como participou nos projetos do rio Madeira e da construção das linhas de transmissão. Ela participa porque é um dos maiores atores no setor, competindo com o privado. A otimização de custos faz parte do jogo. As propostas são baseadas naquilo que o consórcio pode fazer. No caso do vencedor (Norte Energia), sabe-se que seu projeto prevê apenas um canal, o que reduz em 20% a escavação necessária. Isso é um ganho muito grande de custo. Isso é o que fez termos competição. Todos tinham suas otimizações na manga. Em Belo Monte, venceu o mais criativo.
DINHEIRO ? Ainda há a preocupação de os fornecedores brasileiros perderem a concorrência para empresas chinesas, que têm apresentado custos baixos?
ZIMMERMANN ? Quando fizemos o leilão de energia eólica, havia essa discussão. Na época, fizemos uma desoneração tributária para a indústria nacional, que funcionou muito bem. Deu condições de a indústria disputar em pé de igualdade. O consumidor se beneficiou da concorrência sem haver o desmonte de parque industrial. No caso de hidrelétrica, é a mesma coisa. Temos um dos maiores parques fabris de geradores hidrelétricos do mundo e era importante que tivessem condições de competir. Então imaginamos que há condições de disputar com quem vier de fora do País.
DINHEIRO ? Na criação da chamada super Eletrobras, falava-se da intenção de investir em projetos nos países vizinhos. Que oportunidades estão em vista?
ZIMMERMANN ? A Eletrobras tem um longo caminho ainda. Não podemos esquecer que a empresa, no início da década de 1990, era maior que a Petrobras. O fato de o governo deixá-la competir no mercado de forma muito saudável, ora ganhando, ora perdendo, é um sinal muito bom de que o modelo dá certo. A empresa tem uma área internacional que prospecta alternativas de bons negócios, já que há uma tendência de se tornar um ator internacional. Isso implica projetos de fronteira, possível aquisição de subsidiárias. Mas essa é uma questão ainda em análise.
“O Brasil ainda não tem energia solar porque custa dez vezes mais”
Placas de captação de energia solar
DINHEIRO ? Nesse novo papel da Eletrobras, tem havido muita crítica à compra da deficitária Celg, de Goiás.
ZIMMERMANN ? O caso da Celg é complexo e está sendo analisado. Nas próximas semanas deve haver uma solução. A Eletrobras fez uma avaliação de como está a empresa porque a Celg tem um elevado endividamento com fundos setoriais. Por isso há dois anos não tem reajustes. Está numa situação bastante difícil. O que se está buscando é analisar se há uma forma de equacionar o problema. A Aneel começou estudos mais profundos para avaliar a situação.
DINHEIRO ? O licenciamento ambiental tem sido um constante obstáculo a projetos do setor elétrico. A energia nuclear pode vir a ser alvo desse entrave?
ZIMMERMANN ? Os estudos ambientais hoje são peças completíssimas. Mas temos um problema, o aspecto ideológico. Não queriam dar a licença do rio Madeira porque algumas pessoas diziam, ideologicamente, que não se deveriam fazer usinas na região da Amazônia. Lá fora, ONGs diziam que a Amazônia inteira é um santuário. Isso é uma falsa tese. Na verdade, quando fizemos as usinas do Madeira, mostramos que há baixo impacto ao meio ambiente. O reservatório usa, praticamente, a calha do rio. Fizeram um drama em relação ao bagre, enquanto que em Itaipu os peixes sobem 120 metros de corredeiras. No Madeira, são apenas 16 metros.
DINHEIRO ? Disputas em torno de licenciamento podem voltar a se repetir?
ZIMMERMANN ? O Brasil tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo. É o que o estudo do Banco Mundial mostrou: realmente, o tempo que se leva no Brasil é bastante grande. Mas quem disser que se fazem no Brasil usinas que não levam em conta os aspectos ambientais está mentindo. O Brasil é internacionalmente reconhecido por ter requisitos ambientais altos.
DINHEIRO ? O decreto que autoriza estudos de potencial energético em áreas de conservação não cria mais polêmica?
ZIMMERMANN ? O decreto era para ter saído há muito tempo. Antes, não se podia nem estudar uma área ou a proximidade de uma área. Temos um caso saudável na usina de Tabajara, em Mato Grosso, em que se aproveitou uma área que não mantinha mais as características naturais e acrescentamos outra maior que não estava descaracterizada. É um grande jogo de ganha-ganha.
DINHEIRO ? A renovação das concessões de hidrelétricas que vencem em 2015, como a da Cesp, ficará para o próximo governo?
ZIMMERMANN ? Ainda faltam cinco anos para vencerem as primeiras. Existe uma lei, um marco que define isso. Em nenhum lugar do mundo o investidor acha pouco tempo saber que daqui a cinco anos termina a sua concessão. Existe um contrato de concessão e ele tem de ser honrado até o último dia. Não existe alternativa. É melhor fazer no início do outro governo porque a sociedade terá de decidir. Renovando ou licitando, tem uma coisa importante que temos de cumprir: não se pode causar distorção no mercado.
DINHEIRO ? Como justificar a proposta de elevar o preço pago ao Paraguai pela cessão da energia excedente, US$ 240 milhões adicionais por ano? Não é uma conta salgada?
ZIMMERMANN ? É uma decisão geopolítica. O presidente, como uma forma de ajudar o país vizinho, decidiu ingressar com mais recursos no Paraguai, sem onerar o consumidor brasileiro. É o contribuinte que vai arcar com essa diferença, não o consumidor de energia elétrica. É um item que o Estado considera importante em sua agenda geopolítica.
DINHEIRO ? O consumidor de energia e o contribuinte não são a mesma pessoa? Não estamos assumindo um compromisso financeiro pesado, que não é do País?
ZIMMERMANN ? Esse fator de multiplicação já foi modificado várias vezes. Não é a primeira vez. É uma forma de ajudar um país vizinho, que é sócio e num empreendimento que tem trazido muitos bons resultados para o Brasil.