Se um dos mais famosos epicuristas e gastrônomos franceses de todos os tempos, Jean Anthelme Brillat-Savarin, voltasse do século 17 para os dias atuais, constataria a atualidade de sua mais célebre frase: “Dis-moi ce que tu manges, je te dirai ce que tu es.” Exemplos não faltam para confirmá-la em nosso cotidiano. No episódio da carne equina encontrada em lasanha, ravióli e hambúrguer europeus, nos quais deveria haver apenas carne bovina, Brillat-Savarin adjetivaria os consumidores do bloco dos 27 países como desinformados e ignorantes, por não saberem o que estão colocando no prato. Enganar o consumidor é a parte mais triste dessa história, que envolve nomes fulgurantes da indústria mundial de alimentos. 

 

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Desde que o escândalo veio à tona, na semana passada, a venda de pratos prontos à base de carne vermelha vem despencando em vários países, mesmo que o consumo de carne equina seja um hábito europeu. Na Itália, por exemplo, há açougues especializados nesse tipo de alimento, como o Il Fiorentino, em Roma. Em Paris, o chefe Otis Lebert, do bistrô Le Taxi Jaune prepara pratos à base de cérebro de cavalo. Gostos e culturas à parte – a absoluta maioria dos brasileiros torceria o nariz para esse tipo de culinária –, o fato é que a utilização fraudulenta da carne de cavalo coloca na mesa, mais uma vez, uma antiga discussão: qual é a medida da segurança alimentar na cadeia produtiva da proteína de origem animal. A expressão “food security” começou a ser empregada após a Primeira Guerra Mundial, quando o tema virou uma questão de soberania nacional, levando os governos emergentes a buscar o autossuprimento de alimentos. 

 

Mas foi a partir do fim da década de 1990, quando o governo britânico admitiu que a doença da vaca louca poderia ter correspondência em humanos, que a segurança alimentar passou a ser um dos atributos da qualidade da carne, diretamente relacionada à ausência de patógenos ou resíduos químicos prejudiciais à saúde. Não é esse o problema criado pela carne de cavalo encontrada nos alimentos industrializados vendidos na Espanha e Itália, principalmente, pois, por enquanto, não foram detectados medicamentos como o anti-inflamatório Fenilbutazona, geralmente aplicado em cavalos de corrida. Na verdade, o caso da carne europeia vem sendo classificado pelas autoridades locais como fraude e não como falha em seu sistema de rastreabilidade, um conjunto de severas regras de acompanhamento do histórico do animal, do nascimento ao abate, exigido de qualquer país que queira abastecer o mercado europeu. 

 

O Brasil, por exemplo, que criou em 2002 o Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos, até hoje não conseguiu lapidar um programa que satisfaça totalmente os clientes europeus e, ao mesmo tempo, garanta rentabilidade ao pecuarista, tal é a quantidade de processos auditáveis a serem seguidos e que acabam pesando no custo de produção dos animais. O País somente se submete a essas exigências porque o bloco é o seu terceiro maior mercado mundial, mesmo em tempo de crise. Mas o fato é que, enquanto os brasileiros fazem a lição de casa, os europeus metem os pés pelas mãos com a vaca louca e, agora, com a carne de cavalo utilizada indevidamente. Na Euro­pa procuram-se os culpados que serão punidos. Mas não estarão sozinhos. Qualquer que seja o desfecho do caso, a imagem da cadeia produtiva da carne vermelha sai arranhada mais uma vez, para regozijodos defensores da alimentação saudável.