Por ignorância ou por conveniência, parte dos chamados brasileiros de bem e defensores da verdade alternativa dolosamente confundem a liberdade de expressão e a democracia com a anarquia verborrágica e o vale-tudo das redes sociais. Todos são livres para tomar atitudes e exercitar pensamentos, mas há limites muito claros do que pode e o que não se pode fazer em público. Por baixo da roupa, todos são pelados. Nem por isso é permitido sair às ruas como Adão e Eva no jardim do Éden. Todos podem escolher por usar capacete ao andar de moto ou prender o cinto de segurança ao dirigir, mas a ausência de um ou de outro pode gerar multas e pontos na carteira de quem decidir por não utilizar. A liberdade existe tanto quanto a punição por infringir as leis.

A internet e a liberdade de expressão, em nenhuma medida, diferem dos exemplos acima. Ter opinião não é carta branca para cometer crimes. Calúnia e difamação não estão no mesmo time do embate de ideias e ideologias. Podemos ter opiniões sobre o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos, seus ministros e sobre os que os defendem cegamente, mas expressar publicamente o que se pensa de cada um renderia processos indefensáveis e financeiramente impagáveis. As críticas e contraposições devem respeitar os limites éticos e legais – embora essas fronteiras sejam, constantemente, ultrapassadas por todos os lados.

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Na sexta-feira (18), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez a coisa certa ao determinar o bloqueio do aplicativo de mensagens Telegram em todo o País. A rede social não teria cumprido ordens judiciais, como a derrubada de perfis do blogueiro Allan do Santos, do site Terça Livre e de páginas de apoio ao presidente Bolsonaro utilizadas como fábricas de desinformação. “A plataforma Telegram, em todas essas oportunidades, deixou de atender ao comando judicial, em total desprezo à Justiça brasileira”, alegou Moraes.

A decisão contra o Telegram não é censura. É a demarcação de limites. O mundo digital e a internet, embora sejam abstratas aos olhos da grande maioria, não são terras sem lei. O bloqueio judicial pode ser que não inviabilize por completo que os usuários mais assíduos busquem instrumentos alternativos para continuar utilizando o app. Mas o fato é que as dificuldades serão maiores e a tentativa de driblar a lei poderá desencorajar a farra de alguns usuários no cometimento de crimes e propagação de informações falsas.

Não vai demorar muito para que o Telegram contorne o conflito e se ajuste aos moldes da lei. O episódio, no entanto, contribui para aprofundar o debate sobre os limites da liberdade de expressão e as fronteiras entre opinião e crime.