DINHEIRO ? O sr. avalia que o governo tem conduzido bem a presente crise?
PAULO SKAF ?
Essa não é uma crise que possa ser conduzida por governo. As CPIs devem ter total autonomia e nem caberia ao governo qualquer interferência. E tudo que ficar comprovado deve ter a efetiva punição.

DINHEIRO ? Mas como sr. vê a atuação do presidente Lula?
SKAF ?
Houve um equívoco naquele discurso contra as elites, até porque elite é sinônimo de excelência. Um presidente não pode discriminar ninguém. Atacar a elite já é uma forma de dividir. Foi um comentário infeliz. Mas eu confesso que não estou muito preocupado em analisar as atitudes do presidente da República. Ele é o presidente e que aja como quiser. Quem vai julgar é o eleitor.

DINHEIRO ? A discussão sobre o impeachment entrou na Fiesp?
SKAF ?
É claro que não. Aqui só discutimos projetos. E seria leviano da nossa parte fazer previsões políticas. Até porque o desfecho dessa crise é imprevisível.

DINHEIRO ? Quais os principais projetos parados no Congresso que deveriam andar?
SKAF ?
A Lei Geral da Microempresa, que simplificaria a vida de milhões de empresários e seria um golpe duro na informalidade, está parada. A reestruturação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, idem. Tudo isso tem que caminhar, assim como a regulamentação das Parcerias Público-Privadas, a complementação da reforma tributária, a proibição da importação de pneus usados e por aí vai.

DINHEIRO ? O sr. sente que o governo parou?
SKAF ?
Estive com a ministra Dilma Roussef e senti dela muito empenho para agilizar esses processos. Posso dizer o mesmo do ministro Jacques Wagner. E, além das mudanças na economia, é preciso mudar também na política.

DINHEIRO ? Em que aspecto?
SKAF ?
Precisamos urgentemente baratear o custo das campanhas eleitorais. Não faz sentido que uma campanha para deputado custe R$ 2 milhões. Tinha que ser um décimo disso. Talvez os publicitários não fiquem felizes com a minha sugestão, mas isso é necessário.

DINHEIRO ? O sr. não sente o governo desarticulado no Congresso para promover qualquer mudança mais profunda?
SKAF ?
Quero separar a parte econômica da política. A economia, é bom que se diga, vem desacelerando desde o primeiro trimestre deste ano, quando não havia crise política. O PIB teve um crescimento de 0,3%, que, anualizado dá 1,21%. O crescimento da economia está bem abaixo daquilo que o Brasil precisa. Mesmo no ano passado, quando crescemos 4,9%, o mundo cresceu 5,1%.

DINHEIRO ? O que é preciso fazer?
SKAF ?
Reduzir os gastos públicos, dar um choque de gestão na máquina pública e cortar as taxas de juros.

DINHEIRO ? Onde é possível melhorar a eficiência?
SKAF ?
Em quase todo o governo. A Previdência vai fechar o ano com um rombo de R$ 40 bilhões. Um belo choque de gestão poderia eliminar o déficit e fazer o governo ter até um superávit de R$ 10 bilhões. Será que não é necessário recadastrar os aposentados? Veja: o governo federal gasta R$ 400 bilhões por ano. Cortando gastos desnecessários, seria possível reduzir a carga tributária, combater a informalidade e sair do ciclo vicioso para o ciclo virtuoso.

DINHEIRO ? A política não contaminou a economia?
SKAF ?
Olha, se não fosse a crise política, as coisas poderiam estar até piores. O dólar, em vez de estar passeando na casa do R$ 2,30, talvez já estivesse em R$ 2,10, em função desses juros absurdos.

DINHEIRO ? Os juros altos são a maior fonte de desperdício?
SKAF ?
Há desperdício em várias esferas, mas é um verdadeiro absurdo gastar mais de R$ 150 bilhões por ano com juros, como o Brasil fará este ano.

DINHEIRO ? O sr. falou que a crise impediu uma queda maior do dólar. Mas e os investimentos?
SKAF ?
Esse é um problema. É inegável que a crise já está sim afetando os investimentos. O dia-a-dia ainda não foi afetado. Mas o projeto que começaria no fim do ano, em 2006, esse foi adiado. Muitos empresários já me comunicaram que estão adiando projetos. O meu feeling aponta uma retração.

DINHEIRO ? E o que pode se fazer em relação a isso?
SKAF ?
Nada. A crise política não pode ser abafada. As investigações devem ir até o fim. E ninguém deve ser blindado. Ou melhor: toda pessoa inocente tem que ser blindada contra a corrupção e contra o arbítrio. Por isso, criamos aqui na Fiesp um movimento em defesa da legalidade. Mas ninguém está acima da lei ou das investigações. Tudo tem que ser apurado, doe a quem doer. Não é isso o que o presidente tem falado?

DINHEIRO ? O vice-presidente Alencar …
SKAF ?
Fazer conjecturas sobre o vice pode parecer um desrespeito ao presidente da República. Até o momento não há nada que afete o presidente. O presidente Lula foi eleito com mais de 50 milhões de votos pelo povo brasileiro e isso tem de ser respeitado.

DINHEIRO ? O sr. partilha da rejeição de parte do empresariado ao vice-presidente José Alencar?
SKAF ?
Eu conheço o Alencar há muitos anos, desde o tempo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil. Ele é um homem de grande valor, extremamente trabalhador, que construiu uma grande empresa e criou muito bem a sua família. Veja o caso do Josué Gomes da Silva, o filho dele. Talvez existam executivos com uma formação igual. Melhor é difícil.

DINHEIRO ? Mas o Alencar não é tido como ?porra-louca??
SKAF ?
Porra-louquice é gastar R$ 150 bilhões por ano com o pagamento de juros. As críticas a ele partem de parte do sistema financeiro que está satisfeito com a condução da política econômica. Mas o fato é que temos que reduzir sim os juros.

DINHEIRO ? A crise política irá reforçar a política econômica conservadora?
SKAF ?
Espero que não.

DINHEIRO ? O sr. acha que é necessário blindar o ministro Antônio Palocci?
SKAF ?
Do ponto de vista pessoal, tenho muita simpatia pelo ministro Palocci. Ele é uma pessoa atenciosa, que procura discutir as questões com serenidade. Mas não existe essa coisa de blindagem. O presidente da República já disse que ninguém está acima das investigações. Eu concordo plenamente com isso, o que não significa que o ministro Palocci ou o presidente devam ser atacados. Mas em relação à política econômica, nós temos reservas sim. Ela precisa mudar.

DINHEIRO ? Por trás dessa idéia de blindagem, há a idéia de que algumas pessoas são insubstituíveis.
SKAF ?
Isso não existe.

DINHEIRO ? O sr. está chocado com as revelações da crise?
SKAF ?
Mais do que chocado, fico chateado. No Brasil, as pessoas falam em administração de crises há 25 anos. Eu hoje tenho 50 anos. Portanto, a última vez que eu vivi um astral de grande crescimento foi 25 anos atrás. Quem é mais jovem nunca viveu isso. E as gerações vão se perdendo. O que a gente vê? Um governo que gasta demais, uma política econômica que ainda não é voltada para o crescimento e mais uma crise política.

DINHEIRO ? O sr. desanimou?
SKAF ?
Não. Eu nunca desanimo. Temos que lidar com a realidade. Mas isso é como um enjôo. Quando você fica enjoado, tem que colocar tudo para fora. Nada pode ser abafado.

DINHEIRO ? Por que a política externa do chanceler Celso Amorim tem sido tão bombardeada pelos empresários?
SKAF ?
É gozado, porque quando você fala com os setores específicos e aborda questões do ponto de vista prático, a queixa não é generalizada. Muitos setores elogiam o Itamaraty. Eu não daria uma nota ruim ao desempenho do chanceler Celso Amorim. É lógico que a gente gostaria de ver mais agilidade nas negociações comerciais, mas sabemos que essa não é uma missão muito fácil.

DINHEIRO ? Quais os entraves?
SKAF ?
Há muitos interesses contraditórios. Para o setor automobilístico, a Índia é uma grande oportunidade. Para o setor de tecidos, não é bem assim. Esse é um exemplo entre muitos.

DINHEIRO ? Mas qual a principal falha do Itamaraty?
SKAF ?
Nós precisamos de mais negociações bilaterais. Com os grandes blocos, estamos sentindo muitas dificuldades para que as coisas avancem. Até porque as negociações envolvem, nestes casos, o Mercosul, e sempre há divergências com a Argentina. É por isso que defendemos mais negociações bilaterais, país a país. Isso apara as dificuldades. Daí a dizer que a política do Itamaraty é um fracasso, vai uma distância muito grande. Muitas coisas não dependem do Itamaraty.

DINHEIRO ? O quê, por exemplo?
SKAF ?
As salvaguardas comerciais em relação a China. Isso já foi aprovado pela Camex, mas a regulamentação não saiu até agora. E por quê? Porque o advogado da Casa Civil tem um ponto de vista e o advogado do Itamaraty tem outro. Enquanto isso a indústria fica exposta a uma competição desleal.

DINHEIRO ? Seu antecessor na Fiesp, Horácio Lafer Piva, recentemente votou contra a ampliação do Conselho Monetário Nacional. Como o sr. avalia a posição dele?
SKAF ?

A gente vive numa democracia. Ninguém é obrigado a pensar como o outro. Nós pensamos em ampliar o CMN, porque é esse o órgão que define a meta de inflação e hoje está na mão do ministro da Fazenda. Se o Horácio votou contra, é um direito dele.