Parte do governo Lula já dá como certa a entrada em vigor da taxação de 50% das exportações brasileiras para os Estados Unidos, prevista para valer a partir de 1º de agosto. Apesar de reconhecer que prever qualquer movimento da maior potência do mundo se tornou algo impossível desde que Donald Trump deflagrou sua política protecionista, avalia-se que dez dias parece ser pouco tempo para a diplomacia avançar com o quadro atual.
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No momento, diante da falta de resposta aos questionamentos oficiais já feitos à área técnica da gestão de Trump, o maior desafio é mapear estrategicamente os pontos de atrito do Brasil com os Estados Unidos, os interesses econômicos que podem facilitar o diálogo e, o mais importante, o que mais pesa no bolso dos americanos e no tabuleiro político Trump.
A ordem é se preparar para todos os cenários e, sobretudo, ter resposta embasada em dados reais para qualquer confronto da equipe técnica. O próprio ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse na segunda-feira, 21, em entrevista à rádio CBN, que sua pasta está se “preparando e desenhando todos os cenários possíveis” para conversar com o presidente Lula sobre o plano de resposta do Brasil à ofensiva americana.
Da relação com Rússia à atuação da família Bolsonaro, , passando pela obsessão americana de tentar frear o crescimento chinês, o Brasil cruza o caminho dos Estados Unidos em várias frentes consideradas estratégicas e, por isso mesmo, ficou vulnerável “em meio à zona de guerra”, na avaliação de integrantes do governo.
Entenda algumas delas:
China
A China ofusca a hegemonia dos EUA. O ponto central na estratégia americana para garantir a sua soberania econômica mundial é frear o crescimento acelerado chinês e evitar que, como potência global: i) a China enfraqueça o dólar como moeda referência de valor para o mundo; e ii) os EUA percam poder e a posição que lhes garante impor ao mundo as escolhas americanas.
Nos últimos 50 anos, a China deixou de ser uma economia agrária, se industrializou e passou a ser uma das potências mais influentes do mundo. Em 30 anos, a participação do país na economia mundial foi de 4%, em 1995, para 17%, em 2024.
Levantamento recente do Pew Research Center, instituto com sede em Washington, aponta que 41% dos entrevistados em 25 países veem a China como a maior potência atual, contra 39% que dizem ser os EUA. Em 2023, esse percentual era de 33% para China e 41% para os EUA.
A China é a maior parceira comercial do Brasil e peça estratégica para o fortalecimento do bloco econômico de países emergentes, o Brics, e pode, entre outras coisas, plantar as sementes para a possibilidade de realizar compras e vendas entre as economias em outra moeda que não seja o dólar.
Rússia
Parte da estratégia geopolítica trumpista na batalha pela hegemonia global passa por retirar a Rússia da influência dos chineses. A relação EUA-Rússia é marcada por tensões e conflitos e a guerra com a Ucrânia já provocou um vaivém do presidente Donald Trump oscilando entre afagos e pressões.
Em seis meses de mandato, ele já trocou elogios com o Vladimir Putin, humilhou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em audiência na Casa Branca, depois ensaiou uma aproximação com Putin, mas, mais recentemente, se disse irritado com ele. Agora, o americano pressiona Moscou pelo fim da guerra na Ucrânia e ameaça taxar quem comprar produtos da Rússia.
Enquanto o movimento dos países desenvolvidos busca isolar a economia russa, suspendendo compras de produtos para pressionar pelo fim da guerra na Ucrânia, o Brasil deu suporte ao governo Putin junto com os demais países do Brics comprando produtos e ajudando a sustentar a economia e os investimentos militares de Moscou.
Brics
O presidente americano declarou no início deste mês que vai impor uma tarifa adicional de 10% para as economias que se alinharem às políticas dos Brics. O fortalecimento do bloco econômico, composto por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Etiópia, Irã e Indonésia, joga contra a tentativa americana de conter a influência chinesa.
Além disso, os países reforçam o conceito de multilateralismo e pedem a reformulação do atual sistema de governança global, o que, na prática, significa mais espaço para as economias emergentes. Nada disso conversa com os planos de Trump.
O Brics também tem sido um ponto de apoio à Rússia num momento em que o mundo tenta isolar o governo de Vladimir Putin e pressionar pelo fim da guerra na Ucrânia. O Brasil é protagonista do bloco.
Big techs e inteligência artificial
Apesar de ninguém saber ao certo o mundo que será construído a partir do desenvolvimento tecnológico, analistas, acadêmicos e especialistas acreditam que o avanço da inteligência artificial estará no centro do ganho de produtividade no mundial. Maior capacidade produtiva com menor esforço é um ativo econômico que acelera inovações e mudanças e gera mais crescimento.
Alguns economistas estimam que a inteligência artificial pode fazer com que o crescimento econômico dos Estados Unidos dobre dos atuais 2% ao ano para 4% ao ano, reforçando o protagonismo e a liderança econômica do país. E as big techs, empresas como Google e Facebook (Meta) são importantes para o governo Trump nesse processo.
Por isso, a regulamentação e a taxação dessas empresas, como promete o governo brasileiro, não interessam aos planos de Trump. As companhias de tecnologia são o canal de transformação da gestão trumpista e o Brasil está no polo oposto.
Etanol
Apesar de serem um dos maiores produtores de biocombustíveis, os Estados Unidos compram etanol do Brasil. O produto brasileiro ajuda o país a cumprir metas de redução de gases de efeito estufa de programas federais.
Com a taxação de 50%, o comércio do produto fica inviabilizado. Trump tem interesse em abrir o mercado brasileiro para o etanol americano e beneficiar colégios eleitorais onde ele venceu Kamala Harris na disputa pela Casa Branca, em 2024, como Iowa, Nebraska e Indiana.
Família Bolsonaro
Diante da crescente influência da China, em especial na América Latina, os Estados Unidos querem reforçar alianças com governos que compartilham da mesma visão geopolítica. Com isso, é de interesse da gestão de Donald Trump fortalecer lideranças consideradas de direita no mundo
O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, com discurso contra a esquerda e contra o que os seus apoiadores chamam de “socialismo” atraíram atenção da gestão Trump e estão, também, no centro da crise atual entre Brasil e Estados Unidos.
A estratégia da família ameaça a economia brasileira e promete fazer estragos em setores importantes como o de aeronaves, aço e alumínio, frutas e pescado. No entanto, a crise tem ajudado a fortalecer politicamente o presidente Lula e a enfraquecer a direita no Brasil.