O designer Carlos César Elias Filho tem uma certeza e um problema. A certeza é de que os consumidores estão dispostos a pagar bem por objetos de design, de copos a blocos de anotações. 

O problema é que Elias Filho mora em Goiânia e está distante dos mercados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A solução encontrada foi abrir uma loja virtual colaborativa. 

 

Nela, os designers podem personalizar produtos para vender. Para colocar em funcionamento a loja, batizada de Rabiscaria, Elias Filho precisa de R$ 22,5 mil. É um bom dinheiro para ele, mas é pouco para um banco e uma cifra tão pequena  que um investidor profissional nem sequer pensa em analisar. 

 

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Sem gastos: Luiz Otávio Ribeiro, do Catarse: investimento de R$ 1 mil com

despesas legais e cinco projetos cadastrados em apenas um mês

Fé no taco: Diego Borin, 22 anos, trancou o curso de administração de empresas

na FGV: meta é ganhar dinheiro e  melhorar o mundo 

 

A saída é conseguir esse dinheiro por meio de uma grande quantidade de pequenas contribuições, obtidas com seus contatos nas redes sociais, como Facebook e Twitter. O designer já captou cerca de R$ 1,5 mil. 

 

“É pouco, mas  estou animado”, diz Elias Filho, que está se valendo de uma nova forma de financiamento coletivo, chamado crowd funding.  Tendo como espaço privilegiado a  internet, o crowd funding  é um instrumento pelo qual  empreendedores cujas ideias são inovadoras demais para ser atendidas pelos mecanismos tradicionais de financiamento encontram investidores dispostos a arriscar pequenas quantias. 

 

Não confunda esse financiamento coletivo com caridade, embora haja sites que também busquem doações. O objetivo dos participantes e dos empreendedores que criam os sites é ganhar. Pode ser dinheiro, com o retorno do capital investido, pode ser um produto ou um  serviço exclusivo. 

 

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Pioneirismo gaúcho: Fabricio Milesi (à esq.) e Luiz Felipe Gheller do Vakinha: financiando até cirurgias para colocação de silicone

 

No caso do Rabiscaria, quem doar a cota de patrocínio mais generosa, de R$ 4 mil, ganha um “kit patrocinador”. Com esse kit o doador recebe em sua casa o artista plástico Mateus Dutra, colaborador do projeto, para ilustrar uma parede com uma pintura de até três metros quadrados. 

 

Se Elias Filho não obtiver todo o valor necessário para o projeto deslanchar, o dinheiro volta para as mãos dos doadores. “Já estamos no lucro, graças à divulgação do projeto junto a futuros clientes e investidores”, diz Elias Filho.

 

Novidade no Brasil, esse movimento vem sendo bem-sucedido nos Estados Unidos e na Europa, onde é comum que empreendedores e criadores se financiem por meio das finanças colaborativas. 

 

Um dos seus primeiros e mais emblemáticos  representantes é o site americano Kickstarter. Nele, criadores de projetos como os ligados à gravação de CDs e à produção de filmes e espetáculos de dança buscam patrocinadores. 

 

Os candidatos ao patrocínio do Kickstarter publicam um vídeo explicando seu projeto e prometem recompensas para quem colaborar. Os brindes variam de acordo com a doação. Se o valor solicitado for obtido, o site fica com 5% do total.  

 

Uma dessas iniciativas trará esse mecenato digital para o Brasil. O Favela Firsthand: Stories from the Slums of Rio é um projeto no qual dois documentaristas americanos vão registrar o dia a dia das comunidades carentes cariocas. 

 

A dupla Jimmy Chalk e Ryan Patch pediu US$ 1,8 mil para executar o vídeo e obteve US$ 2,3 mil um mês antes do prazo final. “Em vez de um grande patrocinador, temos mais de 40 pessoas que realmente acreditam no projeto,  financiando-o”, diz Patch. “O crowd funding é uma forma de acesso, que substitui bancos e investidores-anjo”, diz Chalk.

 

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Quadros-negros e navios: Eduardo Sangion (à esq.) e Eveline Telles, de Campinas: o casal investiu

R$ 30 mil no Senso Incomum, que capta recursos para projetos com ação social

 

Na Europa, um dos principais sites dedicados a essas finanças colaborativas é o francês Ulule. A plataforma lançada em outubro de 2010 optou por usar o sistema de pagamentos Pay Pal para receber as doações, o que facilitou sua internacionalização. 

“O site já recebeu mais de 60 projetos e estamos levando a plataforma para mais países”, diz Alexandre Boucherot, fundador do Ulule. Em abril, Boucherot e seu sócio Thomas Grange querem lançar uma versão em português para atuar no Brasil. 

 

A dupla encontrará aqui um mercado com grande potencial. O primeiro site do gênero, no País, foi o gaúcho Vakinha, lançado em 2009 pelos sócios Fabricio Milesi, Diego Izquierdo e Luiz Felipe Gheller. 

 

O site não financia apenas projetos, mas também o consumo. É uma versão digital da tradicional vaquinha realizada entre amigos, na qual o nome do site foi inspirado. “Até cirurgia para colocar silicone já foi financiada”, diz Gheller. 

 

Os gaúchos ganham dinheiro cobrando uma comissão sobre as doações. O site já movimentou R$ 2 milhões, financiando seis mil pedidos, e a expectativa é de que as contas cheguem ao azul no primeiro semestre deste ano.

 

Outro site de crowd funding recém-lançado é o Senso Incomum, com base em Campinas, no interior de São Paulo. O pré-requisito para participar é que quem busca dinheiro tenha uma ação social planejada. 

 

“Podemos financiar desde a compra de um quadro-negro por uma escola carente até ajudar o Greenpeace a comprar um novo navio”, diz Eduardo Sangion, fundador do site, em parceria com a esposa, Eveline Telles. 

 

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O casal investiu  R$ 30 mil e ganha dinheiro cobrando uma comissão, que está incluída já no pedido de doações. O site foi lançado em janeiro com três projetos e já tem outros dez na fila. A expectativa dos empreendedores é obter retorno do investimento em até 18 meses.

 

O site Catarse segue o modelo do Kickstarter e do Ulule. Fundado em janeiro pelos amigos Diego Borin, 22 anos, e Luís Otávio Ribeiro, 20 anos, de São Paulo, o site já começa a mostrar resultados. 

 

O Catarse já cadastrou cinco projetos e cada um que atingir a meta de financiamento paga uma comissão de 5% para os empreendedores. O site é uma inicitativa barata. “Investimos cerca de R$ 1 mil e gastamos apenas com despesas legais para o registro da empresa”, diz Borin. 

 

Entusiasta do modelo de negócios do Catarse e com fé no próprio taco, Borin trancou a matrícula no último ano da escola de administração de empresas da FGV/SP,  por tempo indeterminado, inspirado, entre outros, em Mark Zuckerberg, fundador do Facebook.

 

“Essa é uma aposta no futuro, uma maneira de ganhar dinheiro e ainda melhorar o mundo, financiando iniciativas que não encontrariam investidores nos moldes tradicionais”, afirma Borin.