22/08/2025 - 12:35
Uma brasileira com residência em Portugal foi deportada ao Brasil depois de ser barrada pela polícia portuguesa no Aeroporto Internacional de Lisboa, na última terça-feira, 19. Moradora de Cascais, cidade próxima da capital, ela voltava de uma viagem para o Recife (PE) com a família, quando foi impedida pela Polícia de Segurança Pública (PSP) de entrar no território luso. A reportagem entrou em contato com a PSP e a Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima) e aguarda o retorno das entidades.
A brasileira foi separada do marido e dos filhos pequenos, de 8 e 6 anos, mantida sob a custódia das autoridades portuguesas e obrigada a retornar para o Brasil no dia seguinte, na quarta-feira, 20, depois de 30 horas de espera.
Segundo a polícia portuguesa, a mulher foi barrada por não dispor da documentação necessária para morar legalmente em Portugal e porque ela já tinha ultrapassado os 180 dias de estadia no país, tempo que ela tinha de permissão para viver lá.
A defesa dela nega a situação de ilegalidade e afirma que a brasileira estava com o processo de autorização de residência em andamento. Alega ainda que essa regularização não saiu ainda por falta de organização do sistema de imigração português, que não deu conta de emitir a documentação necessária antes do prazo final dos seis meses que ela poderia ficar.
De acordo com as advogadas da família, Tatiana Kazam e Rafaella Lobo, a brasileira está “protegida por uma intimação de Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias”, um recurso judicial que força um órgão – público ou particular – a tomar uma decisão de modo a garantir o exercício do direito de uma pessoa em tempo útil.
O marido da brasileira, o advogado e administrador de empresas Hugo Silvestre, chegou a Portugal com visto de residência e carimbo no passaporte, há cerca de dois anos e seis meses. Com a documentação regularizada, ele tentou obter junto à Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima) a sua carteira de residência definitiva.
É esse documento que permite aos moradores em Portugal solicitar o chamado “reagrupamento familiar”, que autoriza a vinda de parentes para o país. Contudo, segundo a defesa, a Aima atrasou os processos e concedeu a Silvestre apenas uma carteira provisória, insuficiente para integrar sua família.
“No fim do ano passado recebi um convite da Aima para ir na agência e regularizar a situação, receber a minha carteira definitiva, e pretendia aproveitar para dar entrada no reagrupamento familiar”, contou Silvestre ao Estadão. “Mas, chegando lá, fui barrado e me informaram que o convite havia sido enviado por engano, por erro no sistema.”
A família, então, recorreu à Justiça portuguesa, que concedeu liminar determinando à Aima que emitisse um convite válido. Segundo a defesa, a agência demorou a se manifestar e apenas após nova petição, em maio, respondeu que Silvestre receberia a carteira, mas que deveria aguardar.
Com a proximidade da viagem ao Recife, as advogadas protocolaram petição informando à Justiça e à Aima que os brasileiros deixariam Portugal por alguns dias. No entendimento da defesa, a deportação não deveria ocorrer, pois o processo de regularização estava em andamento, com conhecimento do Judiciário.
“Se ela entrou e não tinha nenhuma residência, nenhum visto, não poderia ficar após seis meses. Mas ela tem o marido regularizado e estava tentando tirar a residência, não ficou de braços cruzados. Só que ela não conseguiu”, disse Tatiana.
“Então é muito fácil falar que os 180 dias foram superados, mas ela tinha um processo de residência em curso que lhe daria o direito de ficar mais tempo se tivesse sido feito no tempo certo. Mas, como a Aima não dava a situação resolvida, a pessoa acaba ficando mais tempo do que pode”, acrescentou.
Sob custódia das autoridades
A deportação da brasileira acontece em um momento de endurecimento das regras para imigrantes em Portugal.
Na esteira da aprovação de novos pacotes de lei anti-imigração, entrou em funcionamento nesta quinta-feira, 21, a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (Unef), uma força de segurança criada com a missão de fiscalizar fronteiras e deter pessoas que tentarem entrar no país sem autorização. A nova polícia já é apelidada de “Polícia Estrangeira”.
O caso da brasileira, contudo, não envolveu a Unef, que ainda não estava ativa. A decisão foi tomada pela própria Polícia de Segurança Pública (PSP).
Segundo Silvestre, a família desembarcou em Lisboa às 9h45 (hora local) de terça-feira e aguardou cerca de duas horas na fila da imigração, quando foi surpreendida pelo bloqueio à entrada da esposa. “Não entendemos. Avisamos à Aima e à Justiça que sairíamos de Portugal para ir ao Brasil. Ficamos sem compreender o que estava acontecendo”, relatou Silvestre.
A brasileira foi conduzida a uma sala de apoio, onde prestou esclarecimentos à polícia. Os filhos, embora também sem autorização legal definitiva, foram liberados e permaneceram com o pai no saguão do aeroporto.
“Ficamos até as 3h da madrugada, quando voltei para casa com as crianças, enquanto ela permaneceu retida. Não me deixaram vê-la. Pela lei portuguesa, seria permitido o acompanhamento de advogado, mas, mesmo eu sendo advogado inscrito em Portugal e habilitado para atuar em toda a União Europeia, não autorizaram minha presença”, desabafou Silvestre.
As únicas pessoas que conseguiram contato com a brasileira foram suas advogadas, Rafaella Lobo e Tatiana Kazam. Segundo elas, todos os documentos que comprovavam o andamento do processo de residência foram apresentados, mas a PSP não os considerou.
“Pela forma como respondiam, parecia que não conheciam a lei em vigor, nem a Lei de Estrangeiros ou o andamento do processo”, disse Rafaella Lobo. “Violaram preceitos da Constituição Portuguesa, da União Europeia e da Carta de Direitos Humanos”, acrescentou.
A brasileira foi colocada em um voo de volta ao Brasil por volta das 20h de quarta-feira, horário local. Entre a chegada à sala de apoio e o embarque, passaram-se quase 30 horas.
Segundo Silvestre, a esposa “não está bem” e encontra-se “emocionalmente destruída”. “Ela está muito triste e recebendo apoio psicológico. Nunca havia ficado afastada dos filhos e agora não tem certeza de quando poderá revê-los”, lamentou.
As advogadas afirmam ter ajuizado recursos administrativos e judiciais para reverter a deportação e buscam junto a órgãos ministeriais de Portugal uma autorização que permita o retorno da brasileira a Portugal e o reencontro com a família.