26/05/2022 - 12:30
Diante do risco de escassez de fertilizantes e do aumento de preços após as sanções contra a Rússia, o setor agrícola brasileiro recorre a soluções alternativas naturais para reduzir os custos de produção e garantir as safras.
O Brasil é o quarto consumidor mundial de fertilizantes químicos NPK – nitrogênio, fósforo e potássio -, utilizados nas culturas de soja, milho, algodão, cana de açúcar e café.
O país importa cerca do 80% desses insumos, e quase um quarto destes vêm da Rússia, o seu principal fornecedor.
Enquanto o governo brasileiro negocia com outros fornecedores estrangeiros, principalmente Canadá, Jordânia, Egito e Marrocos, e busca reativar a produção nacional de fertilizantes, os agricultores começam a se interessar pelos chamados produtos “emergentes”.
Entre eles estão os remineralizadores naturais obtidos a partir de rochas ricas em nutrientes, trituradas e depois aplicadas nos campos antes da semeadura.
Embora outros países, como França, Estados Unidos, Canadá, Índia ou Austrália utilizem estes remineralizadores, o Brasil, uma potência agrícola de primeira grandeza, é o mais avançado nesta área.
“O Brasil é um país tropical e as chuvas carregam os nutrientes dos solos embora. O pó de rocha reconstrói os solos, o que permite a renovação de seu bioma e melhora suas performances”, explica à AFP Márcio Remédio, diretor de geologia e recursos minerais do Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
Aprovados como insumo agrícola por uma lei de 2013, os remineralizadores “permitem às raízes se desenvolver mais e captar os nutrientes que fortalecem o desenvolvimento vegetal”, assinala Suzi Huff Theodoro, geóloga e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB).
“Rochas com perfis adequados são disponíveis em várias partes do país e o custo desse material é significativamente mais barato” que os químicos, acrescenta. O pó pode, por exemplo, ser produzido por empresas mineradoras a partir de seus resíduos, sempre que estes não contenham certos elementos potencialmente tóxicos.
– Sem mais fertilizantes químicos –
De acordo com um estudo realizado no ano passado, os remineralizadores são utilizados em quase 5% da área agrícola do Brasil. Até o fim deste ano, esse número será muito mais significativo, pois a demanda junto aos 30 fornecedores brasileiros reconhecidos disparou para um nível sem precedentes.
“A maioria deles já vendeu o total da produção deste ano, tanto para o agronegócio e fazendeiros médios como agricultores pequenos, entre estes particularmente os agroecológicos”, afirma a pesquisadora da UnB.
Fundador do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), que reúne mais de 700 agricultores, pesquisadores e consultores, o produtor de soja e milho Rogério Vian começou utilizando produtos elaborados com micro-organismos extraídos da floresta nativa, pulverizados na época da semeadura.
Estes servem para controlar pragas e ajudar as plantas a assimilar os nutrientes do solo. Há nove anos, Vian prepara seus próprios insumos orgânicos e combina os mesmos com remineralizadores em sua fazenda em Goiás.
Agora, em seus 1.000 hectares, já quase não utiliza fertilizantes químicos e, inclusive, nenhum para o cultivo de soja.
“Tive uma redução de 50% do meu custo com adubação e tratamento das sementes, e minha produtividade se manteve”, afirma. “O Brasil tem uma mega biodiversidade e um potencial enorme de ferramentas e jeitos de trabalhar, que não sabemos ainda que existem”, acrescenta.
– ‘Evolução irreversível” –
Para José Carlos Polidoro, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o país seguirá consumindo fertilizantes NPK, mas também deverá apostar nos produtos naturais.
“Os fertilizantes orgânicos e organominerais, feitos com resíduos minerais, resíduos orgânicos da agroindústria e lodo de esgoto, ocupam hoje 5% do mercado brasileiro de fertilizantes, mas têm potencial para diminuir em 20% nossas importações”, estima Polidoro.
O diretor técnico adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré, também cita o uso crescente, por parte dos produtores de soja, de rizobactérias “que retiram o nitrogênio do ar e entregam para as plantas, muito utilizadas na cultura de soja”, reduzindo assim o consumo de fertilizantes nitrogenados industriais.
Contudo, a crescente adoção desse tipo de produto não está isenta de obstáculos, destaca Carlos Pitol, consultor técnico no Mato Grosso do Sul e membro do GAAS.
“Os produtores encontram dificuldades com as fontes de financiamento para investir mais e com a pouca disponibilidade de orientação técnica. Porém, a mudança de sistema de produção vai crescendo e é de forma irreversível”, ressalta.