A premiada designer e empresária Ana Couto, fundadora e CEO da agência de branding que leva o seu nome, alcançou uma nova conquista: está entre as (os) cinco finalistas indicados ao prêmio Jabuti na categoria de negócios. Seu livro, “A (R)evolução do Branding”, busca sintetizar os conhecimentos acumulados em mais de 30 anos de trabalho para reformular e desenvolver marcas brasileiras e estrangeiras.

Na visão da empreendedora e agora escritora, o branding e o rebranding são dois momentos de um mesmo processo. “É um processo evolutivo. Mudar, na verdade, é evoluir dentro do que o branding responde”, explica.

Desde que fundou a empresa em 1993, Couto afirma ter trabalhado para educar muitos executivos brasileiros sobre a importância do “intangível”, aquilo que não se pode tocar ou contabilizar, apesar de trazer valor à empresa. “Eu  ainda encontro com executivo achando que isso é um gasto, não um investimento”, diz. Sua agência divulgou ter registrado R$ 15,4 milhões de faturamento no primeiro semestre de 2024.

Couto acredita que o branding correto funciona como uma espécie de “crédito” para responder às crises. “Se você não tem nada, você está ferrado. Ninguém defende as Lojas Americanas, apesar delas terem crédito ainda no banco.” Cabe aos empresários então, nas palavras do livro, “sentarem a empresa no divã” e conhecerem suas organizações e como elas devem responder às crises.

Confira os principais trechos da entrevista:

O livro é o resultado de 30 anos da trajetória da Agência Ana Couto. Pode comentar os destaques deste percurso?

Minha jornada de estudo vinha de antropologia, design. Morei nos Estados Unidos cinco anos, fiz mestrado, montei agência lá. Essa troca de experiência e de mindset foram muito importantes na minha jornada. Ali eu entendi porque os Estados Unidos é uma potência e aprendi muito sobre fazer gestão do intangível e como é importante.

O Brasil há 30 anos atrás era ainda uma economia muito fechada. Era um mercado muito pautado por propaganda, que eu sempre vi um pouco como anabolizante. A Casas Bahia passou anos sendo o maior investidor de mídia do Brasil, e o residual disso é muito pouco.

Eu falei: preciso trazer essa ciência de gestão do intangível para as empresas, para os executivos.

No livro você fala do método criado pela agência de “três ondas de valor”. Pode explicar como surgiu?

Os clientes sempre me perguntaram: ‘mas Ana, dá resultado?’ Eu ficava bastante irritada com as pessoas, mas eu também não tinha uma ferramenta para medir. Aí a gente desenvolveu essa gestão das ondas.

A primeira é o produto, que é super importante, você tem que ter um bom custo-benefício, uma boa experiência, diferenciais claros. A onda dois é conexão emocional, identificação, e aí a terceira onda é o propósito. Quem está crescendo, gerando muito valor e rápido, são essas empresas que estão alinhadas nas três ondas.

De onde veio esse título, “A (R)evolução do Branding”?

Porque o branding é vivo, é sobre a evolução. Não é uma guia de marca fechada. Ele está com a movimentação. É um jogo muito dinâmico, extremamente complexo, competitivo, cada vez mais, por demandas muito grandes de sustentabilidade, de pessoas, de gestão de talento, de tecnologia, de transformações.

E quando é o momento do rebranding?

O tempo todo.

O branding e o rebranding é um processo evolutivo. Mudar, na verdade, é evoluir dentro do que o branding responde. O power branding está correlacionado com power business. É muito difícil fazer um power business se o seu branding não está alinhado com você, se você não sabe quem você é, se você não tem proposta de valor clara, hábitos criados.

Se você não tem um propósito, você não tem uma narrativa que constrói valor a longo prazo. Você tem só um marketing e está vendendo coisas, não está construindo o seu intangível. E é que nem crédito no banco: se você ficar desempregado, você vai gastando. Se você não tem nada, você está ferrado. Ninguém defende as Lojas Americanas, apesar delas terem crédito ainda no banco.

O livro A (R)evolução do Branding, finalista na categoria de negócios do prêmio Jabuti 2024

O caso das Americanas é um dos abordados no livro como exemplo de um branding que falhou. Como dar a volta em casos assim?

A jornada de movimentação é que nem a jornada de um herói, a nossa jornada de vida. Ela vai ter altos e baixos. Como você responde a crise é o divisor de águas. Antigamente, o CEO não falava, ninguém aparecia. Hoje é pior coisa que você pode fazer. Você precisa ser responsivo à crise e no grau de responsabilidade com a mudança que a gente tem que fazer.

Um caso bem famoso que eu uso muito é da Nike. Eles começaram a sofrer antes das redes sociais por questão de trabalho escravo e trabalho infantil. A primeira resposta da Nike foi assim: mas eu não tenho fábrica, eu só tenho minha marca. Aí os consumidores começaram a cortar.

Então o que que eles fizeram? Se retrataram. A responsabilidade do ecossistema que ela fez passa a ser da organização, e eles começaram a fazer um trabalho de todo o ecossistema.

Tem outros dois casos que são comparados no livro que são de inserção de pessoas trans pela Bud Light e outro pela Starbucks. Um deu certo e outro não. Por quê?

Porque uma é verdadeira e outra não. Voltando de novo ao grupo 3G, é um grupo muito voltado para trazer retorno para o acionista. A Anheuser-Busch InBev estava tentando ganhar dinheiro a qualquer preço, e aí a primeira ação que eles fizeram foi demitir a executiva.

A Starbucks é uma marca sobre diversidade, que acredita que os valores são esses. Então, quando teve aquele problema, se posicionaram: se você quer vender ação, você vende a ação. O branding é sobre valores.

O livro trabalha o branding e o rebranding como uma coisa contínua e traz vários exemplos de reinvenção ao olhar para o passado. Quando esse olhar cabe?

Cabe sempre.

A gente nunca joga fora valor do passado. A gente ressignifica ele e vê qual o valor para o futuro. As estratégias corporativas de branding vão se retroalimentando. Se você é uma empresa de 80 anos, de 100 anos, de 20 anos, alguma coisa tem na sua história que tem valor.

Até nas Americanas, que a gente falou. Quando eu era criança, eu ia com a minha avó comer waffles nas Americanas. Tem um lado emocional. O equity das Americanas é muito forte, tem valor. O que não é forte é a estratégia. Mas eles podem destruir até o final. Varig foi destruída assim. Muitas vezes a gestão destrói o branding, não consegue fazer.

Outras vezes, pega a Granado. Uma marca de 165 anos, brasileira, carioca. Precisou vir um gringo inglês para comprar e dizer: olha que história linda! Olhar pro passado e ressignificar no futuro.

Olhar o passado não é ficar preso a uma coisa tradicional. É você pegar o melhor do seu talento, entender porque você chegou aqui e construir o futuro. É uma jornada contínua.

Outro caso que você menciona no livro é a revitalização da CBF pela sua agência, e você menciona que é uma organização que ainda “pode mais”. Por que essa colocação?

A CBF é o símbolo do Brasil, porque o Brasil se construiu muito em cima da imagem no futebol para o mundo. O Pelé no mundo é a nossa melhor brasilidade. Então a gente definiu o propósito: o futebol é a nossa versão de melhor brasilidade.

Eles podem fazer muito mais pelo Brasil em termos de imagem. Tem toda essa questão toda do Vini Junior. Eu acho que é uma brasilidade que precisavam abraçar mais. Eu acho que se perdem um pouco nessa potência que é a CBF. Mas tem questões de gestão aí que eu acho que já é outro lado.

Outro caso mencionado já no final do livro é o do X, antigo Twitter. Dá para ser considerado um rebranding, já que muita coisa da marca antiga foi jogada fora?

Bota rebranding nisso. É um multi rebranding. Todos os equities que eles tinham foram jogados fora. O X não constrói propriedade como o Twitter tinha. Ele era uma marca — apesar do modelo de negócio ainda meio infantilizado e que tinha uma série de questões, não conseguiam rentabilizar muito — enquanto marca, enquanto branding, eles tinham uma das das marcas mais valiosas do planeta, conhecida globalmente.

Que mensagem final você gostaria de deixar sobre seu livro?

Acho que, no Brasil, a gente precisa colocar isso na gestão. Tanto em país quanto em organizações, abraçar esse intangível de uma forma real. Eu  ainda encontro com executivo achando que isso é um gasto, não um investimento.

Eu tenho uma visão de gestão de valor da organização como um todo, então como ele faz o planejamento estratégico, ele tem que pensar na estratégia de branding dele para realmente alinhar toda organização de valor. Eu acho que a mensagem ainda está muito embrionária, apesar de eu estar falando isso há 30 anos.