31/03/2019 - 15:03
O governo Jair Bolsonaro (PSL) não pretende incluir em sua Política Nacional sobre Drogas a criação de um critério objetivo sobre a quantidade de entorpecente necessária para distinguir o usuário de um traficante. O projeto deve ser apresentado ainda neste mês de abril e está sendo discutido pelos ministro Osmar Terra (Cidadania), Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), Damares Alves (Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde).
Atualmente, a Lei de Drogas, em vigor desde 2006, não é objetiva para enquadrar pessoas detidas com droga como traficante, que pode ser punido com prisão, ou usuário, passível apenas de penas alternativas. Na prática, quem decide pelo enquadramento é primeiro o policial que faz a abordagem e, depois, o promotor ao acusar e o juiz que vai julgar o caso. Os críticos a essa subjetividade da lei atrelam a ausência de uma quantidade determinada aos altos índices de encarceramento no Brasil.
A posição do governo vai no sentido contrário da defendida pela Comissão de Juristas criada, em 2018, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM). No relatório final, o grupo defendeu penas mais duras para grandes traficantes ligados a organizações criminosas, mas sugeriu a descriminalização do uso pessoal de uma quantidade de até dez doses. A definição de unidade para cada droga, propôs a comissão, seria definida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). No caso da maconha, uma unidade seria o mesmo que um grama.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também debate o tema e agendou para o dia 5 de junho a retomada do julgamento que trata da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Até agora, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor da descriminalização. Barroso sugeriu um limite de até 25 gramas de maconha para uso. O próximo voto será do ministro Alexandre de Moraes, que encomendou um estudo à polícia de São Paulo para saber o perfil dos presos por porte de maconha.
Para saber qual seria a posição do governo sobre o tema, o Estado primeiro procurou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Sérgio Moro. Enquanto juiz em Curitiba, o titular da Lava Jato também atuou em grandes operações de combate ao narcotráfico e chegou a condenar grandes traficantes como Luis Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
Na pasta, que abriga a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o tema sobre a definição de um critério objetivo para distinguir usuário e traficante não é debatido. Embora o secretário Luiz Roberto Beggiora, da Senad, tenha dito ao Estado, em janeiro, que era necessário “ter algo objetivo para dar parâmetro até para a polícia trabalhar”, questionada a assessoria do ministério informou que o assunto é tratado na pasta da Cidadania.
Em entrevista ao Estado, Osmar Terra, titular da Cidadania, disse já ter discutido com o ministro Moro e com Beggiora o tema. “Minha posição, e já conversei isso com o ministro Moro e com o Beggiora, não tem a menor possibilidade de isso dar resultado, estabelecer quantidade para separar traficante e usuário. Até porque isso desmoraliza a polícia, um ministro da Justiça e o governo assinarem embaixo que policial não tem competência para definir o que é um traficante”, disse.
Segundo o ministro, a posição da comissão é “filosófica” enquanto a defendida por ele é científica. Para ele, a “epidemia” de consumo e tráfico de drogas é resultado da ausência, nos últimos 30 anos, de uma política rigorosa de combate às drogas. “Tem que diminuir oferta de droga na rua, não se diminui oferta colocando limite para quantidade, não prendendo traficante e liberando a droga”, disse.
“É aumentar o rigor, seguir o modelo dos países em que houve redução no consumo de drogas, redução da violência. Inclusive, futuramente redução de número de apenados. Diminuindo a quantidade de droga em circulação, vai diminuir número de prisões. Primeiro vai aumentar, depois vai diminuir”, explicou Terra.
Como exemplo, o ministro citou o Japão que, segundo ele, liberou o uso de droga durante a 2ª Guerra Mundial mas, ao fim do conflito, aumentou o rigor das penas com possibilidade de prisão até para usuários. Em 1954, seis após a lei entrar em vigor, contou Terra, o país asiático chegou a prender cerca de 60 mil por envolvimento com tráfico. Quatro anos depois, em 1958, completou o ministro, foram presas apenas 60 pessoas.
Descriminalização é caminho seguido no mundo todo, diz jurista
O advogado Pierpaolo Cruz Bottini integrou a comissão de juristas criada, em 2018, pelo presidente da Câmara dos Deputado, Rodrigo Maia (DEM), para modernizar a Lei de Drogas. No entendimento de Bottini, a defesa do governo pela não definição de um critério objetivo para diferenciar um traficante do usuário resulta no encarceramento em massa que abastece as facções criminosas que dominam o sistema prisional.
Sobre as afirmações do ministro Osmar Terra, que classificou como “filosóficas” e sem base científicas as propostas da comissão, Bottini afirma que o mundo todo começa a seguir o caminho da descriminalização uma vez que a guerra contra as drogas não obteve o resultado esperado.
“Você tem o mundo todo, progressivamente, adotando políticas de descriminalização do consumo e alguns países indo além e descriminalizando a própria venda. Não é uma questão filosófica, é de constatação. Você não teria um número cada vez maior de países adotando essa política se não fosse algo que deu resultado”, disse.
O governo é contra a proposta da comissão em estipular quantidade e mira um plano nacional baseado na repressão.
A posição da comissão, e posso falar pela comissão porque está claro no projeto de lei, é que a repressão ao consumo ela é um caminho político criminal ruim, equivocado. Não somos nós que estamos falando, é toda comunidade internacional que estuda seriamente o tema chegou à conclusão que essa repressão produz: 1) encarceramento em massa, o que significa aumento do crime organizado. 2) Tira daqueles consumidores problemáticos, que precisam de tratamento, o acesso à saúde. Porque na medida que o Estado o considera um criminoso, ele não vai ter acesso aos serviços básicos de saúde. Você afasta ele do caminho do tratamento. O direito penal não é o instrumento para resolver problema do consumo.
O ministro Osmar Terra diz que a comissão se baseia em parâmetros filosóficos e não científicos. Tem exemplo de onde essa político deu certo?
Os exemplos são inúmeros. Uruguai, Argentina, Chile, Alemanha, Portugal, são alguns exemplos. Você tem o mundo todo, progressivamente, adotando políticas de descriminalização do consumo e alguns países indo além e descriminalizando a própria venda. Não é uma questão filosófica, é de constatação. Você não teria um número cada vez maior de países adotando essa politica se não fosse algo que deu resultado. O que está mais que provado que nao deu resultado é a politica de guerra as drogas. Você tem o Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da Colômbia, do México, uma série de autoridades que atuaram nesse setor estão defendendo abertamente a descriminalização. Não estamos inovando em nada, até o Estados Unidos, vários estados aprovaram inclusive a comercialização.
Por que defendem a definição da quantidade para distinguir traficante de usuário?
Hoje em dia se tem uma zona cinzenta. Um sujeito que porta pouca quantidade, como não tem quantidade definida em lei, fica a critério principalmente do policial definir se é uso ou tráfico. Independentemente de qualquer coisa, você pode ter uma aplicação desigual da lei. Duas pessoas com a mesma quantidade, uma ser considerada tráfico e outro consumo, que ainda é crime, mas não tem prisão. Para evitar a falta de aplicação igual da lei, e em alguns casos até um arbitrariedade, é melhor que a lei defina essa quantidade, com critério objetivo a partir de estudos científicos. São 10 doses. O que é cada dose você vai ter uma regulamentação para isso.
Além da quantidade, a comissão também propõe diminuir pena para tráfico?
O que fizemos no projeto foi dividir. Nós escalonamos, vai desde o tráfico internacional de drogas, que propomos aumentar a pena, até a compra e venda de sementes – que continua sendo crime, mas diminuímos um pouco a pena. Para ter uma pena mais proporcional, nós fatiamos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.