16/09/2019 - 7:39
Foram oito anos de trabalho, cem entrevistas, viagens a Itália, França e Estados Unidos, busca de documentos na Biblioteca do Vaticano, reportagens nas ruas, em hospitais e conventos, conversas com bispos e cardeais. O repórter e editor Graciliano Rocha, nascido e formado em jornalismo em Campo Grande, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, está lançando o livro Irmã Dulce, a Santa dos Pobres (Editora Planeta, 296 páginas, R$ 49,90), história de Maria Rita de Souza Brito Lopes.
Segunda filha do dentista e professor universitário Augusto Lopes Pontes e da dona de casa Dulce de Souza Brito, Maria Rita nasceu em Salvador, em 1914, de uma família de classe média com conexões na política da Bahia. Seu avô paterno fundou o Colégio Santo Antônio, santo de devoção da família.
Irmã Dulce – depois Beata Dulce dos Pobres, após a beatificação em 2011 e, a partir de 13 de outubro deste ano, com a canonização, Santa Dulce dos Pobres – ganhou esse nome em homenagem à mãe, falecida em 1921. Entrou para o convento em 15 de agosto de 1934, depois de lutar contra a resistência do pai, que traçara para ela o roteiro de todas as moças de classe alta da Bahia.
O dentista Pontes, amigo do cardeal Augusto Álvaro da Silva, primaz de Salvador, ia à missa aos domingos e comungava, era um católico fiel, mas não se conformava com a vocação da filha. No fim, concordou. Acompanhou Maria Rita à cidade de São Cristóvão, em Sergipe, onde ela recebeu o hábito azul e branco e recebeu o nome de Irmã Dulce.
O dentista chorou, emocionado, lembrando-se da menina levada – “muito terrível”, como ela se definia – que também gostava de boneca, mas preferia fazer guerra de mamona no quintal e soltar pipas na rua. Domingo era dia de futebol, no Campo da Graça. Era um programa de gente rica, de rapazes alinhados e senhorinhas. “Até os 13 anos, eu era louca por futebol, e o maior castigo que eu poderia receber, se eu pintava muito durante a semana, era aos domingos não ir ao futebol com meu pai”, relembraria Irmã Dulce em entrevista, já no convento da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, onde morou antes de ser transferida para Salvador.
Na Bahia, Irmã Dulce dedicou-se à assistência aos pobres. Mendigos e doentes eram acolhidos em um hospital, crianças abandonadas iam para um orfanato. Desempregados recebiam refeições, passagens de ônibus para voltarem à terra natal e uma cama para dormir até a solução do problema. O escritor Paulo Coelho, então um jovem perdido em Salvador, após ter fugido de um hospital psiquiátrico no qual fora internado pelos pais, recorreu a Irmã Dulce. Entrou na fila e contou sua história. Irmã Dulce ouviu e, sem nada perguntar, escreveu: “Vale um bilhete de ônibus”, e assinou. “O primeiro motorista que leu o que estava no papel mandou que eu embarcasse.”
Em entrevista por e-mail dada ao autor, Graciliano Rocha, o escritor acrescentou. “É com lágrimas nos olhos que escrevo estas linhas. Que ótimo que sua vida esteja contada neste livro.”
Políticos e governantes visitavam Irmã Dulce para conhecer sua obra ou com o interesse eleitoral. Ela recebia a todos e sempre aproveitava a oportunidade para pedir pelos pobres. Antonio Carlos Magalhães abre a lista, como governador e amigo pessoal. Era ele quem abria as portas para inclusões na agenda de visitantes de autoridades federais. Os presidentes Eurico Gaspar Dutra, João Batista Figueiredo e José Sarney levaram solidariedade e contribuíram com milhões de cruzeiros.
Presidentes
“Eu sou indigno de fazer outra coisa, senão lhe beijar os pés”, disse Sarney em 27 de maio de 2014, durante sessão solene do Senado em homenagem ao centenário de nascimento de Irmã Dulce. Em 4 de junho deste ano, repetiu a declaração em entrevista a Graciliano Rocha. Amiga de Sarney, era a única pessoa, fora do governo, que tinha o número do telefone vermelho no gabinete do Palácio do Planalto. Irmã Dulce acionou o número muitas vezes.
Dutra prometeu 6,5 milhões de cruzeiros, o equivalente a R$ 12 milhões atuais, para concluir as obras sociais de Irmã Dulce por meio do Círculo Operário da Bahia (COB), com garantia do Banco do Brasil. Como o dinheiro não chegou, Irmã Dulce cobrou o prometido quando o presidente voltou à Bahia. Ele pediu ao ministro da Educação, o banqueiro baiano Clemente Mariani, para atender a freira. O livro de Graciliano Rocha conta como foi a estratégia para anular uma dívida com o Banco do Brasil com dinheiro do governo.
Já o presidente João Batista Figueiredo visitou Salvador ciceroneado por Magalhães. Ficou emocionado ao ver a precariedade do Hospital Santo Antônio e prometeu ajudar Irmã Dulce. A promessa foi cumprida 30 meses depois, em março de 1982, quando a freira reencontrou o presidente. “Já falei com Santo Antônio e ele me disse que o senhor só entra lá no céu se nos ajudar na construção do novo hospital”, disse a freira.
“Eu vou arranjar o dinheiro para a senhora, nem que eu tenha de assaltar um banco”, respondeu Figueiredo. “Pois o senhor me avise, que vou com o senhor”, pediu Irmã Dulce. Figueiredo deu uma gargalhada. O Ministério do Planejamento liberou 50 milhões de cruzeiros na semana seguinte (cerca de RS 4,5 milhões) e quantia igual um ano depois, transferida pelo Fundo de Investimento Social. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.