21/07/2001 - 7:00
Armínio Fraga bem que tentou fazer a sua parte. Depois de passar uma semana negociando com banqueiros internacionais e com o Fundo Monetário Internacional, o presidente do Banco Central costurou um acordo que deve trazer US$ 20 bilhões ao Brasil a partir de setembro. Depois do seu último encontro em Washington, com Horst Kohler, o chefão do Fundo, Armínio foi categórico: ?Não se trata de um possibilidade, mas de uma certeza?. Com tantos dólares, o presidente do BC quer entregar aos investidores a mercadoria que há tempos vem sendo pedida: uma blindagem financeira para evitar o contágio da crise argentina. Para completar, na quarta-feira, 25, o governo anunciou um minipacote fiscal, com cortes de R$ 1 bilhão no orçamento deste ano, depois de uma longa reunião na véspera entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e os ministros Pedro Malan e Martus Tavares, da Fazenda e do Planejamento. Feito isso, era de se esperar que o mercado soltasse ao menos alguns rojões.
Não foi bem o que aconteceu. O dólar voltou a passar de R$ 2,50, a tendência de alta dos juros está mantida e há uma percepção crescente de que, mesmo blindado, o País tem uma munição muito pequena diante do tamanho dos seus problemas econômicos, cuja raiz é a dependência externa. O mais recente sinal de alerta foi divulgado na quinta-feira, 26, pelo Banco Central. O rombo em conta corrente, que mede as transações internacionais, ficou perto de 5% do PIB no primeiro semestre do ano. Além disso, o corte de R$ 1 bilhão, anunciado pelo secretário-adjunto Eduardo Guardia, pareceu muito pequeno para deter o crescimento da dívida interna. ?Entre os países emergentes, o déficit externo brasileiro é o maior de todos?, diz Carlos Eduardo da Rocha, economista do Credit Lyonnais. ?É isso que assusta tanta gente e não vejo solução no curto prazo?, diz Celso Martone, da USP. Os países asiáticos, que também passaram por grandes desvalorizações, hoje são superavitários, com folga.
Um buraco tão fundo não seria tão problemático se houvesse financiamento externo abundante para bancar a diferença entre o que o Brasil compra no Exterior e o que vende lá fora. Só que esse dinheiro sumiu e é por isso que economistas de todos os matizes ideológicos consideram necessária mais uma ida ao FMI ? ainda que, para alguns, ir ao Fundo de pires na mão seja mais humilhante do que para outros.
A cada ano, o Brasil precisa de cerca de US$ 55 bilhões para financiar não só o déficit em conta corrente, mas também os pagamentos da dívida externa. Os investimentos internacionais,
que cobriam parte dessa conta, serão pelo menos US$ 10 bilhões menores em 2001 e 2002. As captações financeiras também minguaram. ?O mercado está praticamente fechado para o Brasil?, diz Klaus Herritt, diretor de dívida estratégica para a América Latina do banco Dresdner Kleinwort Wasserstein. Isso significa que as empresas brasileiras que tomavam recursos no Exterior estão sendo obrigadas a liquidar suas dívidas ou a aceitar taxas de juros muito maiores. A Celesc, empresa de eletricidade de Santa Catarina, é um exemplo. Em junho, venceram US$ 61,2 milhões emitidos pela companhia, e até hoje a empresa não conseguiu renovar a dívida. Neste mês, dos US$ 865 milhões que venceram, não foi possível rolar nem 40% das dívidas. ?Em muitos casos, os empresários estão preferindo tomar dinheiro emprestado no Brasil, com taxas altíssimas, para honrar os compromissos lá fora?, diz Luiz Eduardo Pinho,
gestor da Sul América.
A grande questão que os analistas se colocam é quanto tempo irá durar esse cenário de escassez brutal de dólares. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, os mercados emergentes já estão perto de um credit crunch. Essa expressão serve para designar a situação em que as torneiras de crédito se fecham completamente, o que torna ainda mais delicada a situação dos devedores e reforça o pessimismo no mercado, num círculo vicioso. Nesse clima de pânico, as agências de classificação de risco também fizeram a sua parte. Na terça-feira, 24, a Economist Intelligence Unit colocou Brasil, Argentina e Turquia entre os países que mais riscos apresentam de moratória, o que levou o Banco Central a tentar rebater essa análise em um documento divulgado dois dias depois. Também na quinta-feira, a Moody?s rebaixou a classificação de risco dos papéis argentinos, colocando todos num nível muito próximo ao do calote. Para jogar ainda mais lenha na fogueira, o Bank of America publicou um relatório com previsões sobre os impactos de uma possível desvalorização do peso. Os técnicos do banco estimam que, se isso ocorrer, a moeda argentina, que hoje vale um dólar, viraria pó, caindo a pouco mais de US$ 0,20. ?Com todos esses riscos, esses US$ 20 bilhões do FMI podem ser pouco?, diz Carlos Rocha, do Credit Lyonnais.
A hipótese de desvalorização na Argentina é algo que parece cada vez menos distante. Mesmo porque o próprio secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Paul O?Neill, com sua truculência habitual, disse com todas as letras que o regime cambial argentino é insustentável. O?Neill também foi claro ao dizer que, no que depender dele, não haverá nenhum socorro internacional para a Argentina, embora tenha deixado a porta entreaberta para uma ajuda ao Brasil. Mas é a última chance. O acordo negociado por Fraga em Washington só dá ao País mais algum tempo para respirar. ?A administração Bush já mostrou que será muito menos tolerante com novos problemas em países emergentes?, diz Luciano Coutinho, economista da Unicamp.
Ou seja: seria no mínimo irresponsável adiar mais uma vez uma mudança de rota na política econômica para estimular as exportações e reduzir a dependência do País. Coutinho avalia
que, até 2010, as exportações terão de crescer no mínimo 10%
ao ano. Em sete anos de governo, o País enfrentou cinco crises financeiras ? México, Ásia, Rússia, Brasil e Argentina ? e em todas
foi pego de calças curtas. ?Já dava tempo para ter aprendido
alguma coisa?, diz Coutinho.
?O GOVERNO ACHAVA QUE RESOLVERIA O PROBLEMA DAS EXPORTAÇÕES SÓ COM O CÂMBIO FLUTUANTE?
O economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário da Câmara de Comércio Exterior, acredita que as agruras da economia brasileira são fruto da negligência com a o setor externo. Em entrevista a DINHEIRO, ele diz que exportar é a única saída.
DINHEIRO ? O câmbio flutuante não melhorou as contas externas do País. Por quê?
BARROS ? As exportações até que cresceram, mas a substituição de importações foi muito mais lenta. Imaginava-se que, com o dólar indo de R$ 1,20 para R$ 1,80, haveria mais nacionalização de componentes do que efetivamente aconteceu. O Brasil começou a perceber agora que o câmbio sozinho não resolve o problema.
DINHEIRO ? O que deve ser feito?
BARROS ? A lição que os asiáticos deixaram é clara: por mais que se importe, é preciso orientar a economia para o Exterior. O Brasil também precisa reduzir a sua dependência tecnológica. Um caso célebre é o dos celulares. Quando mudou o sistema de analógico para digital, houve uma enxurrada de importação de novos componentes.
DINHEIRO ? Como o sr., que esteve na Camex, avalia as ações do governo?
BARROS ? Não é só o governo. Eu acho que empresários e sindicatos também não se deram conta de que exportar é decisivo. Não entendo como uma empresa possa contrair dívidas no Exterior, sem ter em seu plano estratégico uma fonte de geração de dólares.
DINHEIRO ? Como será resolvido o problema?
BARROS ? O País vai fechar suas contas novamente com desaceleração da atividade econômica. Algumas pessoas acreditam que o câmbio flutuante faz o ajuste natural. Ou que o investimento direto estrangeiro é suficiente. É preciso entender que esse dinheiro é financiamento, e não caixa próprio. Sem guerra comercial, não se vende mais.