31/08/2005 - 7:00
Aos poucos as chuteiras dão lugar a um par de botas rígidas acompanhadas de uma prancha. Jovens talentos trocam o gramado pela neve. É lá, no terreno gelado, que a galera dos trópicos ganha fama. O Brasil, apesar de não ter montanhas cobertas de neve, converteu-se em um celeiro de craques na prática de snowboard, uma espécie de surfe no gelo, em toda a América do Sul. A prova? A única esportista do continente sul-americano a se classificar para as Olimpíadas de Inverno de Turim, em 2006, é a brasileira Isabel Clark. ?O Brasil é um dos países mais respeitados no snowboard?, diz Stefano Arnhold, presidente da Confederação Brasileira de Desportos na Neve, a CBDN. A força do ?Brasil abaixo de zero? será testada no Ballantine?s Snowboard Continental Cup, a décima primeira edição do campeonato brasileiro que acontece de 30 de agosto a 3 de setembro, em Las Leñas, na Argentina. Trata-se, por incrível que pareça, do mais aguardado evento do continente em modalidades geladas. Chilenos, argentinos, americanos e europeus também foram convidados a participar do torneio.
O fenômeno verde-amarelo nas competições internacionais é a ponta de um iceberg que tem na sua base a indústria do turismo, patrocínios e fabricantes de artigos esportivos. Os brasileiros, impulsionados pela valorização do real frente ao dólar e pela proximidade geográfica, tornaram-se os maiores freqüentadores das estações de esqui na América do Sul. ?Esta temporada foi uma das melhores?, diz Leonel Rossi, diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira das Agências de Viagem, a ABAV. ?As agências venderam 30% a mais do que em 2004?. No Valle Nevado, uma das principais estações do Chile, 50% dos hóspedes são brasileiros. O espanhol, o idioma pátrio desses países, quase não é falado. O português é onipresente. Há, por exemplo, até uma academia de ginástica com professores brasileiros. ?Estimamos em 30 mil o número de amadores do esporte no Brasil?, diz Arnhold, da CBDN. Quanto mais praticantes, mais a chance de surgirem novos talentos e maior é a relevância do setor na economia. A grife francesa Rossignol, famosa marca de equipamentos de esqui e snowboard, acompanha esse crescimento. A marca, que vende seus produtos apenas em lojas de departamentos, inaugurou recentemente endereço próprio no Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. ?É o único país do mundo a receber uma loja Rossignol?, diz Fernando Magalhães, diretor comercial da Rossignol no Brasil. Ao que parece, a iniciativa surtiu efeito. ?Tivemos um crescimento de vendas de 25% em relação ao ano passado?.
Diante de tantos indicadores favoráveis, cabe uma pergunta. Por que o Brasil, um país tropical, faz sucesso no esporte? Há um fenômeno que ajuda a entender essa questão. Os brasileiros são fanáticos por modalidades sobre pranchas. O pernambucano Carlos Burle é um dos melhores surfistas de ondas gigantes do planeta. O paulista Sandro Dias, curiosamente conhecido como ?Mineirinho?, é um dos maiores skatistas do mundo. Isso, de certa forma, demonstra que quando os brasileiros vão para a neve já estão acostumados com a prancha. ?Quando descobrimos um grande talento investimos forte no seu desenvolvimento?, diz Carlos Eduardo Almeida, diretor técnico de snowboard da CBDN. Isabel Clark, a melhor brasileira na modalidade com quatro títulos sul-americanos e dez brasileiros, é uma das pupilas da entidade. Ela tem vários patrocínios e conta com uma estrutura dotada de psicólogo, nutricionista, médico esportivo e treinador. ?Depois da Copa do Mundo, o nosso campeonato é o mais bem organizado?, diz Isabel Clark. Como o Brasil não pode importar o gelo austral, exporta-se talentos que botam a neve para ferver.
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30 mil pessoas praticam esportes de neve no Brasil |