entrevista2.jpg

“O futuro do País passa pela aposta em energias renováveis, como a eólica e a solar”

 

 

 

 

 

entrevista3.jpg

 

“O governador Maggi, de MT, é nosso parceiro na preservação da Amazônia”

 

 

 

DINHEIRO ? Empresários, políticos e até cientistas se renderam à energia nuclear e agora apóiam a construção da usina Angra 3. Qual a sua posição? GUGGENHEIM ? Sou totalmente contrário. Acho que o debate energético no Brasil parte de uma premissa equivocada. Nos últimos 20 anos o Brasil investiu US$ 800 milhões em eficiência energética e obteve uma economia de cerca de cinco mil megawatts. É algo equivalente a três usinas Angra 3. A busca da eficiência, no entanto, não gera megaobras nem deixa como saldo placas de inauguração com o nome do burocrata de plantão. É como saneamento básico, não dá ibope e nem voto porque fica debaixo do solo.

DINHEIRO ? Mas o que o governo vai fazer com os equipamentos estocados em Angra, devolver para os alemães?
GUGGENHEIM ? Seria o ideal. Até porque os alemães estão abandonando a tecnologia nuclear. O governo germânico propôs transformar o acordo Brasil- Alemanha em um pacto por energias renováveis, mas Brasília não aceitou.

DINHEIRO ? Se a tecnologia nuclear é tão nefasta por que muitos defendem o seu uso como antídoto aos males do efeito estufa, por exemplo?
GUGGENHEIM ? Trata-se daquela história do presente velho em uma embalagem nova. É incorreto dizer que a energia nuclear não produz gases que causam o efeito estufa. Isso só é válido para a ponta final do processo. No ciclo total, que inclui desde a mineração do urânio até a produção do rejeito, também chamado de lixo atômico, você verá que a equação é bem diferente.

Há uma certa arrogância de se pensar que a demanda atual de energia deve ser satisfeita de qualquer maneira, deixando o ônus para as gerações futuras. E com isso eu não concordo. O acidente com a cápsula de césio 137, ocorrido em 1987, em Goiás, é um problema até hoje. Também não é verdade que as usinas atômicas são extremamente seguras. Fala-se apenas de dois grandes acidentes: Three Mile Island (EUA) e Chernobyl (Ucrânia), mas muitos se esquecem que a Agência Internacional de Energia Atômica registra 100 ocorrências por ano. Há duas semanas, uma usina do Japão afetada por um terremoto despejou grande quantidade de água radioativa no mar.

DINHEIRO ? Mas se a lógica econômica e o bom senso indicam esse caminho, por que, na sua avaliação, o governo insiste em retomar a construção de Angra 3 e falase, inclusive, em Angra 4?
GUGGENHEIM ? A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, já deixou claro que a retomada de Angra 3 não é por razões energéticas, mas sim estratégicas. Historicamente, Historicamente, os militares sempre foram os maiores defensores da pesquisa nuclear no Brasil. Eles passaram por cima até da Constituição e montaram um programa paralelo de pesquisa que foi abortado no governo Collor, quando o poço de testes, situado na Serra do Cachimbo (PA), foi fechado. Existe também um grupo de cientistas que defende essas pesquisas com vistas a viabilizar o enriquecimento do urânio, o que iria ampliar o ganho do setor no Brasil, que dispõe de grandes jazidas, mas só exporta matéria-prima não beneficiada.

DINHEIRO ? E para isso eles precisam de Angra 3?
GUGGENHEIM ? Muitos dizem que o domínio do ciclo completo só é possível com a construção da usina porque a venda da energia geraria os recursos necessários para bancar as demais fases do processo.

DINHEIRO ? Mas as alternativas, eólica e solar, não são mais caras que as convencionais?
GUGGENHEIM ? Elas são bem mais baratas que a nuclear, por exemplo. O custo é o grande impeditivo da expansão da energia nuclear em vários cantos do planeta. Basta ver que nos Estados Unidos não se construiu nenhuma planta deste tipo nos últimos anos, mesmo com a desregulamentação do mercado. No Brasil, o Instituto Acende Brasil, ONG que engloba empresários que investem no setor elétrico, é contra a retomada dessas obras. E não por questões ecológicas. Eles usam a lógica econômica, já que a fatura de R$ 7 bilhões (investimento estimado para Angra 3) terá de ser paga pela sociedade. Quando falamos de fontes alternativas, devemos lembrar que o Brasil é privilegiado. O custo aqui tende a cair à metade em três anos, devido ao forte índice de insolação que ajuda, inclusive, no crescimento de vegetais, oleaginosas e gramíneas indicadas para produção de biodiesel e etanol. Os abundantes investimentos em etanol, por exemplo, farão a produção de cana dar um salto e isso vai gerar um subproduto importante, o bagaço, que também serve para produzir energia.

DINHEIRO ? Apenas isso é suficiente?
GUGGENHEIM ? Em linhas gerais, sim. Entretanto, as opções para enfrentar a questão da demanda por energia passam, ainda, por dois eixos: atualização tecnológica das hidrelétricas e das linhas de transmissão (cuja perda é bem maior que em outros países), além da melhora da eficiência ou substituição de produtos de consumo, tais como geladeiras, lâmpadas incandescentes e chuveiro elétrico.

DINHEIRO ? Essas medidas são, de fato, viáveis?
GUGGENHEIM ? Sem dúvida. No caso da água quente, está claro que o uso da energia solar é a melhor alternativa do ponto de vista econômico e ambiental. Tanto isso é verdade que a Prefeitura de São Paulo editou uma norma obrigando hospitais, prédios comerciais e imóveis residenciais de grande porte, ainda em construção, a instalarem coletores solares. Quando se fala em energia é preciso analisar a questão de forma ampla: geração, aparelhos eletrodomésticos e os hábitos de consumo das pessoas. Os brasileiros já mostraram, durante o Apagão de 2001, que respondem bem às campanhas pelo uso racional de energia. Na época, a economia foi tanta que quase quebrou as concessionárias. Por isso é preciso fazer campanhas constantes em prol do consumo consciente.

DINHEIRO ? Não seria uma visão romântica e pouco sistêmica de uma questão concreta, que é o risco de faltar energia para sustentar o crescimento da economia?
GUGGENHEIM ? Não tem nada de romântico. O que estou dizendo já acontece na Califórnia e nos países nórdicos, que bancam o crescimento de suas economias exclusivamente com fontes renováveis e ganhos de eficiência. No início do ano, o Greenpeace publicou o estudo A Revolução Energética ? Brasil, feito em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), no qual simulamos a necessidade energética do País até 2050.

Ficou claro que podemos crescer 3,5% em média por ano, uma taxa espetacular, usando a biomassa, a energia eólica, o gás e as hidrelétricas de grande e pequeno portes. Esse modelo exclui usina nuclear e o carvão.

DINHEIRO ? Muitas das bandeiras do Greenpeace foram incorporadas ao discurso de políticos, empresários e até do cidadão comum. Isso significa que a entidade perdeu a razão de existir?
GUGGENHEIM ? A última coisa que tenho medo, a curto prazo, é ficar desempregado. Apesar dos avanços pontuais, ainda há muito a ser feito. O alerta sobre o aquecimento global desencadeou um consenso de que algo tem de ser feito. Mas entre a teoria e a ação, existe um longo caminho a ser percorrido. Hoje, países emergentes como China, Índia e Brasil querem empurrar aos países ditos desenvolvidos a conta pela solução do problema. Os Estados Unidos e outras nações são, de fato, responsáveis por boa parte da emissão de gases.

Mas isso não significa que nós devemos ficar olhando apenas para trás. Até porque a China já figura entre as grandes poluidoras do planeta. O mesmo vale para o Brasil que, apesar de ter 70% de sua matriz energética composta de energia renovável, aparece como o quarto emissor de gases do efeito estufa devido às queimadas na Amazônia. Defendo a tese de que todos somos responsáveis pela preservação do planeta.

DINHEIRO ? Por que, em muitos casos, a luta ecológica não leva em conta as necessidades da população, especialmente daqueles grupos que vivem em áreas pobres?
GUGGENHEIM ? Isso não é verdade no que se refere ao Greenpeace. Nós sempre participamos de soluções construtivas. Ocorre que alguns eventos não permitem qualquer margem para flexibilidade. Foi o caso das campanhas contra os testes nucleares, na décadas de 70 e 80. Ali tínhamos de ser contra e ponto final. Demorou 20 anos, mas conseguimos ver proibidas as detonações de ogivas no mar, cuja principal conseqüência era a devastação de uma parcela expressiva da vida marinha.

DINHEIRO ? Existe algum exemplo disso aqui no Brasil?
GUGGENHEIM ?
O mais recente envolve a soja. Fizemos uma campanha ferrenha contra a expansão das plantações em direção à Amazônia, fenômeno que estava gerando uma forte pressão pelo desmatamento da floresta. Em junho de 2006, no entanto, as entidades que reúnem a cadeia produtiva do grão concordaram com a moratória de dois anos de plantio em novas áreas. Uma tese encampada até pelo governador Blairo Maggi (PRP), de Mato Grosso, que declarou que a expansão da colheita é viável usando apenas as terras já degradadas. E olha que ele é um dos maiores produtores de soja do mundo! Outra bandeira, o desmatamento zero, também foi encampada pelo governo federal e o governador Eduardo Braga (PMDB), do Amazonas.

DINHEIRO ? O governo do presidente Luiz Inácio da Silva é um amigo dos ecologistas?
GUGGENHEIM ? Existem avanço e retrocesso. Acho que o mais correto é analisar esse governo pelo conjunto que será feito em oito anos. Mas, sem dúvida, o modelo de desenvolvimento adotado por Lula põe a questão ambiental como um entrave. Apesar disso, temos de reconhecer que esse governo foi quem demarcou a maior quantidade de reservas florestais em áreas de conflito. Até agora o saldo é positivo, mesmo com a aprovação da construção da usinas nucleares que, creio, dificilmente sairá do papel. Como, aliás, aconteceu no governo de Fernando Henrique.

DINHEIRO ? A aprovação da construção de usinas hidrelétricas no rio Madeira representa uma derrota dos verdes em relação, digamos, à banda menos ecológica do governo do presidente Lula?
GUGGENHEIM ? Não vejo a questão por esse aspecto. A guerra não está perdida porque os ecologistas têm um aliado fundamental que é a natureza. Na medida em que os recursos vão se esgotando, fica cada vez mais claro que a nossa mensagem é correta.