DINHEIRO ? O seu setor, o de embalagens plásticas, é um dos primeiros a  sentir a aceleração e desaceleração da economia brasileira. Esse processo leva quanto tempo?
HABERFELD ? Essa percepção demora entre dois e três meses. Por este motivo, não vejo nenhum motivo para qualquer preocupação. A economia está em expansão e já vejo um verão forte, porque os acordos coletivos salariais estão repondo a inflação e alguma perda de rendimento. Nesse caminho, a Dixie Toga deverá encarar um crescimento da demanda pela frente. Por isso, prevejo um incremento de 5% na receita da empresa no próximo ano, que deverá faturar algo como R$ 1,1 bilhão em 2004. O desempenho deste ano também já demonstra um bom aumento. É algo como 4%.

DINHEIRO ? Qual a avaliação que o sr. faz da política macroeconômica do governo Lula?
HABERFELD ? Eu estou preocupado porque todas as reformas necessárias ainda não caminharam. A reforma tributária, classificada como um avanço, aumentou os tributos. Isso gerou mais sonegação e informalidade. Na reforma trabalhista, que estão tentando colocar em pauta no ano que vem, eu só vejo pressões contrárias de todos os lados. A questão do judiciário demanda também uma reforma e nada acontece. Na previdência, fizeram uma pequena modificação, mas nós estamos fadados a continuar com problemas na aposentadoria. Não aconteceu nada no projeto Fome Zero. No campo das reformas, o governo Lula está muito mal. Por isso, defendo as políticas do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Até porque qualquer coisa que for feita diferente nesta área trará a inflação de volta, queiram ou não os meus companheiros do meio empresarial. Qualquer modificação na atual política econômica vai nos levar ao passado, que era crescimento com inflação. Isso deteriora o poder de consumo da classe menos favorecida.

DINHEIRO ? O sr. defende a atual política de juros?
HABERFELD ? Eu a defendo, porque não está sendo feito o restante: as reformas. Só com a implantação dessas medidas haverá espaço para modificar a taxa de juros e a política econômica do governo. Uma depende da outra.

DINHEIRO ? Com uma política tão ortodoxa, qual é a razão da grande popularidade do governo Lula?
HABERFELD ? O fato é que o presidente está acima do partido. Isso é fruto do seu carisma e da sua inteligência. O Lula é um estadista, porque tem um posicionamento correto. Ele foi um dos primeiros a defender a Líbia. Defendeu abertamente o presidente venezuelano Hugo Chávez. Você pode ser a favor ou contra Chávez, Bush ou Líbia, mas no final das contas as posições desses líderes se mostraram corretas. O presidente Lula não apoiou causas perdidas. Isso é posição de estadista. Você não vê o presidente fazendo discursos no estilo porta de fábrica, como outros governantes brasileiros fizeram no passado. Lula usa uma técnica simples. Ele divide para governar. Mesmo quando há no governo lados que pensam diferente.

DINHEIRO ? Quais são os dois lados do governo Lula?
HABERFELD ? O ministro Palocci é o econômico. O outro lado, por exemplo, é a ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, e o ministro da Casa Civil, José Dirceu. Essas pessoas são muito voltadas ao social ou à questão antiga de distribuir os bens, de dividir. O presidente Lula deixa essa situação transcorrer normalmente e amaina problemas. A gente viu isso recentemente. A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, perdeu a eleição e já invadiram os prédios. Por que não invadiram antes, quando a Marta estava no governo? Simples, porque a Marta equilibrava um pouco. Agora houve a invasão, porque vai entrar alguém mais duro.

DINHEIRO ? O crescimento econômico do País é um vôo de galinha?
HABERFELD ? Não, não é um vôo de galinha, caso a situação internacional continue tranqüila. Isso porque se o petróleo alcançar US$ 100 ou se acontecer mais uma guerra, esqueça. Não será vôo de galinha, será um submarino, porque o Brasil e todos os países vão para o fundo. Agora, em condições normais, não será um crescimento rápido, porque as exportações estão muito positivas e as importações também estão crescentes. Isso mostra que o mercado interno está melhorando. Se é formal ou informal, é outra discussão. Mas nessa condição atual de estrutura tributária e jurídica, nós nunca vamos conseguir crescer 6% ou 7% ao ano. No máximo, 4%. Nós devemos incrementar a nossa economia em 5% neste ano, porque não crescemos nada em 2003. A inflação também precisa ficar no máximo em 8% e não pode entrar nos dois dígitos, porque automaticamente haverá a indexação. O Brasil ainda tem a memória inflacionária encravada em uma geração.

DINHEIRO ? Qual é a perspectiva futura, levando em consideração esse cenário?
HABERFELD ? Nós vamos crescer 5% neste ano e logo o governo sobe a taxa de juros para dar uma esfriada. Esse expediente será usado até a finalização das reformas, porque o governo Lula será obrigado a fazer as reformas. O Brasil sempre resolve os problemas quando está com a corda no pescoço. O Plano Real só surgiu por aqui após nove planos. Então, quando a informalidade alcançar
cerca de 60% da economia brasileira, que deverá acontecer em dois ou três anos, o País tratará do assunto.

DINHEIRO ? O sr. acredita na reeleição do Lula?
HABERFELD ? Eu não tenho a menor dúvida. Ele tem carisma e está fazendo um governo equilibrado.

DINHEIRO ? O que vai mudar no relacionamento entre Brasil e EUA, após a vitória de George W. Bush?
HABERFELD ?Eu acho que não vai mudar grande coisa, porque já havia muito progresso nessa relação. Nós temos duas situações, que mostram bem isso. Uma delas foi a nomeação de John Danilovich como embaixador dos EUA no Brasil. Ele é amigo pessoal do presidente Bush e possui uma ligação direta com o secretário americano de Estado, Colin Powell. Portanto, estava se iniciando um trabalho íntimo no comércio entre os dois países, que não será interrompido. E é isso que interessa ao Brasil, que não precisa se preocupar com aspectos políticos. Deixemos a parte política para as nações do primeiro mundo. O negócio dos Estados Unidos aqui é comércio e o americano é movido a dinheiro.

DINHEIRO ? Qual é o jogo que está à mesa, após a visita do Colin Powell?
HABERFELD ? Devemos entender que eles querem forçar a continuidade das tratativas comerciais com o Brasil. A preferência é a Alca (o acordo de livre comércio nas Américas) e há uma clara percepção que o País é fundamental na negociação.

DINHEIRO ? Qual será a contrapartida dos Estados Unidos?
HABERFELD ? Os americanos estão dispostos a negociar parte dos subsídios concedidos à agricultura, como na questão do açúcar. No aço, eu acredito que eles vão suspender uma série de limitações. Também deverá se estender aos calçados, como tirar o limite à exportação desses produtos. Isso tudo pode ser conseguido se o Brasil der alguma contrapartida. Nós devemos, por exemplo, implementar com mais ênfase a questão dos direitos autorais, que já começou com a prisão do contrabandista chinês Law Kim Chong e a efetiva ação da Polícia Federal em diversos setores. Os americanos querem a aplicação das leis.

DINHEIRO ? Que benefícios a Alca traria ao Brasil?
HABERFELD ? Eu vejo dois benefícios. Primeiro, a abertura dos mercados americano e latino-americano para o País. Além disso, nós teríamos muito mais concorrência no Brasil, o que diminuiria a força dos oligopólios e monopólios que fazem acordos de preço porque não têm concorrência. Então, você começaria a ter no mercado mais atores e isso reduziria a pressão inflacionária, o que abriria chance para a queda da taxa de juros e baratearia o capital. A soma desses fatores resultaria no crescimento do País. Mas é óbvio que os grandes grupos vão protestar sobre o assunto. Vão dizer que não estão preparados e que serão massacrados. É conversa para boi dormir.

DINHEIRO ? O governo Lula quer mesmo a Alca?
HABERFELD ? Eu acredito que o alto escalão está disposto, mas há rejeições nos demais níveis. Agora, o Brasil estará cometendo um erro monumental se deixar de fazer acordos comerciais e a Alca é apenas um deles, porque o outro é com a União Européia. O Chile, por exemplo, tem mais de 20 acordos comerciais. O México tem mais de 30 tratativas e o Brasil tem dois, que são mal feitos. Um é a Aladi, a Associação Latino-Americana de Integração, que nem deveríamos chamar de acordo. E o outro é o Mercosul, que está fazendo água.

DINHEIRO ? Por que?
HABERFELD ? O problema reside na direção da Argentina. O presidente argentino Néstor Kirchner está praticando o populismo barato, que defende empresas totalmente não competitivas. É um erro grosso. O Brasil não deseja perder a posição Mercosul, porque no fundo é melhor ter quatro em vez de um país à mesa de negociação. Então, está fazendo o possível e o impossível para demover a Argentina desse caminho e trazê-la de volta ao bloco comercial. Mas é muito difícil usar o bom senso, quando uma nação passa por uma grave crise econômica. Agora, existe 50% de chances de o Mercosul acabar no futuro. É um índice alto, mas na política tudo é passível de mudança.

DINHEIRO ? Como o sr. enxerga o governo Lula no cenário externo?
HABERFELD ?Acredito que está absolutamente correto. E ainda aposto que vão começar a forçar mais a negociação da Alca, após a eleição de Bush. O motivo é simples. O governo está percebendo que se a Alca caminha, a comunidade européia negocia com o Brasil. É automático. A partir desse entendimento, surgirão várias oportunidades e o Brasil poderá questionar os subsídios agrícolas europeus, que não são fáceis de serem vencidos.

DINHEIRO ? Como a sua empresa se encaixa nesse cenário de blocos econômicos?
HABERFELD ? Primeiro, temos que estar em países que tenham acordos comerciais. Se o Brasil não os tem, a Dixie Toga precisa tê-los. Sob esse aspecto, Chile e México são interessantes. A idéia é comprar algum concorrente importante. A busca é por grupos que faturem algo como US$ 30 milhões por ano. Temos US$ 20 milhões à disposição para realizarmos nossos investimentos em 2005.