Os ataques de bolsonaristas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira, 14, em Nova York podem gerar responsabilização criminal.

Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que os manifestantes podem ser enquadrados pelos crimes de ameaça, perseguição, difamação, calúnia e injúria.

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Os ministros viajaram aos Estados Unidos para participar do Brazil Conference, evento organizado pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), que debate a democracia e a economia brasileiras.

Um grupo de manifestantes com bandeiras do Brasil e cartazes com mensagens antidemocráticas hostilizou Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski na porta do hotel onde eles estão hospedados. Os ministros foram chamados de “ladrão, bandido, vagabundo” (assista abaixo).

O ministro Luís Roberto Barroso também foi atacado. Ele foi seguido por uma brasileira na Times Square.”Nós vamos ganhar esta luta. Cuidado! Você não vai ganhar o nosso País. Foge!”, grita a mulher enquanto filma Barroso, que retruca: “Minha senhora, não seja grosseira. Passe bem.”

Responsabilização

Advogados consultados pelo blog explicam que os crimes cometidos por brasileiros fora do território nacional seguem a regra da chamada “extraterritoriedade da lei penal”. Esse princípio autoriza a abertura de investigações e processos no Brasil, mas apenas para crimes passíveis de extradição.

“O que não é o caso para delitos de pena inferior a um ano, como o caso da injúria, por exemplo. No entanto, entendendo pela tipificação de crime mais grave, é possível uma responsabilização desses brasileiros. Ademais, podem também os ministros acionarem as autoridades locais para coibir essa conduta agressiva contra eles”, explica Raul Abramo Ariano, advogado no escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

O advogado Giuseppe Cammilleri Falco, do escritório Alamiro Velludo Salvador Netto, reforça que os episódios que se desenrolaram fora do Brasil não estão “isentos” de investigação e processamento pela Justiça brasileira. Ele avalia que os ministros, embora sejam agentes públicos, “detém sua esfera da vida privada” protegida pela legislação penal “como qualquer outro cidadão”.

“Do mesmo modo que é certo o direito a livre manifestação, não há dúvidas de que este direito não é absoluto. Portanto, tais manifestação não podem ultrapassar a esfera da atuação da Corte e tão pouco chegar a esfera da vida privada dos ministros do Supremo Tribunal Federal”, explica.

O criminalista Daniel Allan Burg, sócio do escritório Burg Advogados Associados, acrescenta que a representação criminal exigida no caso não exige “maiores formalidades”. Bastaria que os ministros do STF procurassem a polícia americana para ficar demonstrada a “intenção de ver o autor do fato delituoso processado criminalmente”.

“Os ministros poderão procurar a polícia e/ou autoridades americanas para relatar o ocorrido e provocar o início da investigação sobre os fatos. E, dependendo das condições supramencionadas, o arcabouço probatório será remetido ao Brasil, para que o autor responda por tais atos em solo brasileiro”, afirma.

Para Carla Rahal Benedetti, sócia de Viseu Advogados, a principal dificuldade no caso é a extradição.

“O crime praticado por brasileiro fora do território nacional, depende, a não ser que seja contra a vida ou liberdade do presidente da República, e contra a administração pública, ou por quem está a seu serviço, de algumas condições, que no caso, ao menos a princípio, não vislumbro, pois uma das condições é o fato de que a lei brasileira deve autorizar a extradição”, explica.

O advogado Denis Camargo Passerotti afirma que os ataques podem configurar crime contra o Estado Democrático de Direito.

Intolerância

O decano do STF, Gilmar Mendes, disse no evento que episódios de intolerância “inspiram a tomada de atitude” nas esferas competentes.

“Todo nosso desafio é de contínua reconstrução institucional. Os episódios de intolerância que ora assistimos inspiram a tomada de atitude e que deverá ser levada a efeito em cada esfera competente, mas também impelem a refletir de que modo as instituições poderão tratar expectativas sociais frustradas”, afirmou.

O ministro defendeu reações institucionais ao que chamou de “discursos lunáticos e histéricos que pedem intervenção militar”. “Recuam-se a aceitar o resultado das eleições. Esse quadro de fato merece atenção, porque denota estado de dissonância cognitiva coletiva”, disse.

Barroso citou as manifestações antidemocráticas organizadas após a eleição e chamou de “selvageria” o levante contra o resultado do processo eleitoral.

“Supremo é o povo, mas o povo já se pronunciou. A eleição acabou e agora só cabe respeitar o resultado. A vida na democracia é simples assim. O resto é intolerância, espírito antidemocrático, quando não selvageria”, afirmou.

O ministro também disse que, antes de Jair Bolsonaro (PL), nenhum presidente desde a redemocratização atacou o Supremo Tribunal Federal e seus membros.

“A única diferença é que nenhum deles atacou o tribunal ou seus ministros. Essa é a convivência democrática. Nós não temos lado político. Nosso lado é a democracia e a Constituição”, afirmou. “As pessoas chamam de ativismo judicial aquilo que não gostam.”

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes disse que a “bandeira” dos ministros é a Constituição e que o Poder Judiciário tem sido uma “barreira intransponível para qualquer arbítrio”.

“A democracia foi atacada, a democracia foi desrespeitada, a democracia foi aviltada, mas a democracia sobreviveu. A democracia resistiu porque o País tem instituições fortes”, defendeu.