09/12/2020 - 14:40
Ao escolher vários membros de uma consultoria privada de Washington para seu governo, Joe Biden alimenta uma polêmica sobre um sistema que permite a funcionários americanos de alto escalão trabalharem para grupos influentes entre uma administração e outra.
O próximo chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Tony Blinken, a diretora de Inteligência dos Estados Unidos, Avril Haines, e a porta-voz do governo, Jen Psaki, trabalharam para a empresa WestExec Advisors.
O general Lloyd Austin, escolhido pelo presidente eleito para chefiar o Departamento de Defesa, não é apenas um conselheiro da WestExec, como também um dos diretores do fundo de investimentos da empresa, o Pine Island Capital Partners.
E, de acordo com a imprensa americana, Biden pensa em convidar outro conselheiro do WestExec, David Cohen, para ser seu diretor da CIA, a principal agência de Inteligência dos Estados Unidos.
Após quatro anos de denúncias de conflito de interesses contra Donald Trump, Biden foi criticado por recorrer a esta consultoria privada, que tem laços estreitos com a indústria de defesa.
“Agora cabe ao governo Biden e a esses candidatos mostrar que tomarão medidas prudentes para evitar qualquer conflito de interesses”, disse o diretor da ONG anticorrupção Citizens for Responsibility and Ethics in Washington (CREW), Noah Bookbinder.
Depois do desprezo de Trump pelas regras éticas, “espero que o próximo governo tire lições” disso, acrescenta.
– Uma rua simbólica –
A WestExec foi criada em 2017 para acolher membros do governo Barack Obama após a eleição de Donald Trump.
A empresa oferece serviços de assessoria estratégica para empresas que desejam aproveitar seu conhecimento em questões de segurança e defesa.
Seu nome vem de West Executive Avenue, uma pequena rua sem trânsito que separa a Casa Branca do grande edifício que abriga a maioria dos escritórios do Executivo americano, o Eisenhower Executive Office Building.
Alguns veem as práticas dessa empresa como uma forma de lobby, ou seja, o uso de redes de influência para convencer altos funcionários e parlamentares a modificarem projetos de lei para beneficiar seus clientes.
Nos Estados Unidos, vários escândalos de corrupção levaram o Congresso a impor regras rígidas a esses grupos de pressão, incluindo a obrigação de identificar publicamente as empresas para as quais trabalham.
As consultorias e seus funcionários ficaram de fora dessa norma e não precisam divulgar os nomes de seus clientes.
A revista especializada The American Prospect e o jornal The New York Times identificaram alguns clientes da WestExec como o fabricante de drones Shield AI, contratado pelo Pentágono; a Schmidt Futures, administrada pelo ex-CEO do Google Eric Schmidt; ou a empresa israelense Windward, especialista em Inteligência Artificial.
O fundo de investimento da WestExec, o Pine Island, levantou US$ 283 milhões para investir em empresas da indústria de defesa.
Tony Blinken e Lloyd Austin são diretores do Pine Island.
– A falta de transparência –
Para Richard Painter, um ex-conselheiro jurídico da Casa Branca, o problema é a falta de transparência das empresas de consultoria estratégica.
“Brechas legais como essa se multiplicaram sob Trump e devem ser removidas. Os nomes dos clientes devem ser divulgados pelo menos para os encarregados das questões éticas, caso não sejam tornados públicos”, tuitou.
Painter afirma que ex-clientes daqueles escolhidos por Biden para seu governo deveriam revelar suas identidades.
E, se eles se recusarem a fazê-lo, deveriam ser proibidos “de participar de reuniões com esses funcionários, quando voltarem ao governo. Sem exceções”.
Para Bookbinder, a nova popularidade das consultorias, muitas vezes preferidas aos lobistas tradicionais, “não é uma evolução para uma maior transparência”.
Segundo ele, os integrantes do novo governo terão de divulgar seus bens, vendê-los e se declarar incompetentes em caso de conflito de interesses: “Vamos observar tudo isso com atenção”, alerta.