24/11/2016 - 0:00
Em tempos de crise, como a que vivemos neste interminável 2016, a adesão maciça do comércio à Black Friday é um ato de desespero. Lembra aquelas imagens de Serra Pelada no auge de sua exploração nos anos 1980. A busca insana por uma salvadora pepita de ouro.
A Black Friday foi criada nos Estados Unidos para marcar o início das compras para o Natal com grandes promoções. Outros países ocidentais adotaram essa ação de marketing.
Por aqui, o comércio e a indústria de bens de consumo apegam-se a toda oportunidade de venda para tentar reverter o tombo do ano. A previsão para a queda do varejo ampliado, que considera também veículos e materiais de construção, pode chegar a 10% no ano, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
Em um cenário como esse, é ingênuo esperar que o ainda incipiente conceito de consumo consciente prevaleça no varejo brasileiro. Cabe mais a nós, consumidores, sermos coerentes com o que acreditamos. Afinal, você é aquilo que você consome – ou não consome.
Num mundo de tantas escolhas, consumir (ou não) pode ser uma decisão política. Algumas empresas já entenderam isso e utilizam a Black Friday como um marco do comportamento divergente – ou se preferir, de contracultura.
A rede de varejo REI, de roupas e equipamentos outdoor (para atividades na natureza), foi pioneira no ano passado ao decidir não abrir suas 149 lojas nos Estados Unidos, nem processar compras online, durante a Black Friday. O argumento foi o de que seus mais de 12 mil funcionários também tinham o direito a desfrutar do feriado de Ação de Graças (o mais importante do calendário americano) junto de seus familiares e em atividades ao ar livre.
Neste ano, a campanha #OptOutside foi mais longe: mobilizou 275 organizações e empresas para que estimulem as práticas ao ar livre durante a Black Friday, gerando guias e atividades para atrair milhões de pessoas aos parques nacionais. “Vamos fechar novamente neste ano porque fundamentalmente acreditamos que estar ao ar livre faz de nós melhores, mais saudáveis e felizes, fisicamente e mentalmente”, explicou o CEO Jerry Stritzke.
A lendária marca de roupas Patagonia não ficou atrás. Vai doar toda a receita (repito: toda a receita) das lojas e das vendas online durante a Black Friday para organizações que defendem o meio ambiente. A decisão foi tomada após a eleição de Donald Trump, que promete mudar o rumo das políticas ambientais norte-americanas.
“Se não agirmos corajosamente, mudanças severas no clima, poluição do ar e da água, extinção de espécies e erosão do solo são resultados garantidos”, afirmou em carta aberta a CEO Rose Marcario. A Patagonia já doa, como política, 1% de toda a sua receita anual para organizações ambientalistas.
No Brasil, o único exemplo conhecido ainda é tímido. A Natura anunciou que vai doar o dobro do lucro obtido com a linha Crer para Ver à iniciativas que contribuem para a melhoria do ensino público no Brasil, uma medida que intensifica a prática cotidiana do Instituto Natura.
Estamos iniciando a era do ativismo corporativo. Os exemplos de REI e Patagonia são claros e demonstram que, cada vez mais, empresas abraçarão causas que alinham o impacto dos próprios negócios aos interesses e necessidades reais das pessoas. Nesse novo ambiente de relacionamento, a coerência e a firmeza de propósito formam a poderosa base para a construção da credibilidade das marcas de sucesso no futuro.