O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou sem vetos a Medida Provisória (MP 899/19) do contribuinte legal, que por ter tido alteração no texto durante tramitação no Congresso, foi transformado em projeto de lei de conversão. A agora lei está publicada em edição extra do Diário Oficial da União que circula nesta terça-feira, 14.

A lei regulamenta a renegociação de dívidas de pessoas físicas e empresas com a União. A norma possibilita que o governo negocie os débitos abrindo margem para um “novo Refis”.

Durante tramitação no Congresso, uma emenda foi incluída no texto da MP mudando radicalmente a atuação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o que foi mantido pelo presidente Bolsonaro.

Segundo o texto da lei, em caso de empate nos julgamentos dos processos do Carf, a decisão será automaticamente favorável aos contribuintes.

Com isso, acaba o chamado “voto de qualidade”, que permite ao presidente de cada turma do Carf, sempre um representante da Fazenda Nacional, desempatar os julgamentos.

Na avaliação de técnicos da Receita feita à época da tramitação da medida no Congresso, o fim desse voto de qualidade pode atrapalhar até mesmo investigações da Lava Jato e comprometer a arrecadação de R$ 11 bilhões em processos da operação que poderão ser avaliados pelo conselho.

A decisão do presidente de sancionar a lei sem vetos contraria até mesmo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que chegou a avaliar que a medida tem o risco de interromper as representações fiscais que são abertas para investigação posterior de órgãos como Ministério Público e Polícia Federal. Com decisão favorável ao contribuinte, o processo é arquivado.

Levantamento da Receita Federal, citado por Moro em despacho no qual sugeriu a Bolsonaro o veto desse ponto da lei, aponta que, até janeiro, 14 processos da Lava Jato terminaram com decisão a favor da Fazenda por voto de qualidade, totalizando R$ 1,09 bilhão.

Na fila, estão outros processos com decisões de primeira instância desfavoráveis aos contribuintes em R$ 11 bilhões e que ainda poderão ser julgados pelo Carf e impactados pela mudança.

No despacho, Sérgio Moro afirmou ainda que “a constituição do crédito tributário é, por sua vez, fundamental para tipificação do crime contra a ordem tributária, com o que eventual fragilização do procedimento de formação tem, além de consequências na arrecadação tributária, efeito colateral negativo no combate ao crime em geral.”

Sindifisco

O Sindifisco Nacional divulgou nesta terça nota na qual, em nome de todos os auditores-fiscais da Receita, manifesta “perplexidade e indignação com a postura do presidente da República” que sancionou o texto. Segundo a nota, Bolsonaro “sancionou um dos dispositivos legais mais perversos já surgidos contra a boa administração dos recursos públicos e a moralidade administrativa no Brasil: o fim do voto de qualidade no âmbito do CARF”.

“Ao fazê-lo, o presidente desdenhou abertamente das orientações do Ministério da Justiça, do Ministério da Economia e da Procuradoria Geral da República, que o alertaram do perigo e da gravidade dessa conduta”, diz a nota do Sindifisco.

O sindicato afirma ainda que a sanção “implicará décadas de retrocesso no combate à sonegação e à corrupção e entrará para a posteridade como símbolo de absoluto desprezo pela coisa pública”.

O Sindifisco Nacional afirma que irá denunciar o fato à comunidade internacional e que vai empreender todos os esforços possíveis para mobilizar a sociedade civil e reverter esse “descalabro”.

O Carf é o órgão administrativo ao qual os contribuintes recorrem das autuações da Receita Federal, muitas vezes em disputas que chegam à casa dos bilhões.

Repercusão

A tributarista sócia do Lavocat Advogados e ex-conselheira do Carf, Mirian Lavocat, elogiou a medida. Segundo ela, a “extinção do voto de qualidade é um avanço para os contribuintes”. Na avaliação da tributarista, haverá uma diminuição de judicialização de processos administrativos perante o judiciário. “Grande parte desses processos judicializados traz matéria de prova incontroversa, pois o contribuinte junta ampla matéria probatória, e muitas vezes o voto de qualidade desprivilegia o princípio maior do processo administrativo tributário, que é o da verdade material”, avalia.

Outro ponto importante, segundo Lavocat, é a diminuição para as empresas dos custos dessas judicializações.

Para o advogado tributarista Bruno Teixeira, de Tozzini Freire Advogados, a lei sancionada nesta terça “vai ficar para a história”, pois é um marco de mudança do contencioso fiscal brasileiro. “Teses caras aos contribuintes e que estavam sendo resolvidas por voto de qualidade poderão ter um desfecho diferente daqui pra frente.

A interpretação normalmente mais conservadora e positiva (no sentido filosófico do termo) dos conselheiros do fisco abrirá espaço, doravante, à leitura mais teleológica comumente vinda dos conselheiros dos contribuintes. Não se quer taxar ninguém aqui, mas há de se reconhecer que essas posturas dos conselheiros são fruto de sua própria formação e experiência de vida. Novos tempos para o contencioso tributário brasileiro”, afirma o tributarista.