Que meus amigos, parentes e leitores bolsonaristas me perdoem. Talvez seja a última vez que toco neste assunto. Mas o momento exige. O já ex-presidente Jair Bolsonaro – “já” porque o tal Messias puxou o carro antes do apito final – é um cidadão difícil de se defender. Muito difícil. Seu final de governo se mostrou tão minúsculo, infantil e mal improvisado quanto os seus últimos quatro anos à frente do Poder Executivo. A decisão de não passar a faixa para o eleito Luiz Inácio Lula da Silva e de fugir para um resort na Flórida, enquanto seus seguidores intelectualmente mais desprovidos rezam de joelhos em frente aos quartéis, corrobora o despreparo técnico e moral de Bolsonaro para a função para qual foi eleito em 2018.

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Trata-se de um comportamento tão indefensável e injustificável quanto incentivar o desmatamento, negar a existência de uma pandemia, desencorajar o uso de vacinas enquanto mais de 3 mil pessoas morriam por dia, fazer piadas e gargalhar de pessoas agonizando de Covid ou sufocadas com a falta de oxigênio em hospitais, manipular o Evangelho para fins políticos, se aproveitar da ingenuidade de cristão para promover uma guerra santa evangélica… Ao fazer uma retrospectiva do que foi o bolsonarismo para o País, é difícil de acreditar que em tempos de alto grau de maturidade da democracia ainda exista um líder político, que recebeu quase metade dos votos no País, com um comportamento juvenil como a que Bolsonaro repetidamente demonstrou.

Por isso, a fuga era uma bola cantada. Podem acusar Bolsonaro do que for, menos de incoerência. Nosso presidente (nosso porque foi o presidente da República eleito pela maioria) se comportou como chefe da nação da mesma forma que agiu durante seus quase 30 anos de parlamentar do baixo clero. Era baixo no vocabulário, baixo na articulação dos pensamentos, baixo nos princípios e na ética.

Enfunado pelo poder de uma caneta Bic, Bolsonaro se contaminou pelo próprio veneno. Ignorou a engrenagem básica do sistema democrático e colecionou inimigos por onde passou. Gostava da inimizade. Numa ilusória guerra do bem contra o mal, elegeu como um rival a ser extirpado o Judiciário, a imprensa, os ambientalistas e os cientistas. Fez o que era normal na Idade Média, mas que precisou ser atenuado para o bem da civilidade.

Bolsonaro mentiu. Bolsonaro prevaricou. Bolsonaro descumpriu quase todas as suas promessas. Bolsonaro deturpou a verdade e os fatos de forma inacreditável. Bolsonaro questionou os fatos e subjugou a ciência. Fez o que os pais ensinam as crianças a não fazer. Bolsonaro foi, disparado, o mais incompetente presidente da República. Não é de se estranhar, portanto, que correr para a Flórida em plena transição de governo é algo fora de sua regra moral. E, nisso, o problema não está só em Bolsonaro. Está em quem o defende.