As maiores Bolsas de valores no mundo tiveram altas expressivas em 2024 até maio. As únicas quatro que tiveram queda no ano até hoje foram: Brasil, México, França e Indonésia. No mundo, o Ibovespa foi o índice que mais caiu, acumulando queda de 10% no ano até agora. A alta do dólar no mundo sugere uma expectativa futura de corte na taxa de juros, a chamada Fed Funds rate. Nesse sentido, todas as moedas atreladas ao dólar tendem a se desvalorizar. Em parte, por tal motivo, o real se desvalorizou quase 10% no ano, ficando apenas um pouco atrás do iene, que foi a moeda que mais se enfraqueceu este ano. O objetivo deste artigo é analisar as razões (domésticas e externas) que levaram à piora da Bolsa no Brasil.

A deterioração da Bolsa brasileira pode ser explicada por dois fatores.

O primeiro é externo. O Ibovespa fechou 2023 acima dos 134 mil pontos. No entanto, os dados de emprego e inflação ainda altos nos EUA trouxeram a certeza de que o Fed não iria promover o corte esperado de juros logo no primeiro trimestre de 2024. Isto levou a uma saída de capital, pressão por desvalorização e piora do Ibovespa.

O segundo fator é consequência direta da piora fiscal da economia. Em abril, o governo federal alterou a meta fiscal de 2025 de um superávit para déficit zero. A redução da meta não foi bem recebida pelo mercado, que viu a imagem de responsabilidade fiscal do governo arranhada. O risco-país, medido pelo CDS de cinco anos, acumula alta de quase 19% no ano até maio. A deterioração do Ibovespa é resultado do aumento da percepção de risco Brasil.

O desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de obter um déficit primário de 0% este ano vai ficando distante da realidade; o mercado estima um déficit de 0,7%. A condição de sustentabilidade da dívida pública estabelece que seu montante não pode ser superior ao valor presente de todos os superávits primários futuros. Neste sentido, a geração de superávits primários é fundamental para garantir que tal condição seja satisfeita.

O déficit orçamentário atual impõe limites à atuação do Banco Central em relação à taxa de juros. Embora a inflação mais baixa possibilite a continuidade da flexibilização da política monetária, a manutenção de déficits fiscais e o aumento da dívida em relação ao PIB resultam em uma taxa de juros neutra mais alta. De fato, , as NTN-Bs tão cobiçadas pelo mercado começam a ser influenciadas pela percepção do risco fiscal, negociadas com maior prêmio sobre o IPCA. E, quando marcadas a mercado pelos fundos que investem nestes títulos, acabam causando rendimento negativo. Tome-se, por exemplo, o IMA-B5+ (são os títulos públicos indexados ao IPCA com vencimento superior a 5 anos), que teve rendimento negativo de quase 3% no ano até final de maio. De um lado, é preocupante, pois tais títulos representam uma busca de proteção contra a inflação. De outro, com a deterioração fiscal e a perspectiva de piora da inflação, alguém que tenha comprado um título com rendimento de 5,5% acima da inflação (IPCA) deixa de ter a oportunidade de adquirir o mesmo título com rendimento de 6,5%, daí o rendimento negativo.

A deterioração fiscal no Brasil explica boa parte da queda do Ibovespa. A ausência de regras fiscais críveis e a dominância fiscal são os determinantes principais da história. No clássico Some Unpleasant Monetarist Arithimetics, Sargent & Wallace (1981) postulam uma verdade universal que às vezes é esquecida: em economias com dominância fiscal (quando o Banco Central está subindo juros para coibir a inflação, mas o governo continua gastando e aumentando o déficit fiscal) a alta de juros pode levar à alta de inflação. Quando a autoridade monetária está sozinha no combate à inflação, a alta de juros terá que ser muito maior para produzir igual impacto na inflação. O mercado irá reverter tal percepção negativa e a Bolsa poderá parar de cair apenas se o governo sinalizar uma mudança de comportamento: de um sistema discricionário para um pautado por regras fiscais críveis e cabíveis de serem implementadas num horizonte temporal factível.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.