10/12/2020 - 13:00
O plano do governo Jair Bolsonaro de transformar as represas de 73 hidrelétricas do País em grandes criadouros artificiais de peixe, a maioria deles para tilápia, um peixe exótico que tem suas origens na África e no Oriente Médio, fez acender um alerta entre ambientalistas e cientistas que estudam o tema.
O maior receio é de que o peixe, que hoje está presente em boa parte das bacias hidrográficas do País, acabe comprometendo outras espécies nativas que ainda resistem nos maiores rios do Brasil, apesar destes terem sido barrados pelas usinas.
Das 73 barragens selecionadas, 60 preveem a criação de tilápia. Outros 13 reservatórios – dos quais seis estão na Amazônia – seriam usados para criação de peixe nativo, ou seja, de uma espécie natural do rio.
O governo refuta cada um dos riscos colocados pelos especialistas e afirma que possui estudos técnicos suficientes para demonstrar que a tilápia não é uma ameaça, que não se adapta às profundidades comuns aos grandes reservatórios e que não é um predador de nenhuma espécie brasileira.
Na terça-feira, Bolsonaro e Jorge Seif Júnior, secretário nacional de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, foram às redes sociais para afirmar que o governo está próximo de viabilizar o cultivo da tilápia no Lago de Itaipu, hidrelétrica binacional que forma um reservatório de 1.350 quilômetros quadrados, na fronteira com o Paraguai.
“O Brasil possui 73 lagos de hidrelétricas sob administração federal que podem servir para o cultivo de até 3,9 milhões/ton/ano”, escreveu Bolsonaro. Seif Júnior complementou: “Hoje, todo o Brasil produz 320 mil toneladas/ano. O potencial, somente de Itaipu, é de 400 mil ton/ano”.
A ideia, basicamente, consiste em lançar gaiolas em trechos dos reservatórios, estruturas conhecidas como “tanque-rede”, que ficam amarradas em boias. Dentro desses caixotes submersos, o peixe é criado desde a sua fase inicial de alevino até o momento de abate.
Riscos
Pesquisador do tema há 45 anos, Miguel Petrelli Júnior, professor do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará afirma que, na realidade, há uma série de riscos atrelados à criação em rios, mesmo que represados. Apesar de a tilápia não ser predadora, tampouco carnívora, é um peixe onívoro que se alimenta do que encontra pela frente. Como é de fácil adaptação e de rápida reprodução, acaba dominando a maior parte dos ambientes. “Em uma situação de escape desse peixe, essa consequência é clara”, diz Petrelli Júnior.
O especialista chama a atenção ainda para o uso de rios que formam esses reservatórios. “Em geral, os produtores colocam essas gaiolas nos braços do reservatório, que são as partes mais sensíveis. Com os dejetos do peixe, aumenta o volume de material orgânico, ampliando a formação de algas, roubando o oxigênio dos demais. Há clara deterioração do espaço ocupado”, explica.
Não é por acaso que, entre ambientalistas, a tilápia é chamada de o “eucalipto das águas”, por se adaptar facilmente a qualquer local, mas consumir a maior parte de seus nutrientes. “A tilápia chegou ao Brasil na década de 1950, para aumentar a piscicultura na Região Nordeste, levar mais proteína. Foi quando ela começou a descer e se espalhou pelo Brasil inteiro. A verdade é que se perdeu o controle, não se consegue mais erradicar”, avalia Petrelli Júnior, que nesta semana foi eleito um dos 100 mil pesquisadores mais influentes do mundo.
O governo contesta cada uma dessas afirmações e defende a criação da tilápia nos reservatórios, proposta que já foi tentada por diversas administrações, inclusive nos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que pouco avançou.
Ao Estadão, o secretário da Pesca, Jorge Seif Júnior, disse que, no ano passado, o governo deu início a uma série de estudos científicos, envolvendo técnicos e academia, para analisar o projeto em Itaipu e seu impacto ambiental. “A tilápia já está na maioria das bacias hidrográficas brasileiras, mas ela não se estabelece. Ela já tem uma característica de ser presa, e não predadora. Os relatórios mostram que ela não é uma ameaça para as principais espécies nativas brasileiras. Esse é o principal ponto. Nosso maior desafio era saber se seria uma ameaça ou não”, disse o secretário.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.