“Benfeitor” do Japão para alguns e “fascista” para outros: apoiadores e opositores do ex-primeiro-ministro assassinado Shinzo Abe expressaram nesta terça-feira (27) suas divisões em torno de seu funeral de Estado em Tóquio.

Milhares de japoneses de todas as idades se reuniram cedo ao redor do estádio Nippon Budokan, local de competições de artes marciais, shows e cerimônias oficiais na capital para a última despedida de Abe.

Calmamente, um após o outro, seus seguidores colocaram flores diante de um retrato do líder japonês instalado em uma tenda montada para a ocasião perto do Budokan.

“Não acho que o Japão terá um líder melhor do que ele”, disse Yoshiko Yokota, de 48 anos, à AFP, lembrando-se de um encontro com Abe em um restaurante onde trabalhava.

“Mesmo que eu seja apenas uma pessoa comum, Abe me olhou nos olhos e disse ‘obrigado'”, acrescentou.

“Antes de Abe, o Japão sofreu durante anos de indecisão política”, estimou Tomoya Kagawa, um operário da construção civil de 37 anos que elogiou a “determinação” do falecido.

“Ele fez grandes contribuições ao Japão”, como acordos de livre comércio ou o fortalecimento da aliança com os Estados Unidos, acrescentou.

– Legado controverso –

Shinzo Abe bateu o recorde de longevidade de um primeiro-ministro japonês com oito anos e meio em dois mandatos (2006-2007 e 2012-2020).

Ficou conhecido no exterior pela intensa atividade diplomática e por sua política de expansão orçamentária e monetária batizada de “Abenomics”, que teve resultados moderados.

Mas no Japão também era detestado por muitos por seu discurso nacionalista, sua vontade de rever a Constituição pacifista e inúmeros casos de clientelismo em seu ambiente.

Longe de torná-lo um mártir, seu assassinato em 8 de julho durante um comício eleitoral em Nara (oeste) manchou ainda mais sua imagem entre os críticos.

Seu assassino o atacou por considerá-lo próximo da Igreja da Unificação, uma controversa organização religiosa com ligações com vários membros do Partido Liberal Democrata, que Abe presidiu por muito tempo.

Cerca de 60% dos japoneses questionados nas últimas pesquisas se opuseram ao funeral de Estado, uma rara homenagem aos líderes políticos no Japão do pós-guerra.

Além disso, a oposição parlamentar criticou a escolha unilateral do atual primeiro-ministro Fumio Kishida, de quem Abe foi mentor, e o custo da cerimônia de cerca de 12 milhões de dólares.

– “Restaurem a democracia!” –

Enquanto o funeral acontecia, a poucos quilômetros de distância, com 4.300 participantes, incluindo 700 dignitários estrangeiros, milhares de pessoas protestaram contra esta homenagem perante o Parlamento japonês.

“Nunca choraremos pelo fascista Abe”, dizia uma faixa.

“Parece indesculpável para mim que tanto dinheiro dos contribuintes seja gasto” para isso, comentou Kanako Harada, uma cineasta independente de 37 anos.

“Eu me oponho ao funeral nacional porque o governo o impôs sem ouvir as pessoas” e sem respeitar a Constituição, disse à AFP Toshiro Inoue, 71 anos.

Para esse homem que veio de Yokohama, sudoeste de Tóquio, os escândalos político-financeiros que cercam Abe e seu partido “normalizaram o fato de um líder político mentir impunemente”.

E enquanto o Budokan observava um minuto de silêncio, os manifestantes gritavam em uníssono: “Não nos silenciem! Cancelem os funerais de Estado! Restaurem a democracia!”