DINHEIRO ? Por que a lei atual é tão ruim?
Thomas Felsberg ? O que o Brasil tem feito com as empresas em dificuldade é um absurdo. A lei atual não permite a preservação do que nós chamamos de fundo de comércio. Veja exemplos concretos. A Encol tinha 30 mil apartamentos, 2 mil funcionários e uma tecnologia de construção formidável. O Mappin também era importantíssimo na distribuição de varejo. Tudo isso foi desmanchado.

DINHEIRO ? Poderia ter sido diferente?
Felsberg ? A insolvência é um problema que afeta o acionista e os credores. Mas matar a Encol e o Mappin significou destruir um fundo de comércio, que é o que gera empregos, riqueza econômica e impostos. A questão da insolvência deveria ser resolvida entre acionistas e credores, preservando o fundo de comércio.

DINHEIRO ? Isso não significa proteger o devedor caloteiro?
Felsberg ? Não. Nós estamos dizendo que é bom para o País, para os empregados e para o Fisco não destruir a empresa. Trata-se de algo que, apesar da dívida, tem valor. No sistema atual, você liquida a empresa e vende todos os seus ativos: o computador, a máquina, a escrivaninha. Não é melhor vender tudo isso com um fluxo de caixa, com uma marca, uma clientela? É exatamente isso que a nova lei propõe. E o credor teria mais chances de recuperar o que perdeu.

DINHEIRO ? Mesmo com uma lei ruim, muitos juízes demoram a decretar pedidos de falência. Isso é bom ou ruim?
Felsberg ? É péssimo para a economia. No Brasil, quando uma empresa começa a ter dificuldades logo deixa de pagar impostos. Como o Fisco não intervém, cria-se um câncer. A empresa deixa de pagar impostos e começa a vender mais barato porque sonega. Em seguida, o concorrente que paga impostos pode falir, fechar ou então também sonegar. É um círculo vicioso. Não estou falando dos gigantes e das multinacionais, mas se olharmos a economia como um todo, veremos essa situação. Quer um teste? Vá ao cadastro dos inadimplentes do Ministério da Fazenda. Mais de 90% das empresas brasileiras estão lá.

DINHEIRO ? Qual seria a solução?
Felsberg ? Há algumas saídas viáveis. Uma é o leilão de créditos tributários. O Fisco iria ao mercado e venderia os créditos àqueles que queiram ter controle da empresa. A segunda solução seria jogar esses créditos em fundos de recuperação de empresas, que são administrados por profissionais. Recuperar uma empresa é a melhor coisa que você pode fazer, tem um efeito imediato no emprego, no PIB, na arrecadação.

DINHEIRO ? A concordata não existe justamente para que as empresas tenham uma chance de recuperação?
Felsberg ? A concordata é uma moratória. Nela, a empresa pode pagar em dois anos todos os créditos que vencem à vista. Mas a concordata, na prática, não serve para nada. É um expediente pífio para dar uma sobrevida. Qual é então a segunda opção? A falência. Mas ela tem dois aspectos que a tornam totalmente inviável para recuperação de créditos bancários. Isso porque os trabalhadores e o Fisco têm precedência. O credor, mesmo com garantia real, não vai perder tempo com uma falência, porque sabe que a recuperação é zero.

DINHEIRO? A preferência dos trabalhadores não é uma medida de alcance social?
Felsberg ? O crédito trabalhista é mãe de todas as fraudes porque o pessoal inventa créditos para tirar bens das empresas. E o que acontece quando a recuperação de créditos é zero? Os bancos, que simplesmente vêem o nível da inadimplência, aumentam ainda mais as taxas de juros. Um terço do spread bancário é fruto da dificuldade de recuperação de crédito. Ou seja: com uma lei eficiente, seria possível reduzir muito os juros. E isso teria grande alcance social.

DINHEIRO ? Mas não existem só fraudes entre os créditos trabalhistas.
Felsberg ? Por isso, deve-se limitar o direito de preferência dos trabalhadores. É um ponto fundamental. Parece que houve um acordo de limitar esse valor em R$ 30 mil. Isso é importante porque mais de 90% dos créditos tributários são abaixo deste valor. Com o teto, a maioria dos créditos legítimos fica protegida. Não são protegidos os créditos muito altos, nem as fraudes. Erguer uma barreira contra fraude é absolutamente necessário.

DINHEIRO ? O argumento dos banqueiros, então, é correto?
Felsberg ? Um banqueiro uma vez disse: ?Eu vou emprestar
para o setor privado? Não sou louco! Eu pego meu dinheiro
aqui, dou para o governo, ganho 26,5%, e aleluia!?. O sistema
atual encarece o crédito.

DINHEIRO? Como a nova lei irá mexer com os juros?
Felsberg ? Uma vez que se dá eficiência à recuperação de crédito, há um incentivo ao mercado de empréstimos. Surgem mais credores, mais instituições dispostas a emprestar, mais concorrência e isso baixa os juros. Você tira um elemento de custo na intermediação financeira. Mas isso não basta. Temos uma lei fiscal medieval.

DINHEIRO ? Como assim?
Felsberg ? O que diz a nossa lei fiscal? Na sucessão, qualquer pessoa que compra um ativo produtivo é responsável pelas mazelas do vendedor. Por isso, ninguém compra nada. O que a gente vê no mundo inteiro? Uma empresa está em dificuldades, vende uma parte de sua atividade, se recapitaliza, paga suas dívidas e continua com o resto. Aqui neste escritório, eu não permito que se compre nada de empresa em dificuldades. A JC Penney se dispôs a pagar US$ 500 milhões pelo intangível do Mappin. Mas por que não pagou? Porque ficaria responsável pelas dívidas do Mappin.

DINHEIRO ? Que histórias de empresas em crise poderiam ter um final diferente?
Felsberg ? Há vários exemplos. A Varig, no marco atual, teria que fechar. A não ser que haja uma intervenção do governo. Mas nada disso era preciso. Veja o que aconteceu com a Enron nos Estados Unidos, onde há uma lei chamada Chapter 11. Houve fraude, falcatrua e muitos foram para a cadeia. Mas eles não destruíram o fundo de comércio da empresa. Preservaram o patrimônio, tanto que até hoje as empresas brasileiras da Enron estão funcionando, estão solventes.

DINHEIRO ? Como funciona a lei americana?
Felsberg ? É um mecanismo pelo qual se preserva a empresa, em benefício dos credores, dos trabalhadores e do Fisco. É um processo pelo qual não se liquidam as empresas desnecessariamente. E quando há uma liquidação, tudo é feito mais rápido.

DINHEIRO ? Essa será a base para a lei brasileira?
Felsberg ? O Banco Mundial tem um grupo de trabalho que consultou cerca de 70 especialistas no mundo inteiro e estabeleceu princípios do que seria uma legislação falimentar moderna. O Brasil terá uma lei com as melhores práticas, mas não se trata de copiar uma lei específica. Não se pode implantar um corpo estranho. É preciso conhecer sistemáticas de outros países para escolher soluções que se apliquem ao nosso contexto, que atendam práticas modernas porque a atual é um desastre. O que nós fazemos é um genocídio de empresas.

DINHEIRO ? O BC trata essa lei como uma prioridade. Não é uma forma de encontrar um álibi para os juros altos?
Felsberg ? Há dois anos, o BC criou um grupo para estudar a
razão do alto spread bancário. Perceberam que as ineficiências
atuais representam uma alta parcela no custo dos empréstimos e, por isso, procuraram melhorar o projeto. No novo governo, tanto o ministro Antônio Palocci quanto o presidente do BC, Henrique Meirelles, continuaram tratando a lei de falências como prioridade. E é bom que seja assim.

DINHEIRO ? O projeto que será enviado ao Congresso é o ideal?
Felsberg ? O governo ouviu muita gente boa. Espero que uma série de colocações seja aceita. Por exemplo, nós entendemos que as funções administrativas de uma empresa falida não devem caber à Justiça. Então, quem verifica créditos é contador, não é juiz. No sistema atual, o sujeito entra na Justiça e ela não sabe o que fazer com a empresa. Fica lá consumindo tempo e não se resolve nada porque o Judiciário não é administrador de empresas. Num novo sistema, primeiro você transfere a decisão da recuperação ou liquidação aos credores. Há também na nova lei uma proposta para médias e pequenas empresas que é uma concordata rápida.

DINHEIRO ? Como funcionaria?
Felsberg ? O sujeito não consegue pagar, vai à Justiça e pede mais prazo para pagar as dívidas. Então, dê-se a ele dois anos para pagar, mas não ao final de cada ano. Tem que pagar mensalmente. O processo sai da Justiça com enormes ganhos de eficiência.

DINHEIRO ? A Receita Federal aceitaria perder a prioridade dos créditos fiscais?
Felsberg ? Ela seria mantida, mas haveria outros mecanismos, como os leilões de créditos tributários, para suavizar esse impacto. Eu acho que deveria haver uma postura mais agressiva do governo, de não permitir o acúmulo de créditos fiscais. Há negligência. O governo não pode prejudicar os demais credores.

DINHEIRO ? Os bancos vão mesmo reduzir os juros com a nova lei?
Felsberg ? No momento em que você consegue salvar algumas empresas, o banco dirá que a média de recuperação de casos de insolvência ? que era zero ? passou a, digamos, 40%. Isso permite um diminuição no spread bancário. Há um outro ponto interessante no projeto, que é novidade. Se for decretada uma recuperação judicial, as dívidas contraídas durante esse período terão prioridade em caso de falência, terão que ser pagas em primeiro lugar. Ou seja, se um credor emprestar para uma empresa em recuperação, ele vai ser o primeiro a receber. Isto é um incentivo para que se faça este tipo de negócio.

DINHEIRO ? Por que o sr. fala em genocídio de empresas?
Felsberg ? Tenho escritório de advocacia há 33 anos e já vi
muita gente competente e honesta desaparecer. Seja pela hiperinflação, pelo Plano Collor, pela desvalorização cambial e finalmente por uma legislação que castiga empresas em
dificuldade. Nós realmente condenamos à morte as empresas.
Temos um ambiente macroeconômico absolutamente volátil, em
que o empresário não pode dizer que está captando todos os riscos. No momento em que ele entra em dificuldade, a legislação mata a empresa. Se essas medidas modernas forem adotadas, dá para salvar muita coisa já no curto prazo.