19/09/2014 - 20:00
No final da década passada, quando assumiu a operação brasileira da fabricante de ferramentas e eletrodomésticos Stanley Black & Decker, o executivo paulista Paulo Martins, 55 anos, acreditava que seus tempos de atribulações profissionais haviam ficado para trás. Comandante da subsidiária argentina durante dez anos, ele havia enfrentado as recorrentes turbulências no país vizinho, provocadas por calotes do governo local, inflação descontrolada, disparada do desemprego e escassez de crédito. Por isso, diz Martins, quando retornou ao Brasil, sentia-se mais bem preparado para enfrentar a crise mundial, embora os negócios da empresa estivessem indo de vento em popa, até aquele momento.
“Soubemos aproveitar, como toda a indústria, a boa fase da economia em 2010 e 2011”, afirma. No entanto, o cenário mudou, desde então. A instabilidade econômica, o real valorizado em relação ao dólar e a retração do consumo da nova classe média formaram um ambiente desafiador para a indústria em geral, especialmente para o setor de ferramentas. Na comparação com o ano de 2007, considerado um dos melhores da indústria nacional, desde o chamado Milagre Econômico, na década de 1970, as vendas no segmento encolheram 12% no ano passado, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Ferramentas (Abfa).
Diante da reviravolta do mercado, Martins colocou de cabeça para baixo o modelo de negócio da Stanley Black & Decker, gigante com faturamento global de US$ 11 bilhões, nascida da fusão das americanas Stanley e Black & Decker. A produção local deu lugar à importação, especialmente de suas fábricas da China e do Leste Europeu. Até 2005, a fábrica da companhia em Uberaba, no Triângulo Mineiro, respondia por cerca de 75% dos produtos vendidos no Brasil. Atualmente, esse percentual não ultrapassa os 35%. Além disso, a empresa colocou o pé no freio das exportações.
Os produtos fabricados no Brasil, que antes recheavam as prateleiras do varejo nos principais mercados da América Latina, hoje ficam restritos a vendas esporádicas para a Argentina. “O custo Brasil não me deixa exportar nem produzir”, diz o CEO. “Vimos que era mais barato trazer de nossas fábricas da China ou de outros países do que produzir na unidade daqui.” As medidas drásticas tomadas pela subsidiária brasileira ajudaram a companhia a superar, mesmo que sem a exuberância dos últimos cinco anos, época em que cresceu acima dos dois dígitos, a instabilidade do mercado brasileiro.
A Stanley Black & Decker estima que seu faturamento crescerá 7% neste ano, atingindo R$ 730 milhões no País. O crescimento está na contramão do mercado. “Este ano está tão ruim que as empresas já falam em demissão”, afirma Milton Rezende, presidente da Abfa. O desempenho recente da Stanley Black & Decker, segundo Martins, tem contribuído para que a matriz americana, baseada em Towson, no Estado de Maryland, continue confiante nos negócios no Brasil, que responde por 20% de seu faturamento nos mercados emergentes, que inclui países como Turquia, China e Índia.
No caso brasileiro, um ponto que conta a favor é o potencial de crescimento com as grandes obras de infraestrutura. A empresa é fornecedora de ferramentas para a construção das usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Além disso, tem agilizado o lançamento de ferramentas que antes só eram encontradas no exterior. Só neste ano, foram – ou serão – lançados 50 novos produtos, que deverão representar cerca de 15% do faturamento. Com isso, Martins enxerga boas perspectivas também no pequeno varejo. “Para economizar, as pessoas vão deixar de contratar prestadores de serviço e farão os reparos em casa elas mesmas”, afirma o presidente da Stanley Black & Decker. “E elas sempre precisarão de ferramentas.”