Em 1985, Hollywood usou a primeira epidemia de ebola, uma doença emergente transmitida por um vírus, até então desconhecido, como mote para uma produção no melhor estilo cinema catástrofe. No filme Epidemia, o ator Dustin Hoffman encarna um cientista encarregado de lidar com a doença que atinge uma pequena cidade da Califórnia. Para convencer o governo a dar carta branca à equipe de campo, um militar vivido por Morgan Freeman faz um relato alarmante, segundo o qual, em apenas 48 horas, o vírus contaminaria todo o país. No final, o vírus acaba sendo apropriado como uma espécie de “arma militar”.

Felizmente, a vida não imita a arte. Mas é certo que o ressurgimento da doença, 38 anos após a sua descoberta, em 1976, na África, indica que alguma coisa deu errado. E a responsabilidade recai sobre os governos locais, os organismos internacionais de saúde pública e até mesmo os laboratórios farmacêuticos. Afinal, graças ao poder deletério do vírus, que causa febre hemorrágica e pode levar à morte em poucas semanas, e à sua capacidade explosiva de propagação, seria uma questão de tempo para que o ebola chegasse aos Estados Unidos, à Europa e, possivelmente, ao Brasil.

Na sexta-feira 10, o africano Souleymane Bah, 47 anos, foi transportado de Cascavel (PR) para o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, no Rio de Janeiro, sob suspeita de ter contraído o vírus em viagem à Guiné, um dos países mais afetados pela epidemia. Diante disso, surge a seguinte questão: por que, então, nada ou muito pouco foi feito até agora em relação à produção de um antídoto capaz de brecar o ebola? “Os laboratórios privados se movem pela lógica do lucro”, afirma Francisco Lira, analista da consultoria Lafis, de São Paulo.

“Por isso, só investem em projetos de pesquisa com chances efetivas de gerar retorno financeiro.” De fato. Na verdadeira guerra na qual se transformou o combate à doença na Guiné e na Libéria, quem chegou primeiro foram as ONGs. Entidades como Médicos Sem Fronteiras, organizações ligadas à igreja e até empresas privadas, como a Firestone (leia o texto ao final da reportagem), assumiram o papel do Estado. Pelo lado da pesquisa, uma das personalidades que estão liderando os esforços para a descoberta da cura é o bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft e um dos homens mais ricos do planeta.

Em 2000, ele surpreendeu o mundo ao doar metade de sua fortuna à Fundação Bill & Melinda Gates, que hoje administra um patrimônio estimado em US$ 40 bilhões. Entre seus projetos constam o financiamento de medicamentos e vacinas para doenças que atingem majoritariamente os países pobres. Foram quase US$ 1 bilhão desembolsados, no ano passado. Nesse bolo estão contabilizadas ações de prevenção e controle, nas quais a fundação já aplicou US$ 60 milhões, apenas no período agosto-outubro. A maior fatia desse dinheiro envolveu a viabilização da produção em série de uma droga experimental.

“Fizemos uma modesta contribuição para acelerar a produção do ZMapp”, disse em comunicado enviado à DINHEIRO Christo­pher Williams, porta-voz da fundação. O medicamento é visto como o primeiro capaz de curar pacientes infectados com o vírus. “Além disso, estamos investindo na descoberta de outras drogas para a doença.” Pesquisas desse tipo costumam levar um bom tempo para gerar resultados satisfatórios. Daí a importância de os laboratórios de biotecnologia contarem com recursos de instituições de porte que lhes permitam acelerar o processo.

“A Fundação Gates está cumprindo seu papel como entidade filantrópica”, afirma o consultor Lira, da Lafis. Isso é especialmente importante quando se trata de uma enfermidade com o poder devastador do ebola. Além da perda de vidas, o vírus ajuda a desorganizar a economia dos países afetados. A Organização Mundial da Saúde já estima a morte de 3,5 mil pessoas na Libéria, Guiné, Serra Leoa, Nigéria e República Democrática do Congo. Segundo o Banco Mundial, se nada for feito os países infectados sofrerão perdas de até US$ 32 bilhões, até o fim de 2015.

A luta contra o ebola entrou no radar de Bill Gates e de sua mulher, Melinda, muito antes da nova epidemia. Incomodado com o descaso dos grandes laboratórios em relação às doenças tropicais, como a malária, cuja incidência é maior em países pobres, o fundador da Microsoft resolveu agir. Também fez o mesmo em relação à Aids, subsidiando a compra de medicamentos ou bancando pesquisas. Seu trabalho chamou a atenção do mago das finanças, seu compatriota Warren Buffett. “Bill e Melinda vêm encorajando outros milionários a aderirem às causas sociais e à filantropia”, diz Williams, porta-voz da fundação Gates. “Mas eles nunca falam de uma causa específica.”

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A receita da Firestone

A forma como os governos lidam com grandes catástrofes diz muito sobre sua natureza. No caso da crise do ebola, não é diferente. Enquanto chefes de Estado dos países infectados se mostraram lentos, ONGs e empresas vêm saindo na frente. Uma delas é a fabricante de pneus Firestone, do grupo japonês Bridgestone, que usou seus mecanismos de gestão para transformar sua base produtiva na empobrecida Libéria, na África, em um “oásis” em meio à devastação causada pela epidemia. Eles aprenderam a lidar com o problema na prática, de acordo com relato feito ao The Wall Street Journal pelo gestor de uma das fazendas onde a companhia cultiva vastos seringais. “Foi como pilotar um avião lendo o manual”, afirmou o presidente da Firestone Natural Rubber Company, Ed Garcia. O primeiro caso surgiu em março. Desde então, foram reforçadas as medidas de precaução, especialmente as sanitárias. Os infectados foram tratados em enfermarias instaladas dentro de contêineres, isolados com revestimento de plástico. Na última semana nenhuma ocorrência de infecção pelo vírus havia sido constatada nos 8,5 mil funcionários e seus familiares.