A inclusão do uso da biometria física no processo eleitoral pode gerar dúvidas sobre sua segurança e eficiência. Para esta eleição já foram coletados os dados biométricos de 120 milhões de eleitores no país (mais de 70% do total).

No entanto, a maioria dos brasileiro considera a tecnologia bem-vinda: o Relatório Global de Fraude e Identidade 2022, feito pela Experian, aponta que 93% dos brasileiros consideram a biometria física como a mais segura forma de identificação, seguida pela biometria comportamental (90%) e o uso de códigos PIN (78%).

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A pesquisa não estava relacionada ao uso eleitoral, mas demonstra que os brasileiros estão acostumados com essa tecnologia em outras situações, como em smartphones e em procedimentos bancários, por exemplo.

Expansão do uso da biometria

De acordo com Bruno Lacerda, diretor de TI da companhia eBox Digital, a biometria tem sido cada vez mais usada em diversos setores, sobretudo por contar com uma série de vantagens.

“Cada pessoa possui características singulares em aspectos comportamentais e físicos. Por isso, a biometria tem se mostrado uma maneira bem sucedida para auxiliar na segurança de empresas, instituições governamentais e em outras áreas. Os principais meios de reconhecimento biométrico são: Impressão digital, Reconhecimento facial, Identificação pela íris, Identificação pela Retina e Reconhecimento por Voz”, afirma.

Já o professor de Cyber Segurança do Ibmec Ricardo Maia destaca que os sistemas de identificação biométrica “funcionam com um determinado grau de imprecisão”.

“Esse nível de imprecisão ocorre tanto nos processos na captura ou armazenamento quanto no reconhecimento ou verificação. No exemplo específico das digitais, durante o processo de captura podemos ter um problema relacionado a baixa qualidade (resolução) da imagem, mas também quanto à quantidades de pontos (características) extraídos da digital. Esses pontos, ou características, serão utilizados durante processo de verificação e, quando menos pontos forem extraídos, menor a precisão no momento da checagem”, afirma Maia.

Além disso, ele afirma que, embora a questão das impressões digitais serem únicas em cada indivíduo ainda ser controversa, de forma geral é possível dizer que sim, cada ser humano possui uma impressão digital com suas próprias características singulares e que não se repetem em outra pessoa, mesmo em gêmeos univitelinos.

Outro aspecto que Maia ressalta é que as impressões digitais podem mudar com o tempo. “Cicatrizes ou mesmo o desgaste natural da idade podem fazer com que não sejam mais reconhecidas. Se as mudanças foram suficientemente grandes para que o sistema não possa comparar as características das informações armazenadas com as fornecidas, ocorrerá o erro”, afirma.

Isso não significa, no entanto, que outra pessoa poderá usar o sistema. Mesmo nessa situação a possibilidade de fraude é mínima porque o problema é a dificuldade em reconhecer uma impressão digital que tenha se modificado com o tempo. Dessa forma, o desafio para os profissionais de biometria acaba sendo mais prever essas mudanças e alterações com o tempo e criar modelos que levem isso em conta do que se preocupar com fraudes ou com identificações erradas de digitais que apontem para outra pessoa, o que é extremamente difícil considerando a quantidade de dados que são coletadas.

Segundo ele, apenas equipamento mais simples que usam apenas informações ópticas podem ser burlados. No entanto, os modelos mais modernos contam com uma tecnologia conhecida como verificação de dedo vivo (Live Finger Detection, ou LFD), que usa sensores de radiofrequência ou luz infravermelha para identificar a natureza da pele e das veias, impedindo o uso de cópias em papel ou moldes em silicone, por exemplo.

Maior confiança e fraude quase zero

De acordo com Alvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e prof. Dr. Livre-docente da Unifesp, a adoção da biometria no processo eleitoral foi totalmente acertado e “a chance de fraude é zero e sustentar isso é ridículo”, diz ele, afirmando que a possibilidade de um equívoco nesse tipo de sistema estaria perto de um em um bilhão.

“O dispositivo biométrico é algo que existe há muito tempo. Apesar de algumas das principais marcas registradas humanas serem ativadas e criadas por padrões genéticos que são comuns a todas as pessoas, existem algumas pequenas variações individuais, como na íris, no rosto (a simetria e os pontos que formam a topografia dele), impressão digital, tudo isso tem algo de muito específico e particular. O principal mecanismo de registro é a espectroscopia infravermelho, que pode ser descrito como uma espécie de leitor de luz”, afirma Dias.

Segundo ele, essa tecnologia permite usar a luz como uma medida indireta de perfusão sanguínea para, a partir disso, criar um mapa das zonas escuras. “Ao jogar luz sobre seu dedo, naturalmente algumas zonas de absorção serão maiores, no caso as mais sulcadas. O retorno da luz em relação ao sangue oxigenado vai te entregar uma fotografia sobre esses sulcos, já que eles têm diferenças espaciais, sobretudo de profundidade, em relação à superfície, marcando elementos fisiológicos de repetição rara entre as pessoas”, afirma.

Segundo ele, essa tecnologia é primordial para evitar qualquer tipo de fraude, porque além de mapear a impressão digital ela faz um mapeamento completo dos vasos sanguíneos que estão presentes no dedo e. com isso, criam uma camada a mais de segurança, já que modelos de silicone ou outros tipos de objetos que busquem recriar o padrão de uma impressão digital não será capaz de recriar a vascularização que existe dentro de cada dedo, além do fato de que, mesmo se alguém conseguisse reproduzir isso em algum material avançado, o sistema LFD leva em conta também outras características para atestar que se trata de um “dedo vivo”, como a temperatura corporal.

“Se você tentar entrar no sistema do seu celular por meio de impressão digital usando uma luva, por exemplo, poderá notar que não dará certo”, cita Dias como exemplo. Além da temperatura, ele cita que os sistemas mais modernos usam um mapeamento abrangente levando em conta a profundidade de cada sulco que forma a impressão digital e o que o menor ou maior luminância de cada parte está relacionada ao fluxo sanguíneo, que torna a pele mais clara.

Além disso, Dias diz que a biometria física tem uma grande eficiência e baixa possibilidade de fraude, mas o problema maior é que às vezes ela falha em reconhecer o dono da digital.

“O problema é a precisão, porque muitas vezes ela acaba falhando na identificação. Mas isso não quer dizer que ela vai identificar outra pessoa, mas que pode não identificar nada porque o registro imagético tridimensional irá ser processado em uma topografia bidimensional, podendo causar problemas. Um exemplo é abrir um celular com o iPhone com a tecnologia de biometria facial. Isso ocorreu durante a pandemia porque as pessoas começaram a usar máscara e isso criou um desafio maior e foi necessário atualizar o software para reconhecer as pessoas. Então você vai tendo exceções à regra que podem dificultar o uso da tecnologia”, afirma Dias.

Ao ser questionado sobre qual das tecnologias biométricas seria a mais eficiente, Dias afirma que a íris é a que tem maior índice de eficiência em geral, mas que isso não é uma questão muito importante porque todas as tecnologias biométricas, de forma geral, possuem um nível de confiança e eficiência tão altos que a variação de uma pra outra são mínimas.

“Outro ponto que precisamos pensar é que estamos tendo uma mudança na forma como são registradas as identidades no Brasil. Além de CNH e RG digital, está ocorrendo uma integração entre os sistemas”, afirma, ressaltando a importância da interoperabilidade, que permite o compartilhamento de um cadastro biométrico de um sistema para outro, sem que as pessoas tenham que cadastrar uma nova impressão toda vez que precisarem de um novo documento.

Dias, no entanto, discorda que toda impressão digital seja absolutamente única, afirmando que, por se tratar de um fenômeno estatístico, embora seja extremamente difícil, teoricamente podem existir impressões iguais, mas sua taxa não é relevante o suficiente para ser considerada na implementação de modelos biométricos, já que se trata de algo extremamente raro.

Uso na votação

Com a adoção da biometria, após apresentar um documento com foto o eleitor precisa apenas pressionar o dedo no aparelho para ser reconhecido e poder votar.

A identificação biométrica foi utilizada pela primeira vez nas eleições municipais de 2008 em apenas três municípios.

Já nas eleições gerais de 2010, a biometria passou a ser utilizada em mais 57 municípios e alcançou 1,1 milhão de eleitores.

Em 2014, por sua vez, os eleitores com biometria chegaram a 21 milhões e, em 2018, para 85 milhões, chegando finalmente à marca de 120 milhões em 2020.

A previsão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é ter 100% do eleitorado reconhecido pela digital nas eleições de 2026.