29/08/2024 - 10:15
Por Allan Ravagnani
De seu escritório em Mountain View, Califórnia (EUA), próximo à baía de San Francisco, onde está localizado o Vale do Silício, Jeff Maggioncalda, CEO da Coursera, uma das maiores plataformas de estudos on-line do mundo, conversou com a DINHEIRO sobre Inteligência Artificial, seus impactos na sociedade e os próximos passos da expansão da companhia no Brasil, onde pretende elevar o número de alunos com a tradução para o português brasileiro de milhares de cursos da plataforma. Criada em 2012 por dois professores de Ciência da Computação da Universidade de Stanford, a edtech tem parceria com mais de 400 universidades e outras centenas de empresas para oferecer conteúdo educacional, com o objetivo de treinar o máximo de pessoas possível, com conteúdo de qualidade.
DINHEIRO — Podemos dizer que a Coursera é uma das maiores edtechs do mundo, certo?
Jeff Maggioncalda — Sim, é verdade. Devemos ter mais alunos do que qualquer outra empresa no mundo. São 155 milhões de alunos registados. No Brasil, temos 6 milhões. E vemos que é quase meio a meio entre homens e mulheres, 53% homens, 47% mulheres. A idade média é de 33 anos. O Brasil está em quarto lugar em termos de número de alunos. Primeiro Estados Unidos, seguido de Índia, México, e depois o Brasil.
Recentemente, o Brasil foi avaliado pela Coursera como o país mais qualificado da América Latina para Inteligência Artificial. Quais são as estratégias para continuar expandindo e melhorando o acesso à educação digital por aqui?
Muito do que fazemos está relacionado à missão da empresa, que é criar acesso à educação de alta qualidade, em qualquer lugar. Então, grande parte de nossa estratégia é criar cursos realmente bons com as principais universidades e empresas. Temos a Universidade de São Paulo como uma das nossas principais parceiras. Os cursos geralmente são nas áreas de negócios, tecnologia e ciência de dados. Recentemente, traduzimos 4,7 mil cursos para o português brasileiro usando IA. Agora, eles estão disponíveis para qualquer pessoa no Brasil que tenha uma conexão com a internet. Um dos motivos pelos quais estamos focados aqui é que Brasil, com 200 milhões de pessoas, se tornou um enorme banco de talentos para empresas do mundo todo. Vemos que os empregos em TI, principalmente, são muito populares no Brasil.
No Brasil, temos algumas barreiras importantes, como o idioma, a falta de banda larga em grande escala e a moeda depreciada. Como superar esses desafios?
Em relação à língua, isso é relativamente fácil. Usamos tradução automática com IA. Como eu disse, 4,7 mil cursos já estão disponíveis em português brasileiro, o que deve resolver em grande parte a barreira linguística. Em termos de acesso, quase todos os cursos podem ser acessados por celulares. Você pode baixar o curso de um hotspot wi-fi e fazê-lo mesmo quando não tiver conexão com a internet ou energia. A capacidade de aprender em um celular, mesmo off-line, é uma maneira importante de ajudar com a questão da acessibilidade à banda larga. Em relação às finanças e à taxa de câmbio, estamos começando a introduzir outros métodos de pagamento. Temos geopricing, que em vários países os cursos podem ser mais baratos com base na renda per capita. Vamos implementar isso também em outras moedas. Estamos trabalhando nessa parte. Mas, mesmo hoje, você pode obter ajuda financeira na plataforma. Se você não tiver dinheiro, pode solicitar bolsa.
“Uma pessoa com conhecimento em IA com certeza deverá substituir uma pessoa que ainda não tiver, será um pré-requisito do mercado de trabalho”
Você vê algum potencial para o Brasil superar o México em número de alunos?
Sim. Estamos trabalhando com seis universidades, FIA Business School, Fundação Lemann, Insper, USP… Além de 110 clientes corporativos, como Petrobras, Porto Seguro, entre outros. O Brasil é tão grande e com uma população tão jovem que, se conseguirmos superar as barreiras que você mencionou, pode se tornar o maior da América Latina na plataforma. O México tem 7 milhões de alunos, enquanto o Brasil tem 6 milhões. Não estão muito distantes.
Quantos na Índia?
Mais de 26 milhões. Será muito difícil ultrapassar a Índia.
Você pode nos explicar como IA generativa pode mudar a experiência de aprendizado?
Estamos fazendo muitas coisas. Uma delas é a tradução de idiomas. Podemos fazer com que os cursos estejam disponíveis em várias línguas. Outra é o Coach. [assistente virtual] Um exemplo é esse curso, que foi um professor da Vanderbilt que criou. É voltado para líderes universitários sobre IA generativa. Se você for a um dos vídeos, tem um botão escrito Coach, onde o aluno pode clicar e haverá um tutor para ajudá-lo. Pode pedir um resumo, e o Coach vai dar um resumo do vídeo. Pode perguntar coisas, conversar com o tutor…
E sobre as provas e avaliações. Como são feitas?
Muito interessante. Se for para o módulo de avaliações e estiver pronto para fazer um teste, haverá um para ser feito. Pode pedir ajuda para praticar. O Coach vai ler e ajudar, vai fazer perguntas, dar feedback. É como um parceiro de estudo. E antes de fazer o teste, ele pode ajudar a entender os conceitos e fazer perguntas sobre eles. Muitas pessoas gostam de praticar antes da prova. Outra coisa que a IA generativa pode fazer é corrigir as avaliações. Ele é como um assistente que pode ensinar coisas, explicar, corrigir trabalhos e ajudar a praticar.
Você pode explicar um pouco sobre como evitar fraudes nos exames?
Há muitas coisas que fazemos para isso, que chamamos de integridade acadêmica. Existem várias maneiras de as pessoas tentarem trapacear. Uma delas é tentar pular o vídeo sem realmente assistir ao material. Então, podemos bloquear as avaliações até que a pessoa tenha assistido aos vídeos. Muitos alunos tentam plagiar, e existe uma detecção de plágio, onde verificamos o trabalho de todos em um banco de dados disponíveis. Às vezes, as pessoas tentam usar outros sites para trapacear. Temos a capacidade de fazer uma fiscalização, onde ligamos a webcam para garantir que a pessoa está focada na tela do computador. Também podemos bloquear o navegador para que não possam acessar o Google ou outros sites. Às vezes, as pessoas contratam outra pessoa para trapacear. Temos verificação de identidade para garantir que a pessoa que está fazendo o teste é realmente a que deveria fazer. Os instrutores geram perguntas personalizadas que ninguém jamais viu antes.
E isso basta?
Temos mais soluções. Como um processo de entrevista, em que, após o aluno enviar suas respostas, o Coach aparece e entrevista o estudante sobre a questão. Nesse caso, alguém acabou de enviar uma tarefa escrita e o Coach começa a perguntar sobree ela. Diz: “Ok, você acabou de enviar essa tarefa, vou perguntar sobre seu processo de pensamento: como você decidiu escrever sobre esse tópico? Como você obteve os dados para fazer o ponto que você fez?” É como uma chamada oral que testa o pensamento do aluno. Agora, muitas empresas estão tentando usar IA para identificar se a IA criou o conteúdo. O que estamos fazendo é usar a IA para entrevistar o aluno e perguntar sobre seu processo de pensamento. Se você trapaceou e não fez seu próprio trabalho, será muito difícil passar por esse quiz oral sobre ele. Essa é outra técnica que acabamos de desenvolver.
E como você vê a adoção da IA moldando o futuro do trabalho? Quais desafios as empresas enfrentarão nessa transição? A IA pode tirar os empregos de professores?
Acho que a IA vai impactar todos os trabalhos, todas as empresas, todos os países, todas as indústrias. As empresas realmente terão de adotar a IA generativa. Elas precisarão fazer isso porque os clientes poderão obter um serviço muito melhor e mais personalizado. E os funcionários podem ser muito mais produtivos se usarem também. As empresas precisam ensinar seus funcionários. A boa notícia é que lançamos a Academia de IA Generativa, já traduzida para o espanhol e português. São cerca de 400 cursos sobre IA. Os empregadores podem contratar a Coursera e usar esses cursos que são do Google, Stanford, IBM e outras empresas. Eles podem treinar seus funcionários sobre como usar a IA.
Isso me parece sedimentar a ideia de que a IA vai tirar empregos, não?
Sim, a IA substituirá certos empregos. Mas substituirá em ritmo e taxas distintas. Uma maneira de pensar sobre isso é que qualquer trabalho que envolva linguagem, som, imagens e vídeos provavelmente será impactado primeiro. Muitas pessoas do suporte ao cliente também. Mas, em geral, a IA não substituirá todo o trabalho. Ela automatizará certas tarefas se as pessoas aprenderem a usá-la. Algumas pessoas dizem que a IA não substituirá o emprego de alguém, mas outra pessoa usando IA pode substituir uma pessoa que não está usando. Até certo ponto, é uma ampliação das capacidades humanas. E as pessoas precisam aprender essas habilidades, porque isso será algo necessário: saber como usar a IA para fazer seu trabalho. Uma pesquisa da Microsoft apontou que mais de 70% dos líderes disseram que preferem contratar alguém com menos experiência, mas que saiba usar IA, do que alguém com mais experiência e que não saiba usar IA.
“Empresas precisam entender que, com IA, os clientes podem ter serviços mais personalizados e que seus funcionários podem ser ainda mais produtivos”
Nas finanças, a receita da Coursera cresceu dois dígitos em 2024 e já havia crescido 22% em 2023. Qual é o principal fator que impulsiona esse crescimento?
Mudança. Se o mundo não estivesse mudando, as pessoas não precisariam aprender coisas novas. Gosto de dizer que a taxa de mudança determina a taxa de aprendizado necessária. Se as coisas estão mudando mais rápido, as pessoas precisam aprender novas coisas mais rápido. E à medida que a tecnologia muda a forma como os trabalhos são feitos, mais e mais pessoas precisam aprender essas coisas. Uma das coisas que têm impulsionado nosso crescimento é como a tecnologia está mudando a forma como as empresas funcionam e como clientes compram as coisas. Outro fator é a tradução de cursos para mais idiomas.
E a inflação é um problema?
Sim, a inflação tem impacto negativo sobre nós nos EUA, e em outras partes do mundo também. As pessoas nos EUA estão segurando um pouco seus gastos porque os preços estão mais altos. Isso torna mais difícil para quem vende algo. Dito isso, não aumentamos nossos preços. Então, comparado a Netflix ou gasolina, a Coursera está mais barata agora do que estava há alguns anos.