16/06/2025 - 17:13
Milhares de toneladas de munição não detonada abandonada pelos Aliados jazem no fundo dos mares do Norte e Báltico. Substâncias tóxicas vazam há anos, ameaçando vida marinha e humana. Berlim aposta em solução inovadora.Calcula-se que 1,6 milhão de toneladas de munições convencionais estejam no fundo das águas litorâneas da Alemanha, a grande maioria no Mar do Norte, as demais no Báltico, assim como diversos milhares de toneladas de armas químicas. A maioria jaz esquecida há uns 80 anos, ou mais.
Embora façam manchetes as descobertas de antigas bombas em terra, implicando o fechamento de bairros e redes de transportes inteiros – como na cidade alemã de Colônia, no início de junho de 2025 –, a ameaça no mar é muito mais insidiosa, e medos crescentes de contaminação impulsionaram à ação.
Durante a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas na cidade francesa de Nice, em junho, foi apresentado o projeto pioneiro de uma grande plataforma móvel encarregada de recolher autonomamente os velhos armamentos no fundo do mar e dar-lhes fim, o qual atualmente está na fase de planejamento.
“Até o momento, só se realizavam operações de resgate em caso de perigo iminente – por exemplo, se houvesse risco de uma bomba não detonada explodir”, explica Sebastian Unger, diretor de Conservação Marinha do Ministério alemão do Meio Ambiente. “Agora a questão é finalmente encarar esse problema por questões de conservação ambiental e marinha, mas também, no fim das contas, para reduzir os riscos à saúde humana.”
Entre as armas de combate da Segunda Guerra Mundial espalhadas no fundo do mar, estão as minas e explosivos alemães descartados pelos bombardeiros dos Aliados ao retornar para o Reino Unido. Porém a maior parte dos explosivos foi parar nas costas alemãs do Mar do Norte e Báltico após a derrota dos nazistas em 1945.
Os soldados aliados jogaram no mar os armamentos que encontraram em fábricas e depósitos de armamentos, como solução rápida para a tarefa de desnazificar e desmilitarizar a Alemanha. Entretanto, nos últimos anos constatou-se que os equipamentos estavam se decompondo.
Entre os sinais visíveis, acúmulos de fósforo branco ou misturas explosivas contendo TNT vão ocasionalmente dar nas praias. As substâncias se assemelham perigosamente a âmbar ou minerais, tendo causado ferimentos em visitantes e catadores de objetos valiosos na areia.
Mar em perigo
Testes toxicológicos em mexilhões do “lixão” submarino, na última década, revelaram traços de substâncias carcinogênicas contidas nas munições. O exame das amostras recolhidas desde a década de 1980 acusa um incremento constante a partir de 2002.
“As concentrações são super baixas. Nós, humanos, não precisamos ficar preocupados de consumir esses mexilhões. Porém mais adiante, talvez em 30, 40 anos, talvez a gente tenha que pensar duas vezes”, explica o toxicólogo Edmund Maser, do Hospital Universitário de Schleswig-Holstein (UKSH), que esteve envolvido na pesquisa.
Contudo o ecossistema marinho já está em perigo: foram encontrados traços de TNT nos peixes e na água do mar, e vai ser liberado ainda mais, à medida que os cartuchos de metal das munições continuarem a ser corroídos pela água salgada e enferrujar, alerta Maser.
Em 2016, o governo do estado de Schleswig-Holstein pediu que o Centro de Pesquisa Oceânica Helmholtz Geomar, da cidade de Kiel, ajudasse a determinar que armas estavam no fundo do mar e qual seu possível impacto ambiental. Empregando diversas tecnologias acústicas e visuais, que continuam a ser desenvolvidas na atual fase piloto, chegou-se a resultados surreais.
“Há caixas de munição lá embaixo. Numa área de 20 por 40 metros, elas estão empilhadas no leito marinho, como se tivessem acabado de ser desembarcadas de um caminhão. Em outro local, há um monte de bombas de 50 a 250 quilos, empilhadas como num jogo de pega-varetas”, relata o geólogo marinho da Geomar Jens Greinert. Foram encontradas ainda munição de pequeno calibre, pistolas e lançadores de mísseis.
Luta contra o relógio
Tanto os desafios do ambiente marítimo em constante movimento, quanto a multiplicidade das armas descartadas, tornam o processo complicado e perigoso. O material contido ainda pode explodir, e há sempre o risco da liberação de substâncias tóxicas, como o TNT, durante o processo de coleta e eliminação.
A organização ambiental alemã Nabu, que começou a chamar a atenção para o problema em 2007, urge para que a operação de limpeza comece o mais breve possível: “Não temos realmente muito tempo. Em parte, a decomposição está num estágio mais avançado do que esperávamos. Claro, o problema também existe em terra, mas lá as toxinas continuam localizadas, enquanto no mar elas continuam a se espalhar e entrar na cadeia alimentar”, adverte o diretor de Conservação Marinha Kim Detloff.
A fase piloto e a seguinte do projeto de coleta das munições foram financiadas por um programa de emergência de 100 milhões do governo federal. O especialista da Nabu destaca que ainda há um problema para o financiamento contínuo de longo prazo da operação da plataforma planejada: “Ela precisa estar em funcionamento 365 dias por ano, 24 horas por dia.” A rigor, argumenta, seria necessário mais do que uma, dada a escala do problema.
Segundo Sebastian Unger, uma nova e inovadora plataforma de resgate e desmontagem deverá estar pronta para funcionar entre o fim de 2026 e o início de 2027, e ele espera que abordagens semelhantes sejam adotadas em outras partes do mundo.
Nas águas alemãs, é provável que as atividades priorizem áreas de especial sensibilidade ecológica, zonas de desova de peixes ou próximas ao litoral, com interesse forte para o setor turístico – porém a questão ainda está em consideração, ressalva o funcionário do Ministério do Meio Ambiente.