Após considerar que tem mais aspectos positivos do que negativos, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma mudança radical ao decidir visitar a Arábia Saudita no mês que vem, mesmo sob as críticas de ativistas dos direitos humanos, que o acusam de vender sua alma por petróleo.

Assim, Biden repete as ações de seus antecessores, que também flertaram com o reino rico em petróleo, aprofundando os vínculos de Washington com essa nação apesar das repetidas crises, como os ataques de 11 de setembro, cujos terroristas eram majoritariamente sauditas.

A Casa Branca anunciou nesta terça-feira (14) que Biden viajará no próximo mês à Arábia Saudita para comparecer a uma cúpula regional em Jidá, na qual se reunirá com líderes do reino árabe. Quando era candidato, o presidente americano não poupou críticas a esses líderes e, inclusive, prometera tratá-los como “os párias que são”, incluindo o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman.

De acordo com os serviços de inteligência dos Estados Unidos, Bin Salman ordenou em 2018 o assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi.

Ao tomar posse, Biden desclassificou os documentos sobre as descobertas relativas à morte de Khashoggi e prometeu “ajustar” a relação com o reino do Golfo, através da redução do apoio à campanha militar saudita no Iêmen.

Funcionários do governo Biden dizem que viram os sauditas responder recentemente às inquietações dos Estados Unidos ao tentar melhorar suas relações com Israel e mediante uma trégua no Iêmen, onde o governo apoiado por Riade está combatendo os rebeldes houthis, apoiados pelo Irã.

Além disso, no início deste mês, os sauditas surpreendentemente lideraram um acordo entre produtores de petróleo para aumentar a produção. Isso representa um alívio para Biden, que vem caindo nas pesquisas pelo aumento nos preços dos combustíveis, que continuam subindo.

Para Dan Shapiro, que ocupou o cargo de embaixador dos EUA em Israel quando Biden era vice-presidente, é provável que o príncipe herdeiro de 36 anos seja a principal liderança saudita nos próximos anos.

A visita acontecerá em um contexto no qual a China olha cada vez mais de perto para as nações do Golfo, que, em sua maioria, rechaçaram os esforços de Washington para isolar a Rússia pela invasão à Ucrânia.

“Biden concluiu corretamente que os Estados Unidos têm interesses estratégicos [na Arábia Saudita], que se capitalizariam com a estabilização da relação EUA-Arábia Saudita”, assinalou Shapiro, que agora integra o centro de análise Atlantic Council.

“É fundamental que, na medida em que enfrentamos desafios como a invasão da Rússia à Ucrânia e o posicionamento cada vez mais firme da China a nível mundial, os parceiros – particularmente no Oriente Médio, em especial as nações produtoras de energia – se alinhem com os interesses dos Estados Unidos”.

– ‘Conseguiu o que queria’ –

A viagem sugere que existe um cálculo da Casa Branca: vale à pena enfrentar as críticas de legisladores, em sua maioria do próprio partido de Biden, o Democrata, e ativistas que dizem que o presidente está colocando em perigo suas próprias promessas de situar os direitos humanos no centro de sua política externa.

Na semana passada, a Cúpula das Américas em Los Angeles, organizada pelos Estados Unidos, ficou marcada pelo boicote do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que decidiu não comparecer depois que Biden decidiu não convidar líderes que considera autoritários.

Andrea Prasow, diretora-executiva da organização The Freedom Initiative, que apoia presos políticos no mundo árabe, disse que as famílias dos detidos sentem que Biden “os abandonou por completo em seu objetivo de conseguir preços mais baixos do petróleo”.

Prasow afirmou que Biden deveria ter conseguido um compromisso de Bin Salman de libertar os prisioneiros, em troca de sua visita.

A mensagem “é muito clara: Mohamed bin Salman conseguiu o que queria no caso do assassinato [de Kashoggi]”, argumentou.

Inclusive se Biden falar em particular sobre direitos humanos, a “mensagem pública ao próprio Bin Salman, a todos na Arábia Saudita, nos Estados Unidos e no mundo, é que esse tipo de violação atroz dos direitos humanos não tem consequências”, dijo Prasow.

– Uma espécie de desculpa? –

Mohamed bin Salman tinha uma relação muito mais cordial com o ex-presidente Donald Trump, cujo genro, Jared Kushner, supostamente conversava com o príncipe por WhatsApp.

Naquele momento, Trump defendeu sua resposta suave para o assassinato de Khashoggi dizendo que a Arábia Saudita impulsionou a economia americana mediante a compra de armas.

O secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, escreveu no Twitter que o príncipe herdeiro “está trabalhando para construir a paz e a prosperidade para o seu país” e criticou Biden por deixá-lo de lado.

Os especialistas disseram que o príncipe herdeiro buscava fazer com que a relação voltasse à normalidade.

Yasmine Farouk da organização Carnegie Endowment for International Peace disse que Mohamed bin Salman havia sido pessoalmente ofendido por Biden, um crítico de Arábia Saudita inclusive antes do assassinato de Khashoggi.

“O que Bin Salman busca na visita de Biden principalmente não é necessariamente um grande avanço na cooperação militar e de defesa, mas o reconhecimento político e uma espécie de desculpa por ignorá-lo”, disse.

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