01/12/2004 - 8:00
A disputa pelo apetitoso mercado dos dekasseguis, brasileiros descendentes de japoneses que emigram para o Japão em busca de um gordo pé de meia em ienes, ganhou na semana passada um competidor de peso. Lançando oficialmente sua primeira operação de varejo fora do Brasil em 61 anos de existência, o Bradesco apresentou, na terça-feira 23, seus planos de desembarque no Japão e seu parceiro local. Trata-se do UFJ, quarto maior banco daquele país, com US$ 741 bilhões em ativos ? 11,5 vezes mais que o próprio Bradesco, ainda que com 16 vezes menos agências. No próximo dia 20, a joint-venture nipo-brasileira inaugura suas primeiras 10 agências nas cidades com maior concentração de dekasseguis, como Toyota, Toyohashi e Gifu. É o plano piloto. A partir daí, a idéia é cravar a bandeira vermelha do Bradesco em todas as 450 agências do UFJ. ?Vamos fazer varejo no Japão. É uma operação para valer e queremos a liderança?, avisa Márcio Cypriano, presidente do Bradesco.
Mantida sob sigilo por quase dois anos, a Operação Dekassegui começou a ser gestada, quase por acaso, em fevereiro de 2003. Na ocasião, o diretor executivo do Bradesco, Cristiano Belfort, viajou ao Japão para assinar um acordo operacional com o UFJ para financiamento bilateral de comércio exterior e investimentos. Uma vez lá, Belfort resolveu conferir de perto como funcionavam as operações de remessa de dinheiro dos dekasseguis (brasileiros descendentes de japoneses trabalhando no Japão) para o Brasil. E não gostou do que viu. Filas de quatro, cinco horas e atendimento precário, quase exclusivamente em japonês, idioma que 80% desses trabalhadores não dominam. ?Havia ali uma oportunidade de negócio para quem se dispusesse a atender este público como ele merece?, diz Belfort.
No intervalo de 21 meses entre este insight e o anúncio da iniciativa, uma força-tarefa que chegou a contar com 50 funcionários de cada parte costurou as bases do acordo operacional entre os dois bancos. O ponto de partida foi um estudo sobre o modo de vida da comunidade nipo-brasileira no Japão. A pesquisa joga luz sobre o universo dos 300 mil brasileiros que vivem no Japão e, juntos, movimentam US$ 12 bilhões por ano. Deste total, US$ 2,5 bilhões são remetidos ao Brasil ? e cobiçados pelo Bradesco. Outros US$ 8 bilhões ficam no Japão para custeio dos dekasseguis, e interessam diretamente ao UFJ. O restante é investido tanto no Brasil como no Japão e está ao alcance dos dois bancos. Para lançar uma operação de ?bancarização? em larga escala deste público, Bradesco e UFJ decidiram apostar na tecnologia. Agências à parte, o brasileiro que mora no Japão contará com 585 máquinas de auto-atendimento com videofone, além de 4.500 caixas eletrônicos com telas e teclas em português, call center no Brasil e site na internet. ?Nenhuma outra operação brasileira no Japão tem o mesmo potencial?, garante Belfort.
As remessas de recursos para o Brasil são, no entanto, apenas a parte mais visível da operação Bradesco-UFJ. Na ponta japonesa deste eixo, a idéia é oferecer aos dekasseguis desde cartões de débito até consórcios e previdência privada, criando vínculos com um brasileiro que passa, em média, sete anos no Japão, poupando para, na volta, comprar casa própria e iniciar um negócio. Na ponta brasileira, o Bradesco enxerga nos destinatários dos recursos (1,5 milhão de descendentes de japoneses) um nicho promissor para ampliar sua base de clientes no Brasil. A relação do banco com esta comunidade vem de longe. Criado em Marília, uma cidade do interior de São Paulo com forte concentração de imigrantes japoneses, em plena Segunda Guerra Mundial, o Bradesco financiou diversos empreendimentos nipônicos numa época em que olhos puxados provocavam aberta hostilidade nas ruas brasileiras. Graças a isso, o banco guarda em seu museu duas comendas de imperadores japoneses e desfruta da confiança da população nikkey. ?Pouca gente sabe, mas 20% dos recursos remetidos para o Brasil pelos dekasseguis por outros bancos acabam sendo transferidos para o Bradesco?, revela Cypriano.
Mesmo com tudo isso, as conversas com os japoneses passaram por um momento crítico em julho deste ano, quando o UFJ abriu negociações com o Mitsubishi Tokyo para a fusão que criará, em outubro de 2005, o maior banco do Japão e do mundo. ?Achamos que poderia haver um recuo, mas o Mitsubishi Tokyo se interessou muito pela parceria?, conta Cypriano. Com centenas de horas de vôo na bagagem, os executivos daqui e de lá chegaram a um acordo que resultou em um investimento conjunto de US$ 20 milhões ? a maior parte dos quais desembolsados pelo UFJ. O Bradesco não divulga metas de crescimento para a operação com dekasseguis, mas Cypriano deixa escapar uma conta indicativa da ambição do banco: ?Se conseguirmos pegar 20% desse mercado, serão US$ 500 milhões por ano?, calcula o banqueiro. Inspirado por esta experiência, o Bradesco tem planos avançados para replicar este modelo de negócio em Portugal (com o Banco Espírito Santo) e na Espanha (com o BBV) já no ano que vem. Antes, porém, terá de mostrar que sua estratégia com o UFJ é boa o bastante para enfrentar concorrentes como Banco do Brasil e Banespa-Santander, com décadas de experiência no Japão.
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US$ 741 bilhões é o total de ativos do UFJ antes da fusão com US$ 12 bilhões por ano é o valor movimentado pelos |
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