A relevância da China para o crescimento da maioria dos países é inegável. Até o final deste ano, espera-se que a economia chinesa apresente crescimento de 7% sobre 2022. Para o Brasil, a importância da China tem duas vertentes. A primeira, e mais óbvia, é do comércio bilateral. As exportações brasileiras para o país asiático passaram de US$ 1,2 bilhão (1995) para US$ 90 bilhões (2022) enquanto as importações de lá para cá saltaram de US$ 1 bilhão (1995) para US$ 60 bilhões (2022). Nos anos 90, o crescimento chinês impactou profunda e positivamente a economia brasileira, sobretudo devido ao maior volume de exportação. Além da soja, a China é o principal mercado para o minério de ferro produzido no Brasil pela Vale.

A segunda vertente é o fato de a China ser um dos países que mais investiram no Brasil nos últimos dez anos. O investimento direto cresce de forma considerável. Teve alta de 208% em 2021 em relação ao ano anterior, atingindo a cifra de US$ 5,9 bilhões. O montante foi o maior desde 2017. De 2005 a 2021, o Brasil absorveu quase metade dos investimentos chineses na América do Sul, ocupando a liderança entre os países da região.

A partir de 2011, com a crise financeira nos EUA e a [então] brutal queda de juros americana, a China passou a procurar países com possibilidade de investimento que propiciasse uma taxa de retorno maior do que a taxa de juros dos EUA — importante ressaltar que a China continua sendo o maior detentor de títulos do tesouro americano, ainda que a participação venha caindo. O fluxo nos EUA, na Europa e na Austrália cai desde 2017 devido às barreiras que estes países estão impondo, sobretudo nas áreas de tecnologia de ponta. Cabe ressaltar que o crescimento deles no Brasil foi muito superior à expansão dos investimentos da China no mundo.

Desde a pandemia, houve temor sobre a manutenção do forte ritmo asiático. Em 2022, o crescimento foi de 3%, modesto devido à imposição da política de Covid Zero. Com o término dessa política, no final de 2022, as bolsas da China registraram altas significativas e espelham as elevadas expectativas de crescimento do país a partir deste ano. Os especialistas em China nos EUA acreditam e defendem a ideia de ‘decoupling’ do mercado chinês da dinâmica maior do dólar e dos EUA. Ou seja, o crescimento da China não será muito impactado pela eventual desaceleração de EUA, Europa e Inglaterra.

Esse novo cenário deve impactar, inclusive, o comportamento de investidores. Muito embora estejamos mais acostumados a investir nossos recursos em empresas brasileiras, vale a pena considerar que uma pequena parcela dos portfólios seja destinada a outros mercados, como o da China. Há diversas formas de utilizar estas informações, e levanto algumas opções. Por exemplo: sabendo que existe uma correlação elevada e positiva entre o preço de minério de ferro e as ações da Vale, e acreditando que a alta do minério deva continuar em 2023, podemos pensar em alocar parcela dos investimentos em ações da companhia. Outra opção para explorar a elevação dos preços de commodities (não somente minério) é a alocação em algum fundo de commodities. Pode-se pensar que o crescimento da China deverá provocar alta dos índices de bolsa asiáticas. Assim, comprar ações de empresas ligadas ao crescimento chinês pode se mostrar uma boa estratégia.

Nos últimos anos temos observado um papel mais proativo da China no rol da arquitetura geopolítica mundial. Em 2015, o país liderou a criação do New Development Bank, conhecido como Banco do Brics. Junto de Brasil, África do Sul, Índia e Rússia, tal agência de fomento já aprovou US$ 30 bilhões em projetos de investimentos em meio ambiente, infraestrutura básica (esgoto e água potável) e digital.

Pouco a pouco, notamos o estabelecimento de um grande bloco geopolítico de países que, por diversas razões, buscam distanciamento do dólar e dos EUA. Talvez seja oportuno investir em parcerias como essas, que exploram novas rotas para o desenvolvimento. Na próxima viagem do presidente Lula a Pequim, no final deste mês, iremos possivelmente testemunhar a presença de temas como meio ambiente, inclusão digital e acordos bilaterais de comércio. Existe uma nova história que começa a ser contada. E nela há espaço para o Brasil ser o protagonista.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California. Com este artigo, passa a ser colunista da DINHEIRO.