Quando Marcus Nagem Jr. e Ivanice Campos embarcaram para Miami, em abril, as compras e passeios estavam em segundo plano. O foco era a maternidade. O casal viajou para dar à luz a primeira filha, Ivi, nos Estados Unidos.

Todo bebê que nasce em solo americano recebe a cidadania local, o que pode abrir portas nos colégios e universidades no futuro, na opinião do casal. Para isso, eles desembolsaram R$ 100 mil só com a cesárea (parto normal custa R$ 80 mil). A conta chega perto dos 250 mil ao adicionar hospedagem, alimentação e transporte na cidade da Flórida por cerca de dois meses.

O parto no exterior foi a realização de um sonho do pai, empresário do setor imobiliário em Minas que se apaixonou pelos EUA já na sua primeira viagem ao país, em 1997. Ivi nasceu no dia 10 de maio com 4 quilos e está bem. “Não considero um gasto. É um investimento no futuro dela”, diz ele.

Os chineses estão entre os que mais procuram esse tipo de serviço, seguidos por russos, coreanos e mexicanos. Nos últimos anos, o número de brasileiros tem crescido. Todo o procedimento é permitido pela legislação americana.

Essa procura inspirou o pediatra brasileiro Wladimir Lorentz a criar um serviço especializado em grávidas estrangeiras. Formado em Nova Orleans e residente nos EUA há mais de 30 anos, o médico notou o número de estrangeiros – em particular, russos -, que viajam aos EUA só para ter o filho.

Assim, ele deixou a clínica pública onde trabalhava, fez uma sociedade com dois obstetras (um colombiano e um equatoriano) e criou em 2015 o programa “Ser mamãe em Miami”, um dos pioneiros no oferecimento de serviços integrados em obstetrícia e pediatria a gestantes estrangeiras.

No ano passado, Lorentz diz ter recebido 250 famílias, especialmente da América Latina e Oriente Médio – metade delas brasileiras. São em média 13 famílias por mês, entre políticos, empresários e fazendeiros. Até celebridades como o vereador Thammy Miranda (PL-SP) e a cantora Claudia Leitte estão na lista.

Há serviços semelhantes em outras cidades americanas. A Macrobaby, megaloja de produtos infantis, oferece assessoria para grávidas em parceria com clínicas e hospitais de Orlando. Existem seis pacotes disponíveis, mas a empresa não divulga os valores. Também é possível contratar médicos e hospitais isoladamente.

Quem opta por ter filho nos EUA pensa em facilitar o acesso aos melhores colégios e universidades americanas. É um investimento na educação, segundo o casal baiano Isis Barreto, de 34 anos, e Jackson Araújo, de 30.

Os dois viajaram no fim de 2022 para que o primeiro filho, Kaleo, nascesse em Miami. “Muitas famílias deixam herança para os filhos. Deixamos essa oportunidade para ele fazer o que quiser. É um investimento no futuro dele desde o nascimento”, diz Isis, que é enfermeira.

Planejamento

Ser remunerado em real no Brasil, mas realizar os sonhos em dólar, com cotação de cinco para um, exige planejamento. O primeiro passo é se organizar financeiramente para ficar entre dois e três meses nos EUA – período recomendado para as primeiras vacinas dos bebês.

Para que Bella nascesse no fim do ano passado, o empresário Vitor Matuoka, de 29 anos, e a nutricionista Gabrielle Martins, de 26, adiaram a troca do carro – eles queriam substituir o Volkswagem Jetta por um SUV blindado.

Na viagem, os dois alugaram uma casa pela plataforma Airbnb – o valor saiu por cerca de US$ 3 mil – e decidiram fazer a maior parte das refeições em casa. Segundo Matuoka, comer fora em Miami, no fim do ano, não sai por menos de R$ 500 para os dois. Sem bebidas.

Contas astronômicas

A experiência de parir fora do País pode ter dissabores. Uma grávida que prefere não se identificar diz que a conta hospitalar subiu de R$ 30 mil para R$ 117 mil em Orlando porque o filho precisou de cuidados adicionais e ultrapassou as 48 horas previstas no contrato.

Também há problemas relacionados às práticas médicas. Uma paciente de Miami reclama que a cesárea foi feita com um corte grande e alto, costume americano. Alguns usam até grampos para finalizar o procedimento – normalmente, os médicos latinos fazem a incisão menor e mais baixa. Além disso, há a dificuldade do idioma. Mesmo quem fala inglês com fluência esbarra em termos técnicos complicados.

A ginecologista Karen Rocha De Pauw, especialista em Reprodução Humana pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, recomenda que as famílias comecem o pré-natal cedo, no Brasil, e que façam a viagem perto da 28.ª semana, quando já há maior segurança sobre partos prematuros. “Sugiro que elas (as gestantes) viajem antes para conhecer o médico e o hospital. Não é só chegar e fazer o parto. Pacientes que vão para Estados Unidos, Inglaterra e Portugal afirmam que o relacionamento médico e paciente é diferente”, diz.

Além disso, cidadãos americanos são contribuintes fiscais nos EUA, como explica Marcelo Godke, professor do Insper, da Faap e do Ceu Law School. Isso significa que o cidadão terá de pagar Imposto de Renda ao governo americano, independentemente do lugar onde more e trabalhe.

Receber atendimento médico e ter um bebê nos EUA são práticas condizentes com as leis americanas, como diz Marcelo Gondim, advogado licenciado na Califórnia e especializado em Direito Imigratório.

A única exigência é que a gestante comprove condições de pagar pelos serviços médicos. Agentes consulares podem recusar vistos de turismo para grávidas, caso desconfiem que existe intenção em dar à luz nos EUA sem arcar com as despesas do tratamento.

A cidadania americana não se estende imediatamente aos pais. “Cidadãos americanos só podem transmitir o direito a um green card para seus pais após terem completado 21 anos”, diz Gondim.

Para ter direito também à cidadania brasileira, a criança deve ser registrada na Embaixada ou em um dos Consulados brasileiros em solo americano.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.