09/03/2022 - 15:41
Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – Enquanto o governo brasileiro afirma que a votação do projeto de lei que autoriza a mineração em terras indígenas pode reduzir a dependência do Brasil de fertilizantes importados, estudos indicam outro caminho para aumentar a produção, já que as maiores reservas conhecidas estão em áreas distantes das ocupadas pelas comunidades tradicionais.
Menos de 2% dos pedidos de exploração de minerais usados em fertilizantes –potássio e fosfato– focam, hoje, terras indígenas, enquanto a maior parte das reservas está em áreas fora do bioma amazônico.
Um levantamento realizado pela ONG Instituto Socioambiental (ISA) com base em pedidos de exploração de minas feitos à Agência Nacional de Mineração mostra que apenas 1,6% dos requerimentos para potássio estão situados em terras indígenas. No caso de fosfato, representam 0,4%.
“Atualmente existem apenas 25 requerimentos minerários de sais de potássio e fosfato incidentes sobre terras indígenas, em uma área total de pouco mais de 76 mil hectares, enquanto fora dessas áreas há 4.336 requerimentos cadastrados na ANM para esses minerais, totalizando mais de 10 milhões de hectares, um território do tamanho do Estado de Pernambuco”, aponta o levantamento do ISA.
Os requerimentos minerários apresentados a ANM representam o interesse de grupos pela exploração em determinadas áreas com indícios de presença de minérios.
Nesta quarta-feira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), conseguiu as assinaturas necessárias e apresentou o pedido de urgência para votação do PL que autoriza a mineração nas terras indígenas, e vem sendo apontado pelo governo como essencial para resolver a crise de fertilizantes em meio à guerra entre Ucrânia e Rússia, que é o normalmente o principal fornecedor do Brasil.
O pedido ainda precisa ser aprovado pelo plenário mas, se o for, o PL pode ser votado ainda nesta quarta pelo plenário da Câmara. A mineração em terras indígenas é defendida de forma recorrente pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em todo país, existem 408 pedidos de exploração de potássio e 3.928 de fosfato, que somam 10,24 milhões de hectares.
Um outro estudo em andamento, esse feito pelos pesquisadores Raoni Rajão e Bruno Manzolli, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que só um terço das reservas das reservas de minerais fertilizantes estão no território da Amazônia Legal e apenas 11% teriam alguma sobreposição com terras indígenas não homologadas.
O estudo indica que a grande maioria das reservas do Brasil estaria em São Paulo, Minas Gerais e Sergipe, longe de terras indígenas ou unidades de conservação.
Em Minas Gerais, na região dos municípios de Matutina, São Gotardo, Tiros e Quartel Geral, as reservas de potássio somam 837,5 milhões de toneladas. Outras 18,6 milhões de toneladas estariam na região de Andradas, Poços de Caldas, em Minas, e Águas da Prata, em São Paulo.
Neste mês, a Verde Agritech anunciou a aceleração de seus planos de investimentos em produção de fertilizantes potássicos em São Gotardo, onde já produz. A companhia avalia que pode colaborar decisivamente para prover autossuficiência para o Brasil.
Já em Sergipe, as reservas estimadas são de 38,7 milhões de toneladas, e no Estado do Amazonas, em Nova Olinda do Norte e Itacoatiara, a conta é de 254,3 milhões de toneladas.
“A área indígena não é impedimento. Se considerar toda a área provável e produção de potássio, a sobreposição dá 11% apenas”, diz Bruno Manzolli.
“Esse PL aprovado, a expectativa que se tem não é de aumento da área de mineração de potássio, mas sim de ouro.”
O estudo de Manzolli e Rajão revela ainda que, mantida a média de aumento do consumo atual de fertilizantes, as atuais reservas, se exploradas, podem suprir a demanda brasileira por potássio até 2100.
“Se descontar as reservas na Amazônia Legal, a demanda estaria suprida até 2089”, explica Manzolli.
O maior problema da produção de potássio no Brasil, explica o pesquisador, não são autorizações ambientais ou terras indígenas, mas o alto custo inicial de produção aliado a medidas que acabam por não incentivar a produção nacional. Um exemplo é o fato do potássio importado não ser taxado, ao contrário da produção nacional, disse.
“Hoje vale mais importar do que produzir aqui, as empresas acabam desistindo”, diz Mazolli.
O governo federal planeja lançar na sexta-feira um Plano Nacional de Fertilizantes, uma vez que o Brasil importa cerca de 85% dos adubos que usa, chegando a 96% no caso do potássio.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou neste mês que o programa buscará minimizar gargalos de legislação, problemas tributários e principalmente os relacionados a questões ambientais.
Segundo a ministra, que citou um projeto de potássio em Autazes (AM) –uma área ambientalmente sensível–, o plano do governo será importante para agilizar a aprovação de licenças ambientais, pois em alguns casos “demora cinco a dez anos, e investidores acabam desistindo de explorar esse potencial”.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu)