14/06/2000 - 7:00
Que o barquinho da Bovespa vem fazendo água há algum tempo, não é novidade. Mas, no fechamento da movimentação de maio, soou um alarme. Foi constatado que, desde o início do ano, as operações com American Depositary Receipts (ADRs) de empresas brasileiras totalizaram US$ 8 bilhões, mais do que os US$ 7,3 bilhões registrados na Bolsa de São Paulo. Na prática, isso significa que as ações de companhias brasileiras são mais negociadas fora do que dentro do País. Além disso, no mesmo período de tempo, os estrangeiros tiraram US$ 2 bilhões do pregão brasileiro, o pior resultado desde o início do plano Real. Como num navio que está adernando, muitos correram para os salva-vidas. Corretoras como BBA e Icatu, ou Fator e Doria Atherino se associaram para sobreviver. Detalhe: enquanto a Bovespa é invadida pelas águas, em outros mares os negócios vão de vento em popa.
Em meio à maré de más notícias, a Bovespa anunciou na semana passada que está se agarrando a uma bóia salva-vidas. Ela irá juntar-se ao Global Market, o projeto que associará 10 bolsas de valores em todo o mundo. Dela fazem parte os mercados de Nova York, Tóquio, Toronto, Hong Kong, Austrália, Paris, Bruxelas, Amsterdã e México que, juntas, negociam empresas avaliadas em US$ 20 trilhões, o correspondente a 60% do mercado mundial de ações. ?Estamos perdendo o jogo. Esta é a oportunidade de voltarmos a ganhar?, disse Alfredo Rizkallah, presidente da Bovespa, com ares de quem dá uma cartada final. No dia 19 de junho será assinado, em Nova York, o protocolo que define a integração.
O mercado global poderá levar anos para começar a funcionar, na prática. Isso depende não só de detalhes técnicos, como a integração dos sistemas de negociação de todas as bolsas, mas, acima disso, da boa vontade das CVMs e bancos centrais de cada país em se adequar a regras comuns. Em um lugar como o Brasil, onde o controle de capitais é utilizado como instrumento de política monetária, as perspectivas são desanimadoras. A Bovespa chegou a estudar uma associação com a Nasdaq, mas desistiu quando percebeu que os americanos queriam que a Bovespa fosse ?mais uma? sob as asas da Nasdaq. A união com a NYSE dá à Bolsa de São Paulo o status de líder regional na América do Sul.
QUEM ESTÁ NO BARCO DO GLOBAL MARKET | ||
BOVESPA Chegou a ter mais de US$ 1 bilhão em negócios por dia em 1997. Perdeu força após a crise da Ásia e hoje não chega a US$ 500 milhões | NYSE A nova economia não tirou da Bolsa de Nova York o posto de maior do mundo. Foi palco de US$ 8,3 trilhões em negócios no ano passado | BOLSA DE TÓQUIO Mais influente mercado de capitais da Ásia, indica tendências para a região. Movimentou um total de US$ 6,3 bilhões em 1999 |
Enquanto a união não sai, a Bovespa luta contra a migração em massa dos negócios para Nova York. Na última década, os programas de ADR de companhias em todo o mundo passaram de 352 para 1.800. Nesse bolo, o Brasil merece destaque, segundo relatório do Bank of New York. Há 34 companhias brasileiras listadas na bolsa americana, mas são justamente aquelas de maior liquidez. E há outras a caminho, como a Sabesp, a Light e Vale do Rio Doce. ?Existem pelo menos 10 empresas brasileiras aguardadas ansiosamente em Nova York, entre elas o Banco do Brasil?, comenta um operador de Nova York.
?Operar em Nova York é mais barato, mais seguro e mais confortável. Quem não quer??, diz Orlando Viscardi, diretor de ADRs do Citibank. É mais barato porque não tem incidência da CPMF. Mais seguro porque o investidor evita o risco cambial. E mais confortável porque ele já conhece as práticas de mercado americanas. Por conta dessa efervescência, muitas corretoras brasileiras abriram escritórios em Wall Street para atender principalmente os clientes de língua portuguesa. BBA Icatu, Opportunity, CSFB Garantia, BBM e Fator estão lá. A Indusval, de olho no aumento das negociações, alugou uma cadeira na Bolsa de Nova York por US$ 300 mil. E colocou um operador no pregão. ?Operamos diretamente no pregão, sem intermediários. Com isso, ganhamos alguns segundos, vitais no mercado financeiro?, disse John Carioba, diretor da corretora. A febre das ADRs não pode, porém, ser responsabilizada por todos os males. ?O capital estrangeiro foi embora porque é caro investir no País. Enquanto essa estrutura não mudar, o dinheiro não volta?, acredita Viscardi. A Bovespa luta para sobreviver até lá. Uma das propostas do Global Market é dar fim às ADRs. Todas as ações seriam negociadas diretamente nesse pregão global. Resta saber se a Bovespa vai se manter na tona até lá.