O executivo brasileiro Cássio Nogueira passou sete dias em Trípoli, capital da  Líbia, em meio às manifestações contra o regime político de Muamar Kadafi. Nogueira é funcionário da Odebrecht e estava no país trabalhando no projeto do novo Aeroporto Internacional de Trípoli. 

Entre 19 e 27 de fevereiro, enquanto aguardava a liberação para voltar ao Brasil, o paraibano Nogueira trocou e-mails com a família e amigos, de João Pessoa. Os principais trechos dessa espécie de diário de bordo revelam preocupações, tensões e temores com o agravamento da realidade percebida por Nogueira, que já está no País.    

 

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19 de fevereiro

 

“Bom dia, gente!!! Só dando sinal de vida. A internet no país já foi cortada. Ainda temos um pouco aqui no projeto. Já não consigo mais nem receber no hotmail, muito menos usar o Skype. Ainda não bloquearam a internet no celular, mas creio que será questão de tempo. 

 

Muitos na empresa já nem conseguem receber e-mails pela Odebrecht. Pode ser que nas próximas horas cortem as telecomunicações internacionais. O monitoramento tá se acirrando, mas o clima aqui tá tranquilo, nenhum sinal de protesto. 

 

Enfim, se eu der uma sumidinha, NÃO SE PREOCUPEM! ESTÁ TUDO BEM! O trabalho segue normalmente. De qualquer forma, o passaporte já está no bolso e com visto válido, em caso de emergência. Enquanto puder, seguirei dando notícias. E vamos torcer pra que volte ao normal o quanto antes!

Bjos em todos! Saudades!

 

21 de fevereiro  

 

Depois de alguns dias no escuro, com os meios de comunicação, celulares e wi-fi extremamente afetados, apareceu uma brecha de internet, aqui em Trípoli. Muito lenta, mas melhor do que nada. Estou bem, ainda sem nenhum arranhão, firme e forte!!! 

As notícias que estão chegando a vocês não devem ser nada animadoras. É verdade, a casa está caindo. O movimento está se espalhando rapidamente, já chegou em Trípoli, e de uma hora para outra o quadro virou de cabeça para baixo.

 

Quem conseguir tomar conta do petróleo vai reinar no país. O Tiozão (NR: o ditador Muamar Kadafi) vai ter que se garantir muito para que fique tudo como está. Nossa obra parou hoje. Apenas os expatriados foram trabalhar.  No decorrer do dia, percebemos que foi em vão. O que se viu foi um monte de baratas tontas passando pelos corredores com o telefone ao ouvido procurando uma saída. Alguns entrando em pânico, outros permanecendo calmos. Um pouco de paciência para todos nós. Vai tudo terminar bem! 

Abraços e beijos a todos. 

 

21 de fevereiro 

 

Passo para comunicar que amanhã logo cedo estaremos deixando nossas casas de vez. Vamos nos agrupar em um local mais seguro, da empresa. Ainda não sei qual e nem sei ao bem em que tipo de situação de moradia será. Mas o importante é que todo mundo fique junto. 

 

Todos vamos dormir com um olho aberto. No mais, tudo está muito bem! E vamos começar a fugaaaaaa! Pai, lembra daquele filme da década de 80, com Kurt Russel. Fuga de Nova York? Vai ser nesse estilo!!! 

Bjos., KK

 

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Fuga em massa: refugiados na fronteira entre a Líbia e a Tunísia

 

22 de fevereiro 

 

Ao nascer do sol, abandonamos nossas casas. Estava frio e chovendo. Bom para acalmar os ânimos. Esquece tevê de LCD, esquece equipamento de som, esquece os móveis, esquece o violão, esquece o carro. Ficou tudo pra trás, e quer saber?  Nada disso faz a mínima falta! O que faz falta está do outro lado do oceano: pai, mãe, irmã, avó, tios, primos, a bailarina, os amigos, praia do Cabo Branco, a comida de Fátima… e minha casinha no bairro dos Estados (João Pessoa).

 

Pegamos apenas o essencial e partimos. Engraçado como tem gente que em um momento desses acha que uma mala com 20 pares de sapatos seja essencial. Que vontade de tocar fogo nessa mala! Enfim, partimos num comboio em direção a nossa base..

 

 

26 de fevereiro 

 

(…) Às 10:00 chega o comboio. Mais uma retirada para nossa base. Logo que chegamos lá, recebemos a boa notícia: o espaço aéreo está liberado.  A adrenalina sobe mais ainda. O horário programado para o avião, um 747-300, chegar a Trípoli é às 14:00. Corremos na frente para montar o sistema de comunicação no nosso camping, perto do aeroporto para poder mobilizar os  cerca de 385 expatriados até lá.  

 

(…) Todos nós, reunidos em uma sala, aguardando ansiosamente pela informação de pouso do avião. 20:00… 

nada; 21:00… nada;  22:00 … nada;   Até que, enfim, ligaram dizendo que o avião estava em manutenção em Malta. O novo horário de chegada seria 02:00 da  madrugada.

 

Chegou então o momento de todos irmos ao aeroporto. Há dias já estávamos sabendo que lá estava um caos total. Milhares de pessoas acampadas na área externa, em tendas improvisadas com panos, lixo para todo lado. Uma visão de miséria total. Chegar perto do terminal? Nem pensar. Só com algum tipo de ajudinha extra.

 

A tática foi utilizar a política brasileira da boa vizinhança. Quem não gosta de brasileiros? Todos vestimos camisas da seleção ou com as cores da bandeira. Grampeamos e amarramos bandeiras nas malas. 

 

 

28 de fevereiro

 

Por volta das 08:00 da manhã, chegou a notícia de que o avião estava pousando. Começamos a entrar aos poucos. Por cima da confusão, nosso check-in teve início. Já era perto de meio-dia. Peguei minha passagem e respirei com um tremendo alívio. O processo daí em diante foi rápido e tranquilo. 

 

Nosso voo decolou às 14:00. Quando o avião tirou as rodas do chão, uma breve comemoração. Depois o silêncio tomou conta até o destino. O cansaço falou mais alto. Em Malta, fizemos aquela megarrefeição, demos uma boa dormida num belo hotel e, no dia seguinte, seguimos para Portugal. Beijos e abraços a todos! Cássio”