O executivo Paulo Periquito já deve ter ouvido todos os trocadilhos possíveis inspirados nos produtos da empresa que comanda, a Multibrás, o colosso que reúne as marcas Brastemp e Consul. Os mais comuns apelam para tiradas como ?a Multibrás vai entrar numa fria? ou ?a Brastemp vai tirar os investimentos do freezer?. Um dos trocadilhos, porém, soa como música aos ouvidos de Periquito. É quando comentam que a empresa é realmente uma Brastemp, numa referência ao bem-sucedido slogan adotado pela companhia. O ano passado marcou para ele o encerramento de um ciclo iniciado em meados da década de 90. Na ocasião, a Multibrás deu partida em uma reviravolta total em sua forma de fazer negócios. Havia dois objetivos. Um era estancar a queda de participação no setor e manter a liderança histórica. Outro, aumentar sua presença no mercado externo. Hoje, a Multibrás controla cerca de 45% das vendas da chamada linha branca (refrigeradores, fogões, microondas, etc.), o dobro, segundo Periquito, ?de qualquer outro dos concorrentes?, embora sua fatia já tenha sido superior tempos atrás. As exportações também ganharam musculatura ? de menos de 5% do faturamento saltaram para quase 12% e podem chegar a 35% em 2005. ?Somos definitivamente uma companhia global?, diz Periquito.

Pernambucano discreto e bem-humorado, Periquito, 56 anos, não gosta de se expor. Entrevistas à imprensa são raras em sua
rotina de trabalho. Mas no mercado de executivos, ele é
considerado ?assim como uma Brastemp?. Formado em Engenharia Mecânica, ele desceu para o Sul há 20 anos. Desde então, o sotaque nordestino praticamente desapareceu. ?Só depois de minhas férias anuais, eu recupero parte dele?, conta. A carreira ganhou impulso na Alcoa, onde foi o segundo de outro mito do mundo empresarial, Alan Belda. Na Multibrás, ele desenhou uma carreira sempre ascendente. Começou há sete anos como presidente, assumiu o comando da holding Brasmotor e, por fim, tornou-se o principal executivo da Whirpool para a América Latina. Tomava posse em um posto sem abandonar o outro. Ao mesmo tempo, bolou a internacionalização da companhia.

A opção pelo mercado externo foi, antes de tudo, uma necessidade. Anos atrás, a Multibrás foi atingida por dois golpes. O primeiro foi o desembarque de concorrentes como Electrolux, GE e Bosh-Siemens. Tudo bem, a Multibrás também pertence a um grandalhão do setor, o grupo americano Whirpool, maior fabricante de eletrodomésticos do mundo. Mas o impacto da novidade no consumidor foi grande. Ao mesmo tempo, as altas taxas de juros derrubaram o crédito, e isso é fatal para as vendas desse tipo de produto. ?A saída era o mercado externo?, diz Periquito.

A Multibrás atacou em duas frentes. Dentro de casa, redesenhou a produção. As linhas de montagem foram concentradas em quatro grandes unidades, cada uma especializada em um produto: refrigeradores, lavadoras de roupa, microondas e fogões. A
reforma custou US$ 450 milhões nos últimos seis anos. O que
não exigiu reforma foi a marca. Segundo a empresa, dois em
cada três consumidores entram na loja com intenção de
comprar produtos Brastemp. Metade dos lares brasileiros
possui pelo menos um aparelho da Consul. ?Temos dois dos mais fortes nomes de eletrodomésticos no Brasil?, diz Emerson do Valle, vice-presidente de marketing.

A segunda investida focou a inovação. Desde 1997, as linhas de produtos da empresa foram inteiramente renovadas duas vezes. Antes, a troca ocorria a cada 6 a 7 anos. A diversidade foi também exigência do mercado externo. As geladeiras vendidas para a Índia, por exemplo, possuem uma trava especial para que macacos, criados como animais de estimação no país, não abram as portas. Dá um trabalho danado manter variações sobre o mesmo produto, mas a rentabilidade melhorou. Nos nove primeiros meses de 2002, a empresa faturou menos do que no mesmo período de 2001 ? foram
R$ 1,45 bilhão, contra R$ 1,55 bilhão. Mas o lucro subiu de R$ 125 milhões para 143 milhões.