As líderes do setor aeronáutico Boeing e Airbus estão sobrecarregadas pela demanda, mas a chinesa Comac ou a brasileira Embraer não estão em condições de desafiar a curto prazo esse duopólio, em um mercado com “barreiras de entrada” muito altas, asseguram os especialistas do setor.

A americana Boeing e a europeia Airbus acumulam uma carteira de pedidos de 15.000 aviões e, atualmente, quem quiser comprar uma aeronave dessas empresas, a receberá apenas no final da década, já que as turbulências da cadeia de suprimentos e os problemas de produção as impedem de aumentar a produtividade.

O problema se dá porque nos próximos 20 anos, as companhias aéreas necessitarão de mais de 42.000 aeronaves para substituir suas frotas por aviões que emitam menos CO2 e responder ao aumento do tráfego aéreo mundial.

Richard Evans, analista da empresa especializada Cirium, explica que até 2028 haverá um “importante déficit” de produção do A320. Será ainda “maior” para os 737 MAX, acrescenta.

Mas ainda assim não há previsão de entrada de um terceiro grande ator no setor.

O C919 da Comac iniciou seus voos comerciais na China no ano passado e diz ter mais de 1.200 encomendas, quase exclusivamente na China, segundo a companhia estatal.

Criada por Pequim para tentar abocanhar uma parte do mercado aeronáutico mundial e reduzir sua dependência da tecnologia estrangeira, até o momento poucos C919 são fabricados.

Além disso, como só possui certificação na China, os C919 não podem voar com passageiros nos Estados Unidos ou na Europa.

Para Pascal Fabre, especialista da empresa AlixPartners, há muitas “barreiras”, sobretudo políticas, para que esse avião consiga seu espaço nas grandes companhias aéreas ocidentais.

Evitar se colocar em risco

Airbus e Boeing não desprezam a capacidade da Comac. “Consideramos a Comac um grande rival”, admitiu Christian Scherer, diretor da divisão de aviões da Airbus.

Mas, até o momento, segundo ele, a “Comac não trouxe nada de novo ao mercado em termos de diferenciação em relação aos produtos de referência”, que são o A320 e o MAX. Para ele, “o C919 é uma espécie de A320 neo”, o modelo mais vendido do fabricante europeu.

Isso, segundo Scherer, “demonstra que a Comac tenta se adaptar a um mercado que ainda está muito influenciado pela Airbus e Boeing”.

Para Pascal Fabre, no entanto, a brasileira Embraer tem “claramente” as capacidades técnicas para desenvolver um avião de média distância capaz de competir com as duas gigantes. Mas não a carteira de investimentos. “A empresa está avaliada em cerca de US$ 5 bilhões. O desenvolvimento de uma nova aeronave comercial, mesmo para a Embraer, é pelo menos esse valor, por isso precisaria de parcerias”, explica.

A Embraer, que fabrica a família E2 (os jatos bimotores modelos 175, 190 e 195, de alcance médio e com capacidades entre 80 e 144 passageiros), iniciou há alguns anos negociações com a Boeing para lhe vender sua divisão de aviões comerciais.

Mas em abril de 2020, quando o mundo estava confinado por causa da pandemia de covid-19, a gigante de Seattle desistiu do negócio.

Desde então, a Embraer preferiu se concentrar em desenvolver seus aviões atuais, como confirmou seu diretor, Francisco Gomes Neto, à Aviation Week. “Não queremos colocar a empresa em risco”, assegurou.