Na madrugada da quarta-feira 30, quando quase todo o País chorava os mortos no acidente aéreo perto de Medellín, na Colômbia, os deputados e deputadas federais reunidos em Brasília desfiguraram a proposta de lei anticorrupção. Chamado popularmente de “Dez medidas”, o projeto, que tinha na verdade 12 propostas, endurece as punições dos servidores públicos pegos em flagrante delito. Após um acordo de lideranças, o projeto foi aprovado por quase unanimidade: 450 votos a favor, um contrário e três abstenções. O problema foi o que ocorreu em seguida.

De contrabando, na calda da noite, Suas Excelências inseriram medidas que desestimulam bastante o Ministério Público a ser contundente na hora de apurar malfeitorias. Pelas emendas aprovadas, os promotores e procuradores poderão responder pelo crime de abuso de autoridade caso instaurem “procedimento sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito”. Ao tomar essa decisão, Suas Excelências reforçaram o principal entrave ao funcionamento do setor público. Uma das críticas mais freqüentes à atuação dos servidores públicos é sua demora em agir.

Essa demora existe, e não é por acaso. O serviço público é pautado pela legalidade. Na prática, um servidor só pode atuar se tiver o respaldo da lei. E no caso de sua atuação ser legalmente contestada, o servidor poderá ser processado, e, no limite, perder seu emprego, sua carreira e sua aposentadoria. E aqui, contestação legal pode ser a ausência de uma assinatura em um processo absolutamente corriqueiro. Há mais. Se for processado, o servidor não poderá ser defendido por seu empregador, como ocorre na iniciativa privada. Assim, os lentos, custosos e desgastantes processos caem na conta pessoal do servidor.

Em um ambiente assim, a tendência sempre será pela cautela máxima e pela aderência máxima à letra da lei, o que por definição emperra as engrenagens da máquina pública. Ao estender esse risco aos procuradores e promotores, os nobres deputados quiseram amputar os membros do Ministério Público. Corruptos e corruptores não registram seus atos em cartório, nem postam fotos de transações ilícitas nas redes sociais. Assim, as investigações partem de suspeitas, algumas fundadas, outras não. Se algo induzir um procurador a sair procurando e essa suspeita provar-se infundada, o procurador também corre o risco de ter de indenizar quem for denunciado por ele. Assim como o Ministério Público.

Em um momento no qual a opinião pública demonstra, com voz e voto, que demanda justiça e repudia velhas práticas políticas, o trabalho feito na madrugada pelos parlamentares mostra um divórcio litigioso com a vontade das ruas. Ou, como disse o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ao conclamar os senadores a barrar a proposta. “Nós estamos mexendo com coisas muito perigosas, com coisas muito delicadas, e em um ambiente explosivo. O povo brasileiro olha para nós, seus representantes, dizendo ‘vocês não nos representam’. Nós queremos jogar água nesse moinho? Jogar pólvora nessa fogueira?” Tomara que essa sensatez contamine os colegas do Senado, sob pena de queimar o Parlamento na fogueira da insensatez.